Trincheire-se
Poucas coisas nesta vida me encantam mais do que ouvir pessoas que admiro falando. Reconheço que é um dos privilégios da profissão, sobretudo no meu caso, em que cubro temas com os quais tenho muita afinidade pessoal: movimentos sociais diversos, gastronomia, cultura, comportamento. Não é raro que me dê um certo pesar quando a entrevista acaba, como quando se encerra a temporada de uma série que a gente gosta muito. Outro ambiente que sempre permeou minha trajetória pessoal e que me brinda com tais momentos é a sala de aula. Nesta semana, tive a sorte e o privilégio de ouvir o querido professor Paulo Roberto Leal, que tenho a sorte de escutar desde quando ainda era aluna do curso de comunicação da UFJF, e que por agora é, além de um cientista político lúcido e gentil- dois caracteres em extinção -, meu colega de trabalho.
Com a didática e a eloquência habituais, Paulo falou sobre o “Future-se”, programa que o governo pretende implementar nas universidades púbicas, para que captem seu financiamento “também” por meio da iniciativa privada. “Um argumento bonito”, como explicou Paulo (e eu resumo aqui sem me aprofundar em detalhes) que mascara o argumento real, que deveria, inclusive, trazer o nome de “Vire-se” (eu teria usado termos muito menos ortodoxos), pois no fundo é um plano de desmonte da educação pública, gratuita, de qualidade e de acesso a todos e todas. Ouvi atenta a como responder ao argumento de que “ah, mas quem pode pagar pelo ensino superior, deveria”. “Isso vai contra à premissa de que o acesso deve ser universal”. Ouvi sobre como desmantelar a pesquisa e o conhecimento científico são uma estratégia de tirar da população seu maior poder: o conhecimento.
Mas mais do que os pormenores sobre o sucateamento do que o plano que, na verdade, nos tira o Futuro, uma fala do professor não me saiu – nem sairá da cabeça. “Somos mais do que essa lógica de ‘se dar bem'”. Fiquei pensando se somos, todos e todas, mesmo. E de pois de matutar, concordo com Paulo, somos sim. Quem acredita na universidade pública e em seu devido acesso universal jamais poderá ser enquadrado neste pensamento de resguarda somente a si e os seus. Há até quem viva nessa, de só olhar para o próprio umbigo, mas algo me diz que tais projetos de vida tendem senão ao fracasso. Porque, para bem ou para mal, não se vive só neste mundo. E quem anda de cabeça baixa, justamente na altura do umbigo está fadado, cedo ou tarde, a cair de cara por não ver as pedras e buracos no caminho.
Veja bem, não se trata de otimismo de minha parte. Há quem diga que, sob a égide do como “meio cheio” ou “meio vazio”, há que sempre se olhar o lado positivo mesmo das piores experiências. Meus pés estão bem fincados no chão, e meus olhos bem abertos. No caso do “Future-se”, querem é nos tirar o copo e que morramos de sede. Ao fim, o professor Paulo, sempre incapaz de deixar seus ouvintes desolados em relação ao amanhã, falou, em uma fortuita citação de Gramsci que o momento é de nos fortalecermos e cavarmos trincheiras diante da provável inevitabilidade de um Future-se (favor não confundir com “futuro” em tom esperançoso), uma proteção necessária a quem se pretende manter combatente. Mas veja bem novamente, essa é tampouco uma coluna de pessimismo. Deixei a sala não cabisbaixa ou em desalento, mas com terra até sob as unhas, cavando minhas trincheiras pouco a pouco, na certeza de que não estou, jamais, só.