Tolerância zero
Reencontrei esta semana amigas muito queridas, cuja carreira premiada no jornalismo me dá um baita orgulho. Natália Viana, da Agência Pública, e a fotógrafa independente Marizilda Cruppe são o que há de melhor nesta profissão: guerreiras, éticas, talentosas e apaixonadas por gente. E foi em um bate-papo regado à contação de histórias e de idealização de futuros projetos que nos demos conta do quanto a nova geração é diferente da nossa e, em vários aspectos, muito melhor. Prova disso, é a tolerância zero para abusos e preconceitos dos quais a nossa geração foi vítima silenciosa. Neste tempo novo, os jovens estão mais empoderados e capazes de perceber que assédios morais, sexuais ou posturas preconceituosas de qualquer tipo devem ser combatidos na carne, mesmo que a superexposição do caso quebre a possibilidade de anonimato de quem denuncie.
Vimos isso recentemente na coragem da universitária da UFJF, Mariana Martins, que não se calou após ter sofrido injúria racial pela internet. A denúncia dela levou ao indiciamento de um conselheiro tutelar e ao afastamento temporário do cargo que ocupava. Meses atrás foi a vez de uma estudante de odontologia da UFJF levantar a voz para revelar os assédios praticados por um professor que foi posteriormente demitido. Eu mesma ouvi de mulheres diferentes, bem mais velhas do que a acadêmica, que também tinham sido vítimas desse homem, porém, não tiveram coragem de levar as queixas adiante.
E o que dizer da quebra do silêncio das vítimas do ator Kevin Spacey, acusado de pedofilia e abuso sexual por diversos rapazes? Se viessem à tona na data que ocorreram, as denúncias contra Spacey talvez não tivessem tido a repercussão de agora. Em tempos de cegueira profunda, na qual a nossa geração estava mergulhada, nada afetaria o status do ator multimilionário de Hollywood. Em uma era de ativismo, como agora, no entanto, Spacey perdeu seu emprego, teve a sua participação em um filme já gravado cancelada, sendo removido das cenas pela primeira vez na história da indústria do cinema.
Fim da linha também para o prestigiado produtor Harvey Weinstein, acusado de três estupros e vários casos de assédio sexual. Quando as denúncias vieram à tona no mês passado, famosas, como Gwyneth Paltrow e Angelina Jolie, ganharam coragem para revelar ao mundo sobre as investidas do fundador da Miramaz e da The Weinstein Co. Desde então, Harvey vive um inferno particular. Foi demitido da empresa que fundou, expulso do Sindicato dos Produtores dos Estados Unidos e da Academia de Arte e Ciências Cinematográficas americana. Embora sua conduta desonrosa fosse conhecida há mais de 20 anos, só agora a sociedade está mais amadurecida para combater com ênfase personalidades desse tipo, apesar de todo o dinheiro e poder do produtor.
O mesmo aconteceu com o jornalista William Waack, afastado da bancada do Jornal da Globo após um vídeo no qual ele faz declarações racistas ter sido colocado na internet. O autor do vazamento, Diego Rocha Pereira, é um ex-funcionário da emissora. Jovem e negro, ele guardou o material por um ano e, após ser demitido, resolveu trazer à tona a questão que o incomodou por todo esse período. A queda de Waack diz muito sobre um tempo no qual as máscaras não conseguem mais ser sustentadas. Antes de Waack, eu costumava defender a ideia de que bons jornalistas tendem a ser boas pessoas. Infelizmente, o âncora provou que essa máxima nem sempre é verdadeira.