Empresários, digam não ao ‘fura-fila’ da vacina!
Na minha primeira coluna após o início da pandemia do coronavírus no Brasil, em março de 2020, tratei de alguns aspectos da função social da empresa e como ela estava sendo desrespeitada lá naquele limiar da crise sanitária.
Falar em função social da empresa é enxergar o papel que as atividades empresárias desempenham dentro de uma sociedade, e ele vai além de ser apenas fonte geradora de empregos, tributos, renda e etc. O papel da empresa é contribuir para a justiça e a evolução social, e isso se mostra ainda mais relevante diante de um cenário tão terrível quanto o que estamos vivendo.
Não há mais dúvidas de que a vacinação em massa é a principal forma de tentar por fim à pandemia do coronavírus e que a obrigação de vacinar a população é, em primeiro lugar, do Poder Público. Pois bem, mas e o setor privado, pode adquirir vacinas? Dentro de um norte até que razoável, o legislador brasileiro instituiu a forma como o tal setor poderá contribuir com a aquisição de vacinas, com a aprovação da Lei nº 14.125/2021 há pouco mais de um mês.
Estabeleceu-se que pessoas jurídicas de direito privado poderão adquirir vacinas, mas deverão entregá-las ao SUS para que sejam utilizadas dentro do Programa Nacional de Imunização.
Previu-se ainda que após a imunização dos grupos prioritários, as empresas teriam que repassar 50% das doses ao SUS, e o restante poderia ser administrado a critério do adquirente, desde que de forma gratuita.
Porém, mesmo com tão pouco tempo de sancionada a lei, já foi aprovado na Câmara dos Deputados, na semana passada, projeto que a altera e permite que as vacinas adquiridas pelas empresas sejam imediatamente por elas utilizadas, desde que para aplicação gratuita em seus colaboradores (funcionários, estagiários, associados, autônomos ou prestadores de serviços) e que a instituição doe o mesmo número de doses aos SUS. Em um primeiro momento essa ideia pode até parecer razoável, mas não é.
É muito grande a chance de que, com os grupos privados entrando na competição por aquisição de vacinas, as empresas tornem-se instrumentos de aumento das desigualdades sociais, e o poder econômico passará a ditar a ordem de prioridade na vacinação.
Primeiro porque as pequenas e médias empresas estão em grave crise econômica por conta das medidas de isolamento social, o que nos faz crer que somente as atividades empresárias de grande poder econômico terão capacidade financeira para entrar na corrida da compra da vacina. Fica claro que os funcionários das grandes empresas serão beneficiados por uma questão meramente econômica. Segundo porque o projeto de lei deixa muito aberto quem são os colaboradores que a empresa poderá imunizar, permitindo que seja facilmente burlado. Basta o empresário fazer um contrato de prestação de serviços com alguém da família e ele poderá ser vacinado. Infelizmente sabemos que nossa cultura ética nos faz acreditar que isso é praticamente certo de ocorrer. Terceiro porque as empresas poderão usar a compra das vacinas para obter desconto no pagamento de impostos. Ou seja, no final de tudo é o dinheiro público quem vai pagar a conta da compra feita pelo empresário, para que ele escolha quem será vacinado. Vários outros pontos negativos poderiam ser levantados par ser contra a aquisição de vacinas pelas empresas, mas o que se está vendo é um forte lobby do setor empresarial para que o projeto seja aprovado no Senado.
Por hora nos resta apelar ao senso de justiça social dos empresários para que a vacina continue seguindo os critérios técnicos e médicos de prioridade e que as empresas não contribuam para mais um cenário de grande desigualdade.