Cristina era uma mulher bastante comum. Tinha um emprego comum na assessoria jurídica de um shopping center comum, pagava seus boletos, dirigia seu Ford Ka, alimentava seu gato. Como muitas mulheres comuns, namorou alguns rapazes comuns, mas nunca chegou a se casar, tampouco teve filhos. Não era especialmente bonita, mas não se podia dizer que fosse feia. Mas como toda mulher comum, Cristina possuía lá suas excentricidades secretas. A principal dela era o trato com as calcinhas.
Jamais, em hipótese alguma, desde sabe-se lá que idade, Cristina usava uma calcinha que fosse minimamente desgastada. Morria de medo de tomar um tombo na rua e que, com suas vergonhas à mostra, a vissem metida em calcinhas afrouxadas ou sem elástico ou desbotadas ou puídas ou – Deus me livre! – furadas. Tinha complexo de Marilyn Monroe, vai que batesse um vento súbito que levantasse sua saia e lá estaria sua intimidade exposta para todos os transeuntes comentarem: “Olha que calcinha mais surrada!” Por isso, ao mínimo sinal de desbotamento, Cristina botava a calcinha fora e comprava outra novinha.
Eram sempre calcinhas muito bem cortadas e de bom material. Nada especialmente sexy, calcinhas comuns de algodão, de elastano, de modal, de microfibra acetinada. Discreta, não era muito chegada a rendas, embora as tivesse uma ou outra para ocasiões românticas. O negócio de Cristina era conforto, mas, sobretudo, que as benditas calcinhas não desvelassem qualquer aparência de deterioração. Não queria impressionar ninguém, não queria em hipótese alguma se exibir. Apenas desejava se precaver para que não fosse vista, em situação delicada, como uma pessoa desleixada com suas roupas de baixo.
Assim viveu Cristina sua vida comum até o dia em que caiu dura no meio da rua, mortinha da silva. Mal súbito, apontaria a declaração de óbito. Cristina foi encontrada em decúbito ventral em rua de razoável movimento. Para sua felicidade póstuma, sem qualquer sinal de descompostura: a saia longa cobria fartamente seu traseiro sem vida. Ninguém se deu conta do extremo cuidado que Cristina despendera cada dia de sua não muito longa existência às vestes íntimas. Ou quase ninguém.
Patrícia, auxiliar de tanatopraxia, foi quem preparou o cadáver para o velório, ao qual não atenderam assim tantas pessoas. E ainda que tenham se passado alguns anos, volta e meia Patrícia pensa em Cristina, cujo nome ou rosto sequer recorda. E se tem lembrança do ótimo estado da roupa de baixo da finada advogada, na alvura do tecido, é por mera consequência. O que de fato a intriga até hoje é o que levaria uma pessoa a usar uma calcinha com pequenas e simétricas e perfeitamente estampadas figurinhas de verdíssimas alcachofras.