Falta pouco
Falta muito pouco agora para que aconteça de novo. Eles chegarão de cidades distantes ou logo aqui ao lado, e se misturarão aos que já nasceram por aqui, em um emaranhado de sotaques e expressões que, em curtíssimo tempo chamarão de “minha sala”. Ainda que sob controvérsias, eles estarão descalços no Centro, pedindo moedas para custear a bebida de gente que nunca viram, e não raramente o farão sorrindo.
Daqui a pouco, os de fora em Juiz de Fora sofrerão o bullying atemporal dos nascidos e criados por aqui, no dia em que marcarem o primeiro encontro para um trabalho em grupo no “pirulito”, localidade ainda não demarcada pelo Google Maps, Waze e localizadores afins. Pode ser que em breve eles estejam embarcando em um 535 ou 525, espremendo-se entre outras pastas e mochilas, enquanto equilibram-se tentando atender ao pedido “um passinho à frente, fazendo favor”.
Nós os veremos por aí, quando, concentrados em nossa própria correria, não perceberemos seus olhares teimosamente cintilantes, típicos dos grandes começos da vida. Nossos caminhos se cruzarão no mercado, quando sorrirmos ao vermos a compra do carrinho vizinho, uma lembrança dos tempos em que a cerveja mais barata era sempre garantia de satisfação – e nossos fígados, muito mais resistentes. Passaremos direto por polegares estendidos em pedido de carona, esquecendo-nos do quão era ruim não ter a grana do ônibus ou somente do delicioso e pequeno senso de aventura de entrar no carro de um desconhecido.
Lembro-me muito bem da minha primeira noite como moradora de Juiz de Fora. Era setembro, e depois de um semestre de espera seguido de uma greve não tão longa como a última, eu finalmente iria me tornar aluna da UFJF. Conversava com a Dayanna, que dividia um charmoso quarto-e-sala comigo em cima do então Fazendinha, no São Mateus.
Comíamos empadas, e ríamos do fato de haver várias lanchonetes especializadas em tais salgadinhos na cidade que seria nossa casa, e eu ainda não sabia que a Day se tornaria uma irmã de coração. Enquanto explodia de ansiedade pelas pessoas, lugares, ensinamentos e realidades que me aguardavam pela frente, tenho a recordação de espiar pela varanda a antes Avenida Independência. Dei um sorrisinho para a Day, e pensei em como a vida, naquele exato momento, transbordava de possibilidades. Falta muito pouco agora para que 16 mil das Júlias que eu fui voltem a inundar a cidade de sonhos.