Cartas de um pai morto
Aos 8 anos e meio, o filho odiou o pai. Estava magoado com o homem que partiu sem se despedir dele e, pior, sem avisá-lo que morreria. Assim, com dor que não cabia no peito, ele viu seu jovem pai ser enterrado por causa de um câncer, doença que o menino julgava poder ser curada com injeção daquelas que se chora antes com medo da picada. Em meio a inesperada partida, o órfão recebeu sua herança: uma caixa de sapatos. Dentro dela havia vários envelopes.
O primeiro exibia uma frase confusa aos olhos de um garoto. “PARA QUANDO EU ME FOR.” Curioso, o menino abriu. “Filho, se você está lendo, eu morri. Desculpa, eu sabia. Não queria te dizer que ia acontecer, não queria te ver chorar. Parece que consegui. Bom, como eu ainda tenho muito pra te ensinar, deixei essas cartas. Você só pode abrir quando o momento certo chegar, o momento que eu escrevi no envelope. Esse é o nosso combinado, ok? Eu te amo. Cuida da sua mãe, você é o homem da casa agora. Beijo, pai. PS: Não deixei cartas para sua mãe, ela já ficou com o carro.”
O menino entendeu que aquela caixa-troféu só deveria ser aberta em caso de precisão. Sete anos depois, o momento havia chegado. O adolescente, então, encontrou vários envelopes: PARA QUANDO VOCÊ DER O PRIMEIRO BEIJO, PARA QUANDO VOCÊ PERDER A VIRGINDIDADE ou PARA QUANDO VOCÊ TIVER A PIOR BRIGA DO MUNDO COM A SUA MÃE. Era este último que ele procurava. “A melhor maneira de resolver isso é com um humilde pedido de desculpas. Ela é sua mãe. Te ama mais do que tudo nessa vida. Pede desculpa. Ela vai te perdoar. Eu não seria tão bonzinho. Beijo, pai.” Seguindo a orientação do agora “velho” pai, o filho abraçou a mãe. Os dois choraram.
O envelope da virgindade ficou ali, guardado, e o jovem não via a hora de poder abri-lo. Até que um dia aconteceu.”Parabéns, filho. Não se preocupa, com o tempo a coisa fica melhor. Beijo, pai.”
Assim, o pai morto passou os instantes decisivos da vida do filho ao seu lado. Quando o filho se viu octogenário, havia uma última carta a ser aberta. Ao pegá-la, o idoso apertou o envelope contra o peito, suspirou e leu: PARA QUANDO SUA HORA CHEGAR. “Oi, filho, espero que você seja um velho agora. Sabe, essa foi a carta mais fácil de escrever. A que me livrou da dor de te perder. Um conselho: não precisa ter medo. PS: Tô com saudade.”
Essa incrível história criada por Rafael Zoehler, que circulou na internet, me fez lembrar do meu pai que está beirando os 90 anos. Ele não me escreveu cartas, mas marcou minha existência com ternura. Me lembro das deliciosas viagens de férias para a Prainha, em Arraial do Cabo, quando, na minha infância, cantávamos marchinhas árabes por horas dentro do carro até avistarmos, como uma miragem, o mar esmeralda de nossos sonhos. Também recordo de todas as vezes que ele segurou minha mão para que eu pudesse enfrentar as famigeradas injeções de benzetacil. Num dia histórico, deixou que eu e meu irmão mais velho fizéssemos maria-chiquinhas em seus cabelos cuidadosamente penteados com creme Biorene. Me deu trabalho, ao colocar boa parte dos meus pretendentes para correr de casa. No meu casamento, ao me ver pronta, quis encontrar a menina que eu fui por trás do vestido de noiva. “Como pode? Até ontem você era tão pequenininha.” E como todo fã número um, tornou-se um leitor ávido de tudo que escrevo, a ponto de me cobrar quando demoro a publicar um texto novo.
Como sou feita de palavras, escolhi essas para você: “Pai, quando alguém vive muitos anos tem tempo de perceber que o amor que distribuímos fica marcado no outro para sempre. Você está em mim. Beijo, filha. PS: por favor, não chora.”