Era de excessos
Vivemos numa era de excessos. Excesso de informação, de tecnologias, de pressa, de plataformas (de streaming e de trabalho), de reuniões, de trânsito, de vontades, de consumo, de medos, de grupos de WhatsApp, de vendedores de “Mentos” nos semáforos… excesso de excesso de excesso de excesso. Tamanho é o excesso que é um milagre que você esteja lendo meu texto neste exato momento, em vez de naufragar em meio a tantas outras urgências (ou não) que exigem sua atenção. Por isso, este humilde autor só pode agradecer por você ter chegado até aqui. Sigamos.
Não é de espantar que, em meio a esse cenário, os excessos se espalhem para todas as áreas da vida. Comecemos pela política. Hoje, parece que todo tema desperta as paixões políticas em sua mais alta voltagem. Exemplo disso é a linguagem. Recentemente, em artigo na Folha de São Paulo, Sérgio Rodrigues dá notícia de que a nova moda é chamar “seminário” de “ovulário” (como se seminário viesse de sêmen, evocando uma dominação masculina).
Já femenagem veio para substituir homenagem (seguindo a mesma lógica). A palavra seminário vem de “seminarium”, lugar onde se plantavam sementes, numa clara alusão ao semear do conhecimento. Que diferença faz essa explicação para os novos censores? Nenhuma. A cartilha da novilíngua orwelliana progressista, essa alucinação coletiva que somente traz reação contrária, quer guilhotinar palavras (e não ousem me convidar para um ovulário para discutir esse assunto).
Ocorre que a política não irá nos salvar de nossos problemas. Colocar as esperanças na politização – do corpo, da alma, da linguagem, de tudo – só acaba gerando mais frustrações (como se já não nos bastassem as tantas que a vida nos impõe). Isso porque, cavando mais fundo atrás da origem desse fenômeno, encontra-se o excesso do desejo, mais especificamente o desejo de impor sua visão e suas vontades aos outros.
Atualmente, qualquer afirmação de princípios é apenas um disfarce para expressão de preferências pessoais, como ensinou o filósofo Alasdair MacIntire em sua obra “Depois da virtude”: “não há mais nada nessas divergências contemporâneas senão o embate de desejos antagônicos, cada qual determinado por um conjunto de escolhas arbitrárias individuais”. Mas até quando vamos seguir assim? Estaremos fadados a viver numa frágil trégua entre rivalidades insuperáveis, cada qual falando sua língua sem ter um terreno comum de valores compartilhados? Cercados por fanáticos, o que pode restar aos moderados?
Nesse mundo do querer sempre mais, ninguém se lembra da moderação, essa virtude démodé que não dá cliques. Os fanáticos sempre têm uma vantagem sobre os moderados: eles não têm vida para além de sua causa. Não sou otimista o bastante para esperar que encontremos um consenso que nos faça abaixar as armas verbais e virtuais, especialmente em tempos de redes sociais e seus algoritmos manipulados e manipuladores. Mas acredito que nos deixar conduzir por fanáticos – seres irracionais em essência – não seja a melhor saída para uma boa vida em comunidade.