É o fim da TV?
De acordo com a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), o número de assinantes de TV a cabo no Brasil cresceu 2,5% no terceiro trimestre de 2014 em relação ao segundo trimestre do ano, saltando de 18.992.801 para 19.473.354. Comparado ao mesmo período de 2013, o crescimento chega a 10,5%. Dados da Anatel informam que, em novembro do ano passado, o número de usuários do serviço já chegava a 19,8 milhões. Aliado a isso, dados da Anatel informam que, em novembro do ano passado, o número de usuários do serviço chegava a 19,8 milhões.
Mesmo com este aumento, muito impulsionado pela criação de pacotes que aliam TV, internet e telefone, assistir a conteúdos de TV por algum dispositivo ou sistema conectado à internet pagando bem menos que uma assinatura de operadora de televisão é uma realidade para um número cada vez maior de pessoas. A quantidade e a qualidade de conteúdo disponível, aliadas a uma base de consumidores que buscam entretenimento personalizado e sob demanda, fizeram com que o formato se tornasse popular, ampliando tanto a oferta de opções quanto a procura por serviços como esses.
Para o jornalista Fabrício Bigogno, o momento de se sentar diante da TV e esperar seus programas favoritos irem ao ar não existe mais. Usuário da Apple TV há dois anos, ele cancelou sua TV por assinatura há seis meses e não tem o menor arrependimento disso. Além de pagar atualmente R$ 66,90 por assinatura de internet e do Netflix, bem menos do que os R$ 300 por um pacote de TV, Fabrício diz ter mais autonomia sobre seus hábitos de espectador. “Concentrei todo o entretenimento e informação na Apple TV e hoje tenho liberdade de escolha e poder de decisão para assistir o que eu quiser, no horário que eu bem entender e sem ter que consumir anúncios, como acontece na programação padrão da TV no Brasil. Isso acontece pela facilidade e agilidade gerada por alguns aplicativos de serviço de streaming, como o Netflix, que você instala na Apple TV “, diz ele.
O publicitário Diego Brugiolo também dispensou uma assinatura de TV, já que encontra todo o conteúdo que deseja no Netflix, que assiste na Smart TV (conectada à internet), no computador, no videogame e até mesmo no celular. “Essa flexibilidade é muito boa. Às vezes, retomo um episódio que não tive tempo de terminar em casa durante o horário de almoço”, conta ele, que também viu vantagens financeiras ao aderir a esta modalidade de entretenimento televisivo. “Uma desvantagem específica do Netflix é o fato de os filmes e temporadas de séries demorarem muito a ser atualizados ou entrarem na biblioteca do sistema. Por outro lado, eles têm investido bastante em produções próprias de séries e filmes, que têm altíssima qualidade”, observa ele, ressaltando a transformação dos processos de produção de entretenimento.
Para Fabrício, que só sente falta da TV tradicional quando quer assistir a uma transmissão ao vivo, é provável que a televisão da forma como conhecemos tende a acabar. “Na premiação do Oscar, as transmissões via streaming disponíveis não estavam com boa qualidade, e, como eu estava assistindo via Youtube pela AppleTV, perdi um pouco na qualidade, mas recebi toda a informação. Embora hoje haja mais telespectadores para a TV a cabo no Brasil, acredito que comportamentos como o meu serão multiplicados em grande escala. Essa mudança cria novos produtos que brigam diretamente com a audiência da TV”, opina o usuário.
Vale a pena migrar?
Embora haja vantagens de preço e liberdade em relação à grade de programação, vale a pena abandonar a TV a cabo, como fizeram Fabrício e Diego? Depende de seu perfil como telespectador. Se você é aficionado por filmes e séries, vários serviços, como Netflix, NetMovies, Crackle, Popcorn e SundayTV, podem ser utilizados pelo computador ou smart TV, e oferecem uma biblioteca variada de gêneros, diretores e nacionalidades, com preços de até R$ 25 mensais. A reclamação mais comum costuma ser em relação aos lançamentos, que demoram bastante a integrar o acervo, enquanto alguns pacotes de TV por assinatura exibem as novidades poucos meses após a exibição dos cinemas ou estreias nos canais de origem (no caso das séries).
Vários canais da televisão tradicional – inclusive nacionais – disponibilizam serviços por demanda por aplicativos e em seus sites. É o caso da HBO, que disponibiliza on-line, por meio do serviço Jogo, todo o conteúdo de seus canais, mas permanece parcialmente vinculado à assinatura de alguns pacotes da HBO na TV. O streaming pode ser acessado via iPad, iPhone, iPod touch, e TV com Xbox 360.Recentemente, a Apple anunciou que o serviço estará disponível na Apple TV, mediante assinatura independente de planos de TV. Já a Rede Globo permite que assinantes do site Globo.com tenham acesso a praticamente tudo o que é produzido pela empresa. Pagando R$ 14,90 por mês, é possível, entre outros serviços, assistir aos programas da emissora, ao vivo ou em outros horários. Nas últimas semanas, o SBT lançou o app TV SBT, capaz de reproduzir parte da programação da emissora. O serviço é gratuito e compatível com iOS, Android e Windows Phone. Já o Globosat Play (com canais como GNT, Multishow, Globo News e Telecine, entre outros) é gratuito, mas exclusivamente vinculado à assinatura de alguma operadora de TV (NET, Sky, Oi TV, GVT e outras).
Alguns aplicativos de canais de TV, como os da Globo News, Band News e Multishow Mobile, disponibilizam apenas parte da programação para os gadgets, normalmente com trechos de programas. Há, ainda, aplicativos e sites com streaming ao vivo de canais de televisão que podem ser acessados via desktop, smartphone ou tablet, mas a qualidade e a continuidade da transmissão costumam ser problemáticas.
Outro atrativo dos pacotes por assinatura são os eventos esportivos, principalmente o futebol. Neste ponto, a internet oferece bem menos opções do que os pacotes “pay-per-view”, sobretudo no que diz respeito aos torneios brasileiros. Algumas iniciativas vêm melhorando este panorama, a exemplo da disponibilização de toda a programação dos canais ESPN na Apple TV por meio do aplicativo WatchESPN via assinatura, como ocorrerá com a Jogo. Ainda não há data para que o conteúdo seja liberado.
Se seu forte não é futebol, alguns planos de internet podem ser feitos diretamente com as ligas esportivas estrangeiras, como o pacote “Game Pass” da NFL (Liga de Futebol Americano dos EUA), que dá acesso a todos os jogos via smartphone, tablet ou Desktop por R$ 500 a temporada (que dura cerca de seis meses). A NBA (Liga de Basquete Norte-Americana), a NHL (Liga de Hockey Norte-Americana) e a MLB (Liga de Baseball Norte-Americana) também têm opções similares. Quem é fã de UFC pode assistir às lutas pelo Combate, um dos canais do Globosat Play.
O Youtube também entrou na dança do conteúdo sob demanda. Na última quinta-feira, o serviço lançou canais pagos no Brasil e mais nove países, com assinaturas que por aqui variam entre R$ 3,99 e R$ 19,90. São 53 canais como o “UFC Select” e o “National Geography”, e alguns voltados à exibição de filmes como o “BIGSTART Movies” e “Docurama”. A cobrança funciona apenas para os canais que se habilitarem para tal.
Algumas coisas devem ser pensadas antes da desistência da TV a cabo. A principal é que qualquer serviço que seja possibilitado on-line exige uma conexão de internet de qualidade, sobretudo quando se trata de streaming de vídeos, para evitar problemas como a “tela congelada” e até queda da transmissão. “Apesar de ter havido uma democratização do acesso à internet, a qualidade da banda larga no Brasil ainda é muito baixa. Nem sempre as pessoas têm um acesso satisfatório em casa porque têm um bom pacote de dados no celular, que supre muito de suas demandas em relação à internet”, diz Felipe Muanis, professor do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ele destaca que a migração para serviços on-line de exibição de conteúdo televisivo muda completamente a relação do usuário com a internet. Por isso, é preciso avaliar cuidadosamente em que perfil você se encaixa e qual sistema supre melhor suas necessidades: a TV por assinatura ou algum serviço alternativo.
Mudança sem fatalismo
“A TV continua sendo a mídia principal e continuará sendo. Até porque algumas formas de assistir conteúdo televisivo, como Netflix, Apple TV e mesmo a televisão sob demanda, não são televisão em si. O que define a TV é a existência da grade, um número expressivo de pessoas assistindo ao mesmo programa no mesmo horário”, diz o professor Muanis, argumentando que o desenvolvimento tecnológico tende a ser incorporado aos hábitos televisivos do telespectador, em vez de fazer com que eles sejam substituídos.
“Podemos ver isso no Twitter. Há um conteúdo expressivo que vem de pessoas que assistem TV twittando. As redes sociais potencializaram o hábito que sempre existiu, de se comentar o último capítulo da novela na sala, a partida de futebol no bar, o debate político. Esses elos sociais estão intimamente ligados à ideia de TV e são mais difíceis de serem formados nos formatos sob demanda”, destaca o especialista.
Felipe acredita que a substituição em massa da TV por formatos sob demanda vinculados à internet é improvável. “O formato sob demanda está sendo incorporado pelos canais de TV como modelo de negócios: nos sites, você pode ver parte da programação na hora que quiser. É mais uma forma de distribuir o conteúdo, como lançar o DVD de uma novela, uma minissérie como filme, entre outros. Mas o hábito de querer assistir algo no mesmo tempo de outros telespectadores, tão inerente à TV, não vai sumir. Basta observar que últimos capítulos de séries e novelas, por exemplo, têm uma audiência enorme. Existem sites de streaming na internet que até transmitem conteúdo da televisão ao vivo, mas não com a mesma qualidade e amplitude da TV. Pode ser que no futuro haja sistemas com qualidade igual ou superior. Em curto e médio prazo, não vejo a substituição propriamente dita da TV por quaisquer formatos alternativos.”