Eu tenho me esquivado de assuntos dolorosos demais por aqui. Se, por um lado, escrever é uma forma de manter vida e também de expurgar a indignação, fatalmente também é uma maneira de reviver algo que machuca, que revolta, que a gente não consegue tolerar. E assim me esquivei de escrever sobre o crime ambiental de Brumadinho. Sobre todas as desgraças que vêm acontecendo no âmbito político deste país – as que consigo acompanhar, porque sinceramente, tá difícil manter-se a par de tanto estrume sendo desenterrado em tão pouco tempo. E não vou fazer diferente com a lamentável tragédia, natural e de negligência, que se abateu sobre o Rio com a chuva avassaladora da última semana. Com a morte dos meninos do Flamengo. Não dá para falar sobre. É um pouco na lógica que prega a máxima de segurança dos aviões, “colocar a máscara de oxigênio primeiro em mim mesma, para depois ajudar quem está do lado.”
Além de práticas apropriadas de companhias aéreas, o tempo tem me ensinado, cada vez mais também, que a linearidade, tão desejável para prateleiras e quadros afixados na parede, é uma grande ilusão quando se trata do curso da vida. Uma prisão até. A gente passa a existência sob a expectativa ficcional de que existe, de fato, uma ordem que a vida deveria seguir, uma série de coisas que a gente deveria ser, ter e fazer até determinadas idades. Isso para quem tem a chance e os privilégios de se preocupar com isso. Porque chegar até o fim do dia com comida, em segurança e sabendo que vai chegar até o seguinte ainda é, infelizmente, uma regalia.
Ainda assim, o plano que se tem de uma “vida de sucesso” me parece muitas vezes uma linha do tempo com marcos a serem riscados. Quando, na realidade, a vida tem muito mais de rabiscos indecifráveis e embolados que crianças fazem e atribuem a formas e pessoas: casa, árvore, “mamãe”, tudo um emaranhado de riscos. Quanto mais eu tenho me libertado da lógica horizontal de ir marcando caixinhas do que fiz ou não fiz, tenho ou não, sou ou não, mais tenho aproveitado o friozinho na barriga das (muitas) curvas da vida. Eu sei que a gente nunca pode ter certeza do que vem pela frente numa curva. Mas passar o caminho aprisionado por “certezas” ditadas pelos outros, às quais deveríamos corresponder, me soa muito mais angustiante. Eu até gosto de não saber. De que outra forma nascem as surpresas? Poucas vezes eu diria isso, mas nesta causa específica, fecho com Roberto: eu prefiro as curvas.