Família: da desinstitucionalização à contratualização
O casamento apresenta-se no ordenamento jurídico como o contrato escrito mais antigo do Direito de Família, requerendo habilitação perante o Cartório do Registro Civil e solenidades específicas para ser considerado válido e gerar efeitos. Durante séculos, somente se reconhecia a família constituída através do casamento, permanecendo todas as demais à margem da sociedade.
No decorrer da história e com a constante transformação da família, tivemos alguns marcos significativos que culminaram com a compreensão e a legitimação de várias formas de família, haja vista que esta passou a ter seu núcleo central no afeto e na satisfação pessoal de seus membros.
O mundo contemporâneo, solidificando o afeto como núcleo formador da família, caminhou para reconhecer as mais diversas formas de família. No Brasil não foi diferente. O Ministro do STF Luiz Edson Fachin trouxe à baila o fenômeno da desinstitucionalização da família, de forma a conceder a seus membros maior autonomia e liberdade para ditar suas próprias regras, passando, pois, a ter natureza mais contratual e menos intervencionista por parte do Estado.
Assim é que, para além do casamento solene, várias outras formas de família surgiram, algumas delas já reconhecidas no âmbito jurídico, outras ainda ascendendo ao reconhecimento, sendo que os contratos se apresentam como o caminho para delimitar direitos, efeitos e prevenir futuras controvérsias. Do reconhecimento legal da união estável, evoluiu-se para que novos contratos pudessem dar ênfase e reconhecimento a novos modelos familiares.
O contrato de namoro vem ganhando destaque em um momento em que as mudanças culturais e a liberdade de se criar regras próprias pedem segurança na relação estabelecida entre duas pessoas. Existe uma linha tênue entre o namoro e a
união estável, impelindo o casal a consignar de forma expressa que não possui intenção de constituir família, apesar da estreita e diuturna convivência.
De forma ainda mais inovadora, a família coparental vem ganhando destaque, e a contratualização é medida de segurança que se impõe, para que as bases dessa entidade familiar estejam bem definidas. A coparentalidade exclui a relação de conjugalidade (amorosa, conjugal), a partir do momento em que duas pessoas se unem com um único objetivo, que é a parceria de paternidade/maternidade, ou seja, o parceiro ou a parceira é escolhido com a finalidade de partilhar, de forma responsável, a maternidade/paternidade, estabelecendo o prévio contrato a modalidade do ato reprodutivo (em regra por reprodução assistida), a forma de criação e educação do filho comum, a guarda e os alimentos.
A união poliafetiva, caracterizada na interação de mais de duas pessoas, defronta-se com a negligência do ordenamento jurídico, em decorrência da defesa do princípio da monogamia, mantendo essa entidade familiar à margem da sociedade. Um contrato celebrado entre um trisal, pois, não encontra proteção, restando mitigados os direitos decorrentes de uma união familiar, como direito aos alimentos, adoção, partilha de bens, previdência e herança.
A valoração de direitos e garantias fundamentais, para compreensão e legitimação de uma entidade familiar, é medida que impera. Os princípios da afetividade, da solidariedade, da menor intervenção estatal, da dignidade e da liberdade são núcleo base de toda e qualquer entidade familiar. O Estado não tem o direito de intervir na vida privada, o que vem consubstanciado na Constituição Federal e no Código Civil. O Estado deve ter um papel protetor, e não interventor. A intervenção somente se justifica diante da presença de vulneráveis na relação e diante do atingimento da esfera de direitos de terceiros.
Com bem salienta Rodrigo da Cunha Pereira, o Estado não pode intervir no código particular de cada casal, ou seja, o “Estado não pode proibir ou se intrometer na intimidade do desejo do casal. Deve apenas atribuir responsabilidade àqueles que escolhem seguir caminhos diferentes dos já estabelecidos em Lei”.
Afinal, toda família é família de bem. Toda!