Sobre muros e medos
Eu sou declaradamente uma pessoa medrosa. Tenho medo de cachorro, de fantasma, da morte, de bichos voadores e cascudos, de barulhos inexplicáveis no meio da noite, de doidos de rua que perseguem as pessoas, de ser mal-interpretada, de rejeição, de carros desgovernados, de filme de terror, do futuro político do país, e uma lista infindável de coisas, que preencheriam facilmente todo o espaço desta coluna. Sejam metafóricos, metafísicos ou concretíssimos, meus medos tendem a me paralisar. Com 32 anos na fuça, já consigo reconhecer meus mecanismos quando qualquer tipo de ameaça começa a dar sinais: ergo um muro sólido e altíssimo em torno de mim, na tentativa de me proteger, uma autodefesa.
Embora seja um instinto humano natural e de sobrevivência, querer se resguardar dos perigos pode, na maioria das vezes, apenas resultar em um encarceramento por excesso de zelo ou de – perdoem meu francês – cagaço. E é só depois que a vida passou, que o barco deixou as docas, que o baile seguiu, que a fila andou, que o prazo de inscrição acabou, que o cachorro nem latiu, que percebemos que ficamos presos, sozinhos, em uma torre de concreto, sem ver o que estava acontecendo do lado de fora. Não falo por todo mundo, claro. Falo de nós, medrosos.
Tenho pensado muito sobre essa cegueira (temporária, é verdade) que os diques que construímos em torno de nós nos proporcionam. E chegado à conclusão de que embora as paredes sejam necessárias, precisamos deixar de erguê-las por impulso, para nos isolar de qualquer coisa que possa nos atingir. Até porque, apesar de todos os problemas do mundo e de nossas vidas pessoais, eu, por exemplo, sou privilegiadíssima – o que não me resguarda de dores, mas precisa ser reconhecido e lembrado sempre. E também porque há intempéries que chegam carregando e destruindo tudo de qualquer jeito, inclusive as muralhas que erguemos. Qual o sentido, então? Jamais saberei a resposta.
Mas tenho buscado, cada vez mais, ser mais sábia na minha brilhante carreira como mestra de obras de paredões. Com a minha mochilinha de medos, dissabores e angústias nas costas – às vezes mais leve, às vezes mais pesada -, vou tirando, no mínimo do mínimo, tijolos suficientes para fazer uma janela, para me sentir protegida, sim, mas atenta ao que se passa do outro lado da mureta, e ocasionalmente, poder decidir pular e enfrentar o que vier, mesmo morrendo de pavor. Que a gente nunca se perca dessa possibilidade. Pular a janela. Porque a vida é sempre lá fora. E em movimento.