Barrados na Disney
No caminho que percorro todos os dias para voltar para casa, invariavelmente, encontro pessoas em situação de rua. Todos os dias doo-me ao vê-los dormir no chão duro, sujo, com suas coisas em volta; com a chuva, com vento e, pelo que percebo, na maioria do tempo, sem ter o que comer, onde usar um banheiro, se virando como podem.
Todos os dias, passo por trabalhadores em bancas improvisadas, vendendo o que podem para levar o sustento para casa. Sem qualquer tipo de garantia, sem previsão de um posto de trabalho legalizado. Isso também dói em mim.
Todos os dias, entro em galerias e sou abordado por crianças com caixas de jujubas nas mãos. Elas usam frases rápidas, às vezes pedem algo, além de tentar vender as balas. Talvez, de tudo o que vejo, essa seja uma das cenas que mais me deixa mal.
Todos os dias, ouço reclamações dos trabalhadores sobre suas condições de trabalho. As muitas horas dedicadas ao serviço, com cada vez mais exigências e menos reconhecimento. Não são ouvidos, nem considerados, mas engolem todo o constrangimento goela abaixo, porque dependem daquele emprego. Mais responsabilidades e preocupações e menos direitos. Menos tempo para a família, menos tempo para se dedicar às suas próprias vontades e sonhos. Me preocupa que ouvir esses relatos não doam nas outras pessoas. Eu doo-me e acredito que nunca vou deixar de sentir.
Mesmo tentando voltar os olhos para o que considero belo, tentando perceber o que há de positivo no dia nas ruas pelas quais caminho, não consigo ignorar as realidades que vejo. Não consigo virar o rosto e fingir que não tem algo errado. Nem sempre consigo fazer algo por essas pessoas, sei que qualquer atitude minha, individual, por mais engajada que seja, não resolveria o problema. Também sei que cada uma dessas situações e muitas outras não seriam solucionadas apenas com a boa vontade do Poder Público. Existem uma série de mudanças em curso e vamos ter que aprender a lidar com elas.
Os desafios dos nossos tempos teimam em pesar sobre os ombros de todos. Porém, entristece-me pensar que há gente com poder para fazer algo, minimizar todas essas dores e ajudar a construir outro caminho, mas escolhe pensar que as pessoas mais vulneráveis são as culpadas por todas as crises; que entendem o acesso, mesmo que mínimo, como sinônimo de excesso.
A Disney está muito longe das necessidades urgentes que as ruas gritam para quem quiser ouvir e estiver disposto a encarar. Se características como sensibilidade, empatia e disposição fossem dotadas de valor monetário, provavelmente, grandes figurões seriam barrados na terra do Mickey.