Dinossauros divertem, bruxos aborrecem
Oi, gente.
Aproveitei os últimos dias para assistir a “Jurassic World: Domínio” e “Animais Fantásticos: Os segredos de Dumbledore”, sendo o primeiro no cinema, claro, em um 3D totalmente desnecessário, e o segundo em casa, pelo HBO Max. Se pudesse definir cada um dos longas com apenas duas palavra para cada um deles, o filme dos dinos pode ser rotulado como “divertido e esquecível”, enquanto o derivado da franquia “Harry Potter” leva um “aborrecido e esquecível” bem no meio da testa.
“Jurassic World: Domínio” encerra a segunda trilogia iniciada por Steven Spielberg em 1993 e, ao que parece, o sexto filme da saga deve ser o último – pelo menos por alguns anos, pois a galera adora dinossauros e Hollywood ama espremer as franquias até sobrar o bagaço do bagaço. Como era de se esperar, o longa dirigido por Colin Trevorrow mal engraxa os sapatos do insuperável “Jurassic Park”, mas pelo menos é um blockbuster com ótimas cenas de ação, divertido, com dinossauros para todos os lados.
Os problemas do longa não são poucos, e quem for meio limão mais exigente já vai se ligar nos deslizes com a história rolando na tela. Para começar, o inevitável roteiro Scooby-Doo dos blockbusters berra toda vez que personagens se encontram num complexo gigantesco igual a voltarredondenses no metrô de Tóquio. Não falta, claro, o bilionário malvado (perdão pela redundância) que mistura Steve Jobs e Elon Musk, e que nós sabemos que vai ser castigado de alguma forma, mas isso é tão óbvio que nem pode ser considerado spoiler.
(Aliás, impressionante como ainda apostam no clichê mais que surrado da empresa bilionária que convence governos a assumirem uns trampos que todo mundo sabe que vai dar ruim para nosso lado, e como existem empresas desse tipo na franquia!)
Comentei lá em cima que não faltam dinossauros em “Domínio”; o problema é que eles se tornam quase irrelevantes na trama, uma vez que os protagonistas têm como maior desafio impedir os planos do bilionário inescrupuloso (desculpe pela nova redundância). Teríamos uma história muito mais interessante se o último “Jurassic World” tratasse de fato das consequências do que aconteceu em “Reino ameaçado”, com a humanidade precisando compartilhar o mundo com os dinossauros. Mas terminamos com o óbvio, que é o ser humano brincando de Deus apesar de todos os filmes anteriores mostrarem que isso nunca dá certo.
Agora vamos ao que teve de bom em “Jurassic World: Domínio”. Em primeiro lugar: que alegria termos de volta o trio formado por Jeff Goldblum, Laura Dern e Sam Neill! De todo o elenco, está na cara que os três são os que mais curtiram o rolê. Bryce Dallas Howard é outra que manda bem, assim como Isabella Sermon, no papel da aborrescente-clone. Chris Pratt, que deveria ser o herói de ação a comandar a nova trilogia, não diz a que veio e não faria falta. Por outro lado, o quase onipresente BD Wong e o carismático Omar Sy são retornos bem-vindos. Dos novos nomes no elenco, o que mais se destaca é o de DeWanda Wise, mas Campbell Scott e Mamoudou Athie também são boas adições.
Quanto às cenas de ação, quem assistiu a todos os filmes vai perceber que várias delas repetem momentos clássicos da franquia, mas quem se importa? O que vale é que elas são muito bem dirigidas por Colin Trevorrow, e a cena da caverna realmente assusta num primeiro momento. E que se dane se é preciso muita suspensão da descrença para acreditar que os personagens seriam capazes de escapar de 486 ataques de dinos, ou que já vimos a T-Rex lutar com outro dinossauro gigante outras 486 vezes: sempre vai ser divertido, mesmo que o impacto não seja o mesmo de 1993.
E curtimos muito o Dinossauro Wolverine (ou Logansauro, se preferir), os brontossauros (?) desfilando lá na cidadezinha nos Estados Unidos, a cena da galinhassauro no lago congelado, a Bryce Dallas Howard fugindo do Dinossauro Wolverine, as cenas dos lagartões convivendo com cavalos, elefantes e baleias. São esses pequenos detalhes, a nostalgia, o carisma dos personagens e as ótimas cenas de ação que fazem valer a pena o ingresso, e relevarmos o roteiro raso e cheio de furos. “Jurassic World: Domínio” é o tipo de filme com o qual você não vai se importar daqui a uma semana, mas pelo menos terá se divertido por duas horas.
Por outro lado, pouco há para se elogiar em “Animais Fantásticos: Os segredos de Dumbledore”. A ah miga leitora e o ah migo leitor podem não acreditar, mas é muito chato falar de filme ruim, e o terceiro longa da série tem mais defeitos que janelas no mundo – tá bom, sei que exagerei um pouco, mas fui assistir ao longa com expectativas muito baixas, e mesmo assim a produção conseguiu ficar abaixo do pouco que esperava.
Difícil saber por onde começar, mas um bom ponto de partida é o fato de que a série de filmes (a Warner prometeu nada menos que cinco) perdeu totalmente o rumo, atirando para todos os lados a cada longa tal e qual a última trilogia de “Star Wars”. O primeiro “Animais Fantásticos” indicava que Newt Scamander (Eddie Redmayne) seria o protagonista da saga, mas chegamos ao terceiro longa com a impressão de que o foco passou para Dumbledore (Jude Law) e sua luta para impedir os planos de Gerardo Grindewald (Mads Mikkleson, que substitui o canceladíssimo Johnny Depp).
Scamander não tem muito o que fazer, a não ser realizar o parto do Bambi mágico, ir até Berlim entregar um recado e embarcar na quest para salvar o irmão de uns escorpiões dançarinos. Animais Fantásticos? Tirando o tal Bambi mágico e os escorpiões dançantes (que não sei se já eram conhecidos pelo fandom), acho que não aparece mais nenhum.
Personagens do segundo filme, que pareciam importantes, são esquecidos, deixam de ter relevância para a trama, mudam de forma inexplicável ou são relegados a terceiro plano, segundo já seria bondade – são os casos, principalmente, de Queenie (Alison Sudol), Credence (Ezra Miller) e Tina (Katherine Waterston). Um dos poucos a se salvar são o próprio Dumbledore – mesmo que não tenha nenhum segredo revelado, o que faz do título do longa um clikbait daqueles – e Jacob Kowalski (Dan Fogler). Eventos de “Os crimes de Grindewald”, que a princípio teriam relevância ou repercussão em “Os segredos de Dumbledore”, são igualmente esquecidos ou mudam ao sabor dos humores de dona J. K. Rowling.
Toda essa bagunça é piorada pelo roteiro, totalmente perdido, cheio de furos e que deixa um monte de coisa sem explicação, como a tal eleição do “presidente” dos bruxos, que uma hora vai ser na base do voto e depois passa a ser decidida pelo Bambi mágico zumbi. Se eu fosse a galera que estava em Berlim pedindo voto para seus candidatos, eu ficaria muito pistolado com isso. As negociações de bastidores da eleição, que poderiam ser exploradas, não aparecem na história, e os candidatos – incluindo a brasileira Maria Fernanda Cândido – servem apenas de figuração.
Ao final de quase duas horas e meia de filme, o resultado é que o espectador não se importa com a história ou se o bem vai vencer o mal ou se alguém vai morrer, mas o pior de tudo é que é praticamente impossível se importar com os personagens – o que é a morte para qualquer filme. O grande problema da série “Animais Fantásticos” é que, ao contrário de “Harry Potter”, a nova franquia foi baseada num livro com menos de cem páginas e que sequer tem uma história sendo contada. J. K. Rowling criou tudo diretamente para os filmes, e é evidente que ela, como roteirista, escreve como alguém que acha que está escrevendo um livro de 900 páginas.
“Animais Fantásticos: Os segredos de Dumbledore” pode ser definido como um monte de tramas aleatórias que levam a lugar nenhum, personagens mal desenvolvidos e ideias que são abandonadas ou mudadas ao bel prazer da escritora inglesa. O resultado, infelizmente, é uma série de filmes que não deixarão saudade, e é difícil acreditar que teremos os dois longas ainda prometidos – quem sabe resolvam produzir um quarto filme, só para dar fim ao que ainda foi deixado em aberto, mas será complicado encontrar público disposto a perder mais duas horas de suas vidas com esse negócio todo errado desde o nascimento.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.