Ídolos

Por Wendell Guiducci

Sobre os ídolos, o melhor é não conhecê-los nunca. Ao chegar-se deles, um fã pode ter enorme decepção ao percebê-los humanos, demasiado humanos e, como tais, donos de mundanos defeitos, imperfeições que podem, em maior ou menor grau, fazer ruir sua aura divina. A culpa não é deles, dos ídolos. É sua, caríssimo leitor, que atribui a gente de carne, osso e silicone qualidades próprias de caracteres absolutamente ficcionais – embora a boa ficção, convenhamos, não nos apresenta personagens planos, mas intrigantes e complexos.
O sentido original da palavra “ídolo” – lá vem ele com a etimologia, pode dizer -, vindo do grego, remete a “imagem”, “simulacro”, ou seja, é a representação de uma coisa, e não a coisa em si. E só pode se manter assim, como representação idealizada, de longe. Até porque “De perto todo mundo é normal”, se me permitem reescrever o que cantou Caetano, ídolo de multidões. E, em sendo normais, os ídolos são possuidores de defeitos mais ou menos aceitáveis. Se menos aceitáveis por determinado tribunal, tornam-se os semideuses passíveis de linchamento virtual, também conhecido pelo eufemismo “cancelamento”.
Mas não precisamos ir ao extremo do justiçamento popular cibernético. Fiquemos nas pequenas decepções que desnudam os ídolos diante de seus fãs. “Que Xou da Xuxa é esse?!”, bradou a miniestrela tardia num desses vídeos recuperados que criam ídolos insuspeitos. Ali o retrato de uma devota questionando a divindade à qual estava prestes a fazer uma oferenda no altar do show business. E a culpa nem era da apresentadora. Menos mal que, ano passado, uns 30 anos depois do episódio, a indignada tiete pôde abraçar a estrela platinada nos bastidores do Rock in Rio, graças ao milagre da produção de conteúdo viralizante. Desta vez, pelo que se relatou, não houve decepção.
Alguns leitores por certo também se decepcionaram com seus ídolos quando tiveram a chance de estar ao lado deles. “Um mau humor desgraçado, você precisava ver.” “Menina, nem te conto, uma cara de bunda.” “Acho que tava de ressaca.” “Só falava ‘sim’, ‘não’, ‘pois é’.” “Abria boca o tempo todo, parecia que queria ir dormir.” E nós, que nunca ficamos de mau humor nem cara de bunda nem de ressaca, que nunca somos monossilábicos e nunca temos sono, além de certas características bem menos aceitáveis socialmente, em nossa infinita perfeição, ficamos ofendidíssimos.

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka.Instagram: @delguiducci

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