Com produção artesanal de queijo, casal vive paz da roça há 10 anos e compartilha conquistas na região
Elisa e Jorge se aposentaram e mudaram para Lima Duarte; Tribuna visitou sítio na zona rural

Desde dezembro de 2024, o Queijo Minas Artesanal (QMA) é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Dentre os diversos produtores do estado, um estabelecimento na Zona da Mata mineira, mais especificamente na região rural de Lima Duarte – cidade a cerca de 60 quilômetros de Juiz de Fora -, na estrada Pão de Angu, se destaca pela fabricação: o Sítio Primavera. Essa notoriedade não se resume ao modo diferenciado de produção. A qualidade também é reconhecida, uma vez que diferentes queijos já foram premiados.
Jorge Luiz Bezerra e Maria Elisa de Almeida moram no sítio há dez anos. O casal é do Rio de Janeiro, mas frequenta Lima Duarte há mais de 30 anos. Ao se aposentarem, tomaram a decisão de sair da cidade grande em busca de paz na roça. “O que vamos fazer aqui se não temos mais obrigações?”, se questionaram à época. Como nunca haviam lidado com propriedade rural e precisavam se manter no terreno de 50 hectares, começaram a buscar renda com gado de corte. Também pensaram em plantar frutas, mas, por falta de experiência e dificuldades com as condições climáticas, não deu certo.
Jorge conta que, por entusiasmo da esposa, começaram a investir na produção do QMA. Após realizarem cursos, Elisa ficou “encantada” ao produzir seu primeiro queijo – demonstrou o sentimento na voz e no olhar quando contou a história. “Foi uma maravilha. Já me inscrevi no módulo seguinte imediatamente”, lembra. A situação coincidiu com o momento em que a região foi decretada como produtora de QMA. A partir disso, o interesse aumentou consideravelmente.
No momento de escolher o local para viver, o casal também tinha como opção Andrelândia. Contudo, pela maior riqueza em água (com cinco nascentes protegidas no estabelecimento) e pelo tamanho menor das propriedades, escolheram Lima Duarte como destino de vida. “Quando entramos pela porteira do sítio e vimos o lago, as pedras e todo o resto, pensamos: é aqui. Partimos do princípio de buscar descanso”, comenta.
Elisa, no geral, não sente falta do movimento da cidade. “Só do cinema e do teatro. Pensamos que iríamos ficar isolados, mas sempre recebemos visitas”, ressalta. Inclusive, ela elogia a hospitalidade mineira e afirma que já se enquadrou no modo de viver local. “Já falo ‘mineirês’. Só não falo trem”, brinca. O marido, por sua vez, fala “trem”.
Em momento nenhum, Jorge e Elisa pensaram que iriam atingir o nível de produzir queijos premiados. “Na primeira premiação, nem estávamos no local. Não acreditávamos. Foi em novembro de 2021, em um concurso em Araxá. Levamos dois queijos. Por um atraso no evento, precisamos sair mais cedo. Afinal, seriam dez horas de viagem. Quando chegamos, recebemos a informação de que vencemos medalha de prata com um e de ouro com o outro”, relembra Jorge. Elisa complementa que precisaram ler e reler três vezes para acreditar. Depois, outros tipos de queijo produzidos pelo casal ainda foram premiados.
O reconhecimento é sempre tido como uma conquista da região. “Já fui para muitos eventos levando queijos nossos e em nenhum momento falei que era do Sítio Primavera – e, sim, da região. Tenho muito orgulho disso. Somos muito gratos pela recepção que tivemos na cidade. A música ‘Vilarejo’, da Marisa Monte, representa bem. É um lugar onde as pessoas são recíprocas. Aqui, não somos mais dois. Somos Elisa e Jorge”, conta emocionada. Seu marido ainda complementa, com lágrimas nos olhos, que a falta de contato com a cidade grande aproxima as pessoas de locais menores. “Cada pessoa que vem, é mais um amigo que ganhamos e recebemos.”

Produção cuidadosa do queijo
Localizado a 13 quilômetros do Parque Estadual Serra Negra da Mantiqueira e 30 do Parque Estadual do Ibitipoca, o sítio conta com um espaço para todas as etapas da produção de queijo. Jorge e Elisa receberam a equipe de reportagem da Tribuna e apresentaram, com empolgação – a mesma que colocam na produção de seu bem -, o seu estabelecimento. A queijaria do casal ficou grande para apenas o QMA. Eles aproveitaram para adaptar e produzir de outros tipos especiais. Mas ressaltam que não podem ser feitos no mesmo ambiente.
“No caso do Queijo Minas Artesanal, não pode haver nada mecânico durante o processo. A legislação não permite. Precisa ser totalmente manual, sem máquinas. A maneira de fazer é característica do QMA. Sua massa não pode ser aquecida. Ou seja, não pode ter fonte de calor. A prensagem, a mexida e todas as outras etapas são manuais. Também não utiliza-se fermento. Quem faz QMA e quer fazer outro tipo de queijo, precisa ter duas áreas de fabricação diferentes na queijaria. A maturação acontece em câmara fria, com umidade e temperatura controlada.”

A qualidade do processo é atestada desde a criação do gado leiteiro. “O curral aqui possui características diferentes. Não compro leite de terceiros, utilizo apenas o daqui. Todas as nossas vacas têm bezerros mamando nelas. Isso faz a produção cair. A ordenha é manual, para não perder temperatura – no caso do QMA. A ração também faz diferença. Falam que é folclore meu. Cuidamos sempre do gado para que se mantenha saudável e damos ênfase na higiene do espaço. Seu bem-estar é fundamental.”
Para o casal, o que confere a qualidade de queijo premiado à sua produção é uma união de diversos fatores. Mas acima de tudo, o carinho. “Não temos foco na produção, mas na qualidade. Até o cuidado no curral faz a diferença. O volume de produção também influencia: é impossível manter a qualidade de um QMA se for feito em larga escala. A não ser que tenha uma equipe maior, o que já confere o status de fábrica em vez de artesanal.” Nas premiações, dentre os quesitos julgados, o sabor possui um peso maior em comparação aos demais. A aparência também conta.
Por estarem em área turística, a demanda pelos queijos aumentou. Com isso, expandiram a produção: queijo do reino, grana, maturado no vinho e outros. Ao todo, com cem litros de leite por dia, são produzidos oito tipos de queijo. “Estamos trabalhando em um projeto que resgata a maneira original de fazer queijo – com leite cru, sem pasteurizar. Fazemos isso por sermos uma queijaria artesanal. Isso dá um sabor bem característico”, completa.
Finalizando a visitação por toda a propriedade, sempre sob a inspeção de Bob, o cachorro do casal, Jorge e Elisa oferecem uma degustação dos queijos. Com falas complementares, com muito entrosamento e cumplicidade no olhar, o casal serve a produção artesanal com explicações de cada detalhe, na maior paciência possível. Para a Tribuna, foram servidos o tradicional QMA, o maturado no vinho, um ementhal, o grana (este maturado por dois anos e meio) e, por fim, o seu xodó: o requeijão de corte, servido gelado.

Sustentabilidade e outras atividades na propriedade
Jorge ainda destaca que, na sua produção, a sustentabilidade é prioridade. “Além das cinco nascentes protegidas na propriedade, meu esgoto é de fossa séptica biodigestora e a minha geração de energia é feita por meio de paineis fotovoltaicos. Protegemos o meio ambiente aqui. Não temos o foco de lucro. Os preços que colocamos são voltados apenas para pagar o custo de vida aqui. Meu objetivo é morar aqui sem preocupação.”
Com a demanda de visitas, o casal ainda passou a oferecer hospedagem em uma pousada dentro do sítio. Atualmente, acomoda 25 pessoas. “Não fornece almoço, mas hóspede pode utilizar a cozinha – que antes era usada para produção de queijo, mas agora é da pousada. Fornecemos apenas café da manhã e lanche à noite.” Além disso, oferecem quartos e sauna com prioridade para a beleza do visual, com vista para o pôr do sol. Outro ponto enfatizado é a acessibilidade para cadeirantes, que se tornou prioridade da acomodação.
Diferentes plantações constituem o cenário do sítio. Dentre elas, pitaya e café – que, inclusive, é colhido e passa pelas etapas necessárias até ser servido para os hóspedes e visitantes. Até o pão e a geleia servidos no café da manhã são produzidos no local. Para não perder o toque mineiro, Jorge também serviu à Tribuna uma prova das cachaças envelhecidas em carvalho e em amburana.
Por fim, o casal apoia que mais produtores entrem no ramo. “Hoje, poucos fazem QMA. Incentivamos que esse número aumente, para tornar a região reconhecida. Temos dificuldade em participar de eventos, devido à pequena produção. É possível ganhar dinheiro com isso.” Nesse contexto, reforçam a importância do apoio de entidades e governos para que as etapas sejam realizadas dentro dos conformes.
Tópicos: queijo minas artesanal