Doze mulheres são vitimas de violência doméstica por dia em Juiz de Fora
Número de denúncias de violência doméstica aumenta, mas subnotificação ainda existe
Juiz de Fora teve, em média, 12 mulheres vítimas de violência doméstica por dia, durante os primeiros seis meses deste ano. A taxa é uma média dos 2.197 casos registrados na cidade, de acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp). Os casos refletem uma realidade contabilizada pelo que chega até a polícia, contudo, o ciclo da violência é, muitas vezes, silencioso e subnotificado. O que significa uma realidade ainda mais devastadora.
No Agosto Lilás, mês que chama atenção para a conscientização sobre essa violência – que atravessa a vida de mulheres todos os dias – o enfrentamento vem por meio da quebra do ciclo marcado pela repetição da sequência de “tensão”, “explosão”, em por fimm “lua de mel”, que normalmente é difícil de ser reconhecida.
A ponta visível da violência doméstica, porém, é quando ocorrem as denúncias. Em 2024, a Polícia Militar de Minas Gerais recebeu 8.417 chamadas em que, do outro lado da linha, havia um relato de abuso desta natureza. Um indicador que teve aumento de 32,66% em relação ao mesmo período de 2023.
Apesar do medo que muitas vezes ronda a denúncia e/ou uma possível dependência emocional e financeira do abusador, cerca de 5 mil registros foram feitos pela própria vítima, que na maioria dos casos, teve a própria casa como cenário da violência. O restante das ligações foi feito por terceiros, contrariando à máxima e mostrando que “entre briga de marido e mulher” deve-se sim, se “meter a colher”.
Violência doméstica é 4ª maior ocorrência do Disque-Denúncia
No ranking do Disque-Denúncia, em 2024, as ligações sobre violência doméstica ficaram em quarto lugar entre as mais frequentes. Esse tipo de crime só ficou atrás das ligações sobre tráfico de drogas, maus tratos aos animais e crimes relacionados a população idosa.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado neste ano e referente a 2023, o estado recebeu quase 70 mil chamadas de violência doméstica. A taxa fez de Minas o terceiro estado com mais ligações no país, foram 189 solicitações a cada dia – ficando atrás somente de Pernambuco e São Paulo.
Em dados comparativos, em 2022 foram registradas 31.908 ligações de emergência contra as 69.259 do ano seguinte. A reportagem questionou a PMMG de Juiz de Fora sobre quantas chamadas deste montante vieram da cidade, mas a instituição informou que não seria possível realizar o levantamento.
No entanto, o Governo de Minas divulgou que os feminicídios diminuíram 20,8% nos primeiros sete meses deste ano, quando comparado com o mesmo período de 2023. Foram 8o mulheres mortas no estado em 2024 contra 101 do ano anterior. Os dados são da Polícia Civil e o levantamento da Sejusp. A diminuição dos casos de feminicídio pode ser correlacionada também ao aumento de denúncias, ainda que o número elevado de denúncias de violência repercuta em uma sinfonia de ligações. Na realidade, a tensão aumenta quando elas não acontecem, seja por subnotificação, medo ou pela perpetuação do ciclo da violência.
Entenda as três fases do ciclo de violência
A psicologa Telma Elisa Souza, que possui especialização em terapia cognitivo-comportamental, explica as três fases do ciclo da violência. Segundo ela, em um primeiro momento, começam ocorrer conflitos frequentes e comentários agressivos e depreciativos contra a mulher. Essa é a fase da tensão, que pode se assemelhar a chegada de uma tempestade. “A tensão vai se acumulando, como uma tempestade que se aproxima lentamente, e a vítima, muitas vezes, acredita que, se mudar seu comportamento, poderá evitar o pior”, explica Telma.
Depois vem a fase da explosão, marcada pela consumação das violência. A Lei Maria da Penha tipificou as violências em cinco categorias – física, psicológica, moral, patrimonial ou sexual. A vítima acaba ficando assustada, machucada e confusa, conforme explica a psicóloga. “É como se uma paralisia tomasse conta do seu corpo, não sabendo reagir ou para onde ir”.
Depois, o relacionamento parece uma lua de mel. Nessa terceira etapa, o agressor tenta se redimir, pede desculpas, promete que a situação nunca mais vai acontecer, e pode até se tornar momentaneamente carinhoso. “A vítima, aliviada com a aparente mudança, pode acreditar que a situação está finalmente resolvida. No entanto, essa fase é temporária, e o ciclo de violência recomeça, muitas vezes, de forma ainda mais intensa”, alerta Telma.
Acolhimento é essencial para romper o ciclo de violência
A rede de apoio para a mulher vítima de violência doméstica pode ser um grande divisor de águas. Neste sentido, a intervenção de pessoas próximas é muito importante. “Ofereça um espaço seguro para que a vítima possa expressar seus sentimentos sem medo de julgamento. Disponibilizar informações sobre os recursos disponíveis, como delegacias de Defesa da Mulher e Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), é de extrema importância”, direciona Telma Elisa.
Em caso de uma situação de violência doméstica em tempo real, o indicado é acionar a Polícia Militar pelo 190, o Corpo de Bombeiros pelo 193, e a Polícia Civil através do 197. Em casos que não sejam uma emergência, mas em que há suspeita de que seja preciso de uma investigação, ligações anônimas podem ser feitas pelo 181.
Outra forma de auxiliar uma mulher que esteja sendo vítima de violência é ajudar a planejar a saída do local de forma segura. Para além disso, é importante que a pessoa receba assistência multidisciplinar que abarque tanto acompanhamento psicossocial e o desenvolvimento da autoestima. Quanto ao primeiro, a psicóloga explica o papel que pode ser exercido pelos profissionais da área para o rompimento do ciclo. “Ao buscar apoio, a mulher começa a entender a dinâmica do ciclo, reconhecer o abuso e desenvolver estratégias para sair dessa situação. O acolhimento pode significar a construção de uma nova vida”, define Telma.