O guia da boa esposa
Pode parecer surreal nos dias de hoje, mas, em 1955, a revista “Housekeeping Monthtly” publicou um artigo intitulado: “O guia da boa esposa”. Nele há 18 conselhos para tornar-se a dona de casa perfeita. Na prática, os “conselhos” são regras de comportamento que revelam, sem máscaras, o pensamento da sociedade em meados de 1950, época em que a mulher era invisibilizada e tratada como um ser sem vontade, apenas com obrigações. Por mais que o texto seja controverso para os dias de hoje, é interessante perceber o quanto mudamos em pouco mais de meio século. Por isso, li com atenção cada item deste guia que resumo aqui:
– Tenha o jantar sempre pronto. Esta é uma maneira de deixá-lo (o esposo) saber que se importa com ele e com suas necessidades.
– Separe 15 minutos para descansar, assim você estará revigorada quando ele chegar. Retoque a maquiagem, ponha uma fita no cabelo e pareça animada.
– Seja amável e interessante. Ele pode precisar que o anime e é uma das suas funções fazer isso.
– Durante os meses mais frios, você deve preparar e acender uma fogueira para ele relaxar. Seu marido vai sentir que chegou a um lugar de descanso e refúgio.
– Minimize os ruídos. Incentive as crianças a ficarem quietas.
– Ouça-o. Deixe-o falar primeiro, lembre-se, os temas de conversa dele são mais importantes que os seus.
– Nunca reclame se ele chegar tarde, sair pra jantar sem você. Em vez disso, tente compreender o seu mundo de tensão e pressão.
– Não reclame se ele se atrasar para o jantar ou passar a noite fora.
– Não faça-lhe perguntas sobre suas ações ou que questionem sua integridade. Lembre-se: ele é o dono da casa e, como tal, irá sempre exercer sua vontade com imparcialidade e veracidade. Você não tem o direito de questioná-lo.
O guia termina com uma frase igualmente incômoda: “uma boa esposa sabe o seu lugar.”
É duro perceber como o pensamento machista de uma época fez muitas mulheres sofrerem de solidão, de silenciamento, de esquecimento, afinal, quem se importava com o que elas sentiam se a função delas era apenas servir? Imagino o quanto custou para muitas dessas mulheres que simbolizavam o não ser lutar pela representação feminina na sociedade. Mas confesso que esse guia retrógrado me fez lembrar que ainda somos feitos de extremos. Basta ler os “guias modernos” que todos os meses são encontrados nas revistas dirigidas ao público feminino: “Como enfeitiçar um homem na cama, quatro dicas estimulantes para beijar como ninguém, como se tornar a mulher mais sexy do mundo, como atrair todos os olhares, como se vingar do seu marido, como ser uma vencedora”, e blá-blá-blá. Fiquei pensando que, de uma certa forma, muitas mulheres continuam sendo tratadas como objeto, porque são convencidas a todo momento a acreditar que o seu poder está unicamente na imagem que elas possuem. Em uma sociedade cada vez mais centrada em formas e desempenho, nós continuamos sendo guiadas por padrões pré-estabelecidos que, infelizmente, nos nivelam por baixo.
Não tenho a menor pretensão de escrever um novo guia sobre nada, mas é preciso lembrar que há características intrinsecamente femininas. Ser mulher é, sim, lutar, disputar, conquistar, ousar, mas é também pacificar, renunciar, acolher, cuidar, porque a delicadeza do afeto nos engrandece.