Bem-te-vis
Eles vieram em dupla. Ousaria dizer casal, mas com medo de errar, prefiro não afirmar qualquer certeza. Mas vieram em um bom dia. Antes, um deles tinha passado como quem não quer nada, para dar uma pescoçada no espaço. Em sua avaliação, o tamanho era bom, daria para se arranjar com conforto, nada luxuoso, porém atendia a cada uma das preferências de sua lista.
Para tirar a cisma e esclarecer qualquer dúvida, trouxe também o outro possível inquilino, com quem pretendia dividir o ambiente e o cotidiano. Desconfiada, a segunda locatária observou de longe primeiro, para depois se aproximar. Antes de qualquer outro aspecto, avaliaria a vizinhança. Quis se certificar de que não teria problemas com os outros moradores. Logo de início se aborreceu, no entanto.
Poucos segundos bastaram para ela entender que o entorno era muito barulhento. Pensou: “como essas pessoas conseguem lidar com tanta poluição?” Era assovio, buzina de veículos, crianças gritando, adultos gritando, chiado de rádio, sirene de fábrica, os muitos cachorros da vizinhança latindo ao mesmo tempo e, tudo isso, porque há uma restrição de circulação em vigência. “Imagina em condições normais? Que loucura!”
A acomodação era do seu gosto. Bom espaço, sólido. Conseguiu perceber que o sol bate por boa parte do dia, iluminação natural era um item muito importante para eles. Encontrou um canto perfeito para os seus afazeres. Verificou cada pequeno detalhe da estrutura com atenção. “Não vou me mudar para um lugar qualquer de jeito nenhum.”
Mas o que a incomodou foi a vizinhança. As pessoas pareciam estar muito alheias. Ficavam dentro de suas casas a maior parte do tempo. Janelas trancadas, cortinas fechadas. “Povo estranho! Tanto a desbravar e eles escolhem ficar trancafiados. Nem um arzinho vêm tomar, olha o céu como está lindo! Todo azul, poucas nuvens. Não gosto disso! Gente que não sabe apreciar o que há de melhor.”
Depois disso, os dois foram, provavelmente, em busca de outros lugares. Chegaram a voltar, mas, pelo visto, não vão fechar negócio. Eu os encarei por alguns momentos, mas, logo depois, eles desviaram o olhar e voaram para longe. Há dias, eles não dão qualquer sinal de vida. Contrariando as minhas expectativas surreais, eles não formalizaram compromisso nenhum comigo, nem teriam como, não sou proprietário de nada.
Ainda fico imaginando onde deve ter sido o pouso dos bem-te-vis que quase se tornaram meus vizinhos. Acho que o poste, que também já foi visitado por andorinhas e maritacas, talvez se tornasse um bom ninho para eles, vai saber! Torço para que tenham encontrado um lugar adequado para levar a vida.