Fiel da Balança
O meio ‘torto’ pelo qual a EIRELI chegou ao fim
No ano de 2011, foi criada a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), que permitia a formação de pessoa jurídica sem a necessidade de sócios. Atendeu-se a uma antiga demanda que clamava pela possibilidade de se limitar os riscos de um investimento sem que, para isso, o investidor precisasse se unir a outra pessoa. Porém, apesar da criação da EIRELI, manteve-se uma barreira já que, para sua escolha, enquanto tipo empresarial, era preciso ter o capital mínimo de 100 salários mínimos, o que fazia com que investimentos de pequeno porte não fossem abarcados pela novidade, algo que levantou muitas críticas.
Em 2019, surgiu nova hipótese de formação de pessoa jurídica com apenas uma pessoa física. A MP 881, que posteriormente foi convertida em lei com a publicação da Lei nº 13.974/2019, permitiu que a sociedade limitada fosse constituída por uma ou mais pessoas. Criou-se, portanto, a sociedade limitada unipessoal. Com esta modificação, já naquela época, argumentou-se e chegou a ser proposto pela Câmara dos Deputados, durante a discussão da MP, que a EIRELI deveria ser extinta, tendo em vista que perdera seu objetivo. Apesar da proposta da Câmara, o Senado rejeitou a proposta de revogação do artigo que mencionava a EIRELI e a existência do tipo empresarial se manteve.
Agora, no ano de 2021, tivemos a Medida Provisória nº 1.040, que tinha como objetivo, segundo o governo, melhorar o ambiente empresarial no Brasil em virtude da pandemia. No texto da MP, nada se falou a respeito da EIRELI ou dos tipos empresariais existentes no país. Porém, na discussão da lei de conversão, aconteceu algo que vem sendo bastante recorrente.
Como o executivo vem “abusando” do uso de MP, desvirtuando seu objetivo previsto na Constituição, o Congresso também desrespeita o devido processo legislativo e usa da discussão da lei de conversão para debater temas que não estavam abrangidos na media provisória. E foi o que ocorreu neste caso. A Lei nº 14.195/2021, quando da aprovação pelo congresso, continha o art. 57, XXIX, “a” e “e” que revogava os artigos 44, VI e 980-A do Código Civil, quais sejam, os dispositivos que previam a existência da EIRELI. Além disso, o art. 41 da Lei previu que: “As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo.”. A intenção do legislador foi clara: extinguir a EIRELI. Acontece que, no momento da sanção, o executivo vetou o art. 57, XXIX, “a” e “e” da lei de conversão e não vetou o art. 41. Conclusão: temos uma grande confusão. Os artigos referentes à existência da EIRELI permanecem em vigor, mas existe um texto de lei que manda transformar todas elas em sociedade limitada unipessoal.
Para o meio jurídico a solução está sendo praticamente unânime. Apesar do veto, houve sim revogação tácita dos art. 44, VI e 980-A do Código Civil, com base na previsão da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro que em seu art. 2º, §1º prevê que a lei posterior revoga a anterior quando com ela for incompatível. Isto quer dizer que, quando o art. 41 da Lei nº 14.195 determina a obrigatoriedade de se converter as EIRELIs em sociedade limitada unipessoal, ele gera a incompatibilidade de sua vigência com os referidos artigos do Código Civil. Comungando com este entendimento, o DREI, órgão responsável por normatizar o registro empresarial no Brasil, editou o ofício circular nº 3510/2021 no qual determina que as Juntas Comerciais procedam à transformação das EIRELIs existentes e se abstenham de registrar novas.
Pode-se, portanto, afirmar que a EIRELI chegou ao fim, mas fica a reflexão sobre como o processo legislativo no Brasil tem sido feito de maneira equivocada, gerando, muitas vezes, insegurança e confusão jurídicas. É preciso rever tal postura.