Meio-dia e quinze
São 11h30 e enquanto escrevo, algumas meninas com menos de 13 anos serão estupradas. É o que aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado na última quinta-feira (15). A pesquisa afirma quem 53% das vítimas de estupro do Brasil em 2020 estavam nessa faixa etária, e os números indicam que ocorre aproximadamente um caso a cada quinze minutos. Quinze minutos. QUIN-ZE. Como seguir a vida depois de saber disso?
Traduzidos para unidades privilegiadas de tempo, quinze minutos é o mínimo que se demora rolando a tela do iFood pra pedir um lanche e um tempo absurdo para se esperar um uber. É muito menos (ou assim parece) que qualquer fala desastrosa do senador Marcos Rogério na CPI da vacina. É o intervalo de almoço que várias empresas dão para seus ditos colaboradores. Para as que dão uma hora, almoça-se enquanto quatro garotas são estupradas. Em 85% das situações de violência, diz o estudo, o estuprador era conhecido. E isso tudo em um ano, 2020, em que as pessoas circularam muito menos devido à pandemia de Covid-19.
Longe do clichê de ruas desertas e outros locais ermos em que um desconhecido “mal-encarado” (termo problemático por si) pode ameaçar sua integridade, nossas meninas estão a perigo dentro de casa, ameaçadas por homens que elas conhecem. Que futuro pode ser almejado por uma mulher no Brasil? Que amanhã é possível se pensarmos que os dados tratam apenas de casos registrados oficialmente? Quantas meninas são, na realidade, estupradas em 15 minutos?
Outro dado do anuário mostra que em 80% dos lares brasileiros onde um homem tentou matar uma mulher com uma faca ou uma arma de fogo, essa vítima era mãe. O perfil se repete nos dados gerais: de todas as mulheres que sofreram qualquer tipo de violência doméstica no ano passado, 60% têm filhos ou filhas. E sobre violência doméstica a gente já sabe quem é o agressor na maioria esmagadora dos casos: o parceiro.
A que tipo de lar estão submetidas as mulheres e meninas brasileiras? Com que laia de homens estão fadadas a conviver? A quem interessa que as escolas não falem sobre gênero estes dados continuem como estão? Spoiler: certamente interessa também aos agressores por trás de outra informação trazida pela pesquisa: a de que pelo menos quatro pessoas LGBTQIA+ são agredidas por dia no país. (De novo, falando só dos dados oficiais, o número real pinga muito mais sangue).
Ser mulher no Brasil é um exercício constante de safar-se – para as que têm sorte. De todo tipo de violência, de marcas visíveis e invisíveis e, não raramente, da morte. Sorte quanto menos privilégios se tem, mais fadada ao fracasso é a rota de fuga e, ao mesmo tempo, nem todos os privilégios possíveis são garantia de resguardo da segurança.
São 12h15. Pelo menos cinco meninas brasileiras foram estupradas enquanto escrevi a coluna da semana. Como seguir a vida depois de saber disso?