Olhar de verdade

“Vivemos na época em que assistimos a um vídeo dentro de outro, inspirado num terceiro, que remete a algo que todo mundo já viu. São imagens que nada acrescentam, porque, de tanto se repetirem, servem apenas para serem vistas sem despertar o olhar,” Leia na coluna de Marcos Araújo.

Por Marcos Araújo

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Isso que acontece nas redes sociais, onde é possível rolar o dedo na tela e passar para o próximo conteúdo, tem consequência nas nossas relações com os outros. Estamos cada vez mais superficiais, e julgamos as pessoas por aquilo que vemos no raso. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Vivemos na época em que assistimos a um vídeo dentro de outro, inspirado em um terceiro, que remete a algo que todo mundo já viu. São imagens que nada acrescentam, porque, de tanto se repetirem, servem apenas para serem vistas sem despertar o olhar. Automatizados por esse “ciclo repetitivo”, perdemos a capacidade de olhar. E, com a perda do olhar, somos nós que nos perdemos.

Existe uma diferença entre ver e olhar. Essa distinção, à primeira vista, parece sutil, mas é de grande importância, se pensarmos que se trata, também, de uma posição que podemos tomar diante da vida.

Nos dicionários, ver é o ato de perceber algo, de forma automática, com os olhos. Representa a certeza de que nossa visão está funcionando perfeitamente enquanto estamos de olhos abertos. Não exige qualquer tipo de reflexão. Já o olhar traz consigo um ato que requer mais cuidado, dedicação e profundidade. Ao olhar, descobrimos interesses e desejos recônditos. Quem nunca se traiu em um olhar? Olhar solicita observação, explora detalhes, busca resposta no silêncio.

No entanto, diante da grande oferta que temos para ver, olhar tornou-se um desafio. A fragmentação à qual estamos submetidos tira-nos o prazer da contemplação. Estamos cada vez mais impacientes e sem foco, sempre em busca do próximo “reels”. Os segundos agora são a única unidade de tempo que realmente conta para nós, e o que os ultrapassa já soa entediante.

Isso que acontece nas redes sociais, onde é possível rolar o dedo na tela e passar para o próximo conteúdo, tem consequência nas nossas relações com os outros. Estamos cada vez mais superficiais, e julgamos as pessoas por aquilo que vemos no raso. Também damos a elas só aquilo que carregamos nas aparências. Não nos permitimos olhar, porque estamos com pressa. Deixamos de olhar o que o outro tem para mostrar e impedimos que nos enxerguem como realmente somos.

Nesse cenário, o que sobra são os relacionamentos descartáveis, os julgamentos precipitados e os cancelamentos. Da mesma forma que se parte para um novo vídeo em busca de novas experiências, pessoas são deixadas para trás em favor daquelas que melhor satisfaçam nossas necessidades momentâneas.

Em tempos de fragmentação e de frivolidades, estamos afastados daquilo que existe de mais humano: o mergulho nas relações e o olhar atento para o outro. Ninguém gosta de ser o meme da vez. Isso só funciona nas redes sociais e, muitas vezes, não tem a menor graça. Talvez já estejamos passando da hora de resistir a essa lógica de descartabilidade, e se faz urgente o resgate do valor do encontro genuíno. Olhar de verdade necessita de tempo, mas é nesse tempo que encontramos o que realmente importa.

Marcos Araújo

Marcos Araújo

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