Por uma cidade em que todos são vistos
O catador de papel tem casa, paga aluguel e sabe o nome do prefeito da cidade que não o enxerga. A hippie argentina vende seu artesanato no Parque Halfeld, está aprendendo a falar português e educa a filha para que a garota faça sua própria vida quando for morar sozinha. O cego que passa pela rua tem HIV, cuida sozinho do filho de 9 anos e sonha em passar em um concurso público. Aldemir, Fernanda e André moram em Juiz de Fora, são cidadãos como eu e você, enfrentam problemas como qualquer um, mas vivem à margem da sociedade. São invisíveis sociais. As dores deles não saem no jornal, seus planos de vida não chegam aos ouvidos do Poder Público, o dia a dia que eles levam não é postado no Instagram. Mas um grupo de jovens da cidade tem tentado mudar a situação, dando visibilidade a essas e outras histórias de quem a cidade insiste em esconder.
O projeto “JF invisível” foi lançado há cerca de um mês por estudantes entre 17 e 23 anos. “Sempre parei para pensar por que aquelas pessoas estão nas ruas e por que ninguém nunca olhou para elas. Hoje, com o projeto, eu posso parar e ouvi-las”, diz a estudante Maria Clara Nardy, de 17 anos, que buscou inspiração no projeto “SP invisível” para trazer a ideia a Juiz de Fora. “Paramos para ouvir as histórias de quem a maioria das pessoas não quer ver ou que olha com medo ou preconceito.”
O grupo mantém uma página no Facebook (facebook.com/Jfinvisivel) e uma conta no Instagram (@jfinvisivel). É no ambiente virtual que eles tornam públicas as histórias que coletam nas ruas. As fotos são registradas por Marcella Calixto. Além dela e de Maria Clara, o projeto é executado por Júlia Fernandes, João Lopes, Lucas Barreto, Ismael Honório, Nina Leão e Jackson Rezende.
“Combinamos um encontro, vamos com câmera e celular para gravar. Procuramos esse perfil de pessoas invisíveis para a sociedade, como os moradores de rua, deficientes, catadores de papel. Perguntamos se elas autorizam a gravar. As que topam acabam contando a história delas. Depois do registro, transcrevemos e publicamos na página”, explica Maria Clara.
‘Sou pai e mãe’
Quatro histórias integram o projeto até agora. Uma delas é a do André, que ficou cego há 9 anos e contraiu HIV da mãe de seu filho. A mulher, ele conta, morreu queimada na Vila Olavo Costa. “Eu sou pai e mãe, eu que levo pra aula, eu que busco. Ele tem 9 anos, faz 10 dia 23 agora”, relata André.
“Minha vontade mesmo é meter a cara num concurso público. Servidor social estuda muito é marxismo, e marxismo fala muito do capitalismo, então vamos evoluir nesse capital aí porque permanecer no proletariado é complicado, né? É sempre escasso”, completa o homem, de 38 anos, que pediu ajuda ao grupo para atravessar a rua, na parte baixa da São João, e acabou virando personagem do projeto.
O pedreiro de acabamento Carmindo de Paula tem 54 anos e é pai de 5 filhos. Quando o projeto o encontrou, Carmindo estava trabalhando como catador de papel, profissão a qual recorre para complementar a renda. “Eu, graças a Deus, tenho muita amizade no centro, aí, muitas lojas me dão papel. Considero assim, um trabalho né?! É aquele negócio, trabalho honesto, a maioria dos catadores todos. Se eu pudesse perguntava pras pessoas se tá bem, a respeito do dia-a-dia, trabalho também, família, amor, viver bem. Pode tirar foto, tem problema não.”
Olhar visível
A repercussão do “JF invisível” superou a expectativa do grupo de amigos que o criou. No Facebook já são cerca de duas mil curtidas. O projeto agora ganhou um novo braço, o “Olhar visível”, espaço da página que será destinado às histórias que os próprios seguidores ouvirem e se sensibilizarem. A ideia é criar um ambiente colaborativo para aumentar a abrangência do projeto e tirar mais pessoas da invisibilidade.