Existimos, resistimos e insistimos
Quando fui cobrir a volta do Miss Gay no ano passado, depois de três anos de hiato, ouvi dos organizadores, e minha memória ruim não permite distinguir de qual dos dois queridos, André Pavam ou Marcelo do Carmo, a frase que não tem saído da minha cabeça: Existimos, resistimos, insistimos. O contexto era a suada retomada do evento, que mesmo na cidade tão dita vanguardista à época da Lei Rosa, ainda exige muito suor, sangue e lágrimas de quem se propõe a manter viva, por um dos maiores eventos LGBTTI do país, a bandeira do arco-íris. Talvez o do ano que vem exija mais ainda do couro de quem dá a cara a tapa, e agora falo não apenas do concurso das misses.
Independentemente do resultado das eleições, o Brasil vai ficar (ainda) mais difícil para quem não se enquadra no padrão hétero–branco-cisgênero-classe média. Porque ainda que não tenhamos no Executivo a materialização do inimigo de quem não cabe nessa normatividade, há uma multidão cega e inflamada de ódio, prontinha para destilar as mais variadas formas de violência. E, a princípio, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Basta ver as taxas de feminicídio. De genocídio da população negra. A perda de territórios indígenas. A criminalização da pobreza. Os crimes motivados por LGBTTIfobia. Ainda que as urnas não nos presenteiem gregamente com um totem da falta de empatia, quem reza seu rosário seguirá enfurecido, e quem sempre pagou essa conta seguirá endividado.
Antes que eu soe pessimista – ou realista – demais, o que me consola neste domingo desesperador é a certeza de que, não importa o que aconteça, temos uma capacidade inexorável de renascimento. Se quebram-nos as placas, nunca calarão nossos gritos, nossos postes, nossas redes e nosso espírito: Marielle presente! Tomamos as ruas a pé – porque sabemos ter o pé no chão -, lado a lado, para que ninguém fique de fora. Se o tempo fecha, logo, logo chega um arco-íris, escandaloso, que não caberia nem no maior armário do planeta. Denegrimos as avenidas, não no sentido gramatical-racista, mas enchendo-as de melanina. Não sabemos viver sem toda a paleta de cores que existe.
Como uma festa sem pulseira VIP para a tristeza e para o acolhimento – porque camarote não é do nosso feitio -, vamos nos recriando, sarando, nos curando, coletivamente. E nada supera esta força crua, nua. Chega a dar pena de quem precisa se esconder atrás das próprias mãos, em formato de arminha – na falta de uma real -, incapazes de abri-las para um abraço. De uma forma ou de outra, venceremos: existimos, resistimos e insistimos.