Reposição hormonal na menopausa tem relação com câncer? Médicos de JF explicam
Tribuna conversou com a ginecologista Fernanda Franco Matheus e o mastologista João Carlos Arantes Júnior para tirar as principais dúvidas desta relação
Sintomas como ondas de calor, alterações de humor e libido, insônia, irritabilidade, alterações urinárias, ganho de peso e perda de massa óssea estão entre os principais relatos de mulheres que passam pelo climatério, um período que indica a transição da fase reprodutiva para a fase não reprodutiva. Segundo a Sociedade Brasileira do Climatério, 75% dos mais de 11 milhões de brasileiras com idades entre 45 e 64 anos sofrem com os efeitos do período. Entre elas, 8% fazem tratamento com hormônios. Uma questão frequente sobre a menopausa em consultas médicas gira em torno da possível relação entre a reposição hormonal e o aumento do risco de cânceres, especialmente dos tumores de mama. Por isso, a Tribuna conversou com a ginecologista Fernanda Franco Matheus e o mastologista João Carlos Arantes Júnior para sanar as principais dúvidas sobre o assunto.
O médico e professor responsável pelo ambulatório de Mastologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF/ Ebserh), João Carlos Arantes, afirma que nenhum hormônio causa câncer. Segundo o médico, a história natural do câncer até a sua manifestação envolve 3 etapas: indução, promoção e progressão. “Os hormônios sexuais (estrogênio, progesterona e andrógenos) não são carcinogênicos, mas podem fazer o câncer progredir, isto é, ‘alimentá-lo’. De 70 a 80% dos cânceres de mama são dependentes de hormônio, mas em geral, essas neoplasias são menos agressivas, com maior chance de cura. Os cânceres que não são hormônios sensíveis geralmente são mais agressivos”, explica.
No entanto, João Carlos Arantes ressalta que o risco de câncer de mama relacionado à terapia hormonal (TH) é maior quando se associa progesterona ao estrogênio. No entanto, a combinação é obrigatória quando o útero está intacto, para a proteção contra o câncer de endométrio. As mulheres histerectomizadas (isto é, que retiraram o útero ou parte dele) podem utilizar somente estrogênio (com ou sem androgênio). Outro fator que influencia é a duração do tratamento, pois o mastologista explica que acima de 10 anos de reposição, embora não tão significativo, há incremento nas taxas de carcinoma mamário. Ele também destaca que apesar do ‘ligeiro’ aumento da incidência, não há crescimento da mortalidade por câncer de mama.
Segundo a ginecologista e obstetra Fernanda Franco Matheus, existem algumas contraindicações absolutas e relativas para a reposição hormonal. “As contraindicações absolutas são para as mulheres que já tiveram câncer de mama, câncer de endométrio, algum evento tromboembólico, AVC, lúpus, doença hepática aguda, cardiopatia, porfiria (doença rara causada por um defeito na produção de enzimas da hemoglobina, responsável pelo transporte de oxigênio no sangue). Já as relativas são hipertensão e diabetes, sangramento uterino não esclarecido, endometriose, miomatose uterina. Para os médicos, a terapia de reposição deve ser avaliada individualmente, analisando os riscos e os benefícios de acordo com a história de cada paciente.
Pesquisas evoluem, mas riscos não são descartados
Alguns trabalhos foram muito importantes na evolução da terapia hormonal. Um dos mais conhecidos foi o Heart and Estrogen/progestin Replacement Study (HERS), publicado em 1998, que mudou a perspectiva de que a terapia hormonal podia ser cardioprotetora. Foi realizado um acompanhamento médio de 4,1 anos de uso de estrogênio mais progesterona em 2.763 mulheres com doença coronariana, com menos de 80 anos e na pós-menopausa com útero intacto. Como resultado, o estudo revelou um aumento da taxa de eventos tromboembólicos e doenças da vesícula biliar, sendo comprovado que não havia benefícios cardiovasculares.
Já a associação entre a terapia de reposição hormonal e a ocorrência de câncer de mama foi confirmada em 2003 pelo estudo norte-americano Iniciativa para a Saúde das Mulheres (WHI, na sigla em inglês), publicado em 2003 pelo National Institute of Health (NIH). O ensaio clínico foi realizado com mulheres saudáveis na pós-menopausa, com idades entre 50 e 79 anos. As pacientes foram organizadas em dois grupos – com e sem útero – e receberam, aleatoriamente, a terapia hormonal combinada (estrogênio mais progesterona), estrogênio isolado ou placebo.
Parte do estudo, planejado para durar uma década, foi interrompida cinco anos mais cedo para preservar a saúde das pacientes. “As mulheres que receberam terapia hormonal combinada registraram aumento do risco de câncer de mama em 26%, além de doença coronária, acidente vascular cerebral e eventos tromboembólicos”, descreve Pedro Aurélio Ormonde do Carmo, chefe do serviço de Mastologia no Instituto Nacional do Câncer (INCA), em um documento divulgado pelo Governo Federal. Em quase sete anos de avaliação, o grupo que recebeu estrogênio isolado não apresentou aumento do risco de câncer de mama, mas ainda não podem afirmar que o risco não existe.
A terapia de reposição hormonal pode influenciar também a propensão de mulheres ao desenvolvimento de tumores ovarianos. A conclusão é do Estudo de 1 Milhão de Mulheres, publicado em 2007 pelo Cancer Research UK e pelo National Health Service Breast Screening Programme, da Grã-Bretanha. Segundo a pesquisa, o tratamento aumenta em 63% a incidência de câncer de ovário e em 20% o risco de morte por essa neoplasia, que tem a mesma base genética do câncer de mama.
Como é feita a reposição hormonal?
A terapia pode ser feita por via oral, transdérmica (gel, adesivos), subcutânea (implantes). O mais recomendado é a transdérmica, por ser mais favorável em termos de risco cardiovascular e fenômenos tromboembólicos. A ginecologista Fernanda Franco ainda conta que existe o tratamento usando progestágenos intrauterinos (DIUs hormonais), que fazem uma boa proteção do endométrio (tecido que reveste internamente o útero), levando a uma melhora na aderência ao tratamento.
O início da reposição é recomendado precocemente, na perimenopausa, no grupo de 50 a 59 anos. “Nessa população a TH pode conferir proteção cardiovascular, ao passo que o início em idade avançada, após 10 anos sem estrógeno endógeno, pode ser prejudicial. Para a reposição com estrogênio isolado, no caso de uma mulher sem útero, existe maior flexibilidade quanto ao tempo de uso”, diz a médica. Conforme expõe a especialista, a duração da terapia é um dos maiores desafios, e os dados de pesquisa atuais são inconsistentes para definir quando interromper a hormonioterapia.
Para os profissionais de saúde, a decisão de manter a reposição deve ser individualizada com base nos sintomas, monitorizada e mantida enquanto os benefícios forem superiores aos riscos, sempre sob supervisão médica. Por isso, é importante a realização de exames regularmente.
Tratamento precoce aumenta benefícios e diminui perigos
A terapia hormonal é um avanço para melhorar a qualidade de vida da mulher nesta fase da vida. A ginecologista informa que ajuda a diminuir os principais sintomas como fogacho, alteração do humor, sudorese, sintomas urogenitais (ressecamento vaginal, dor nas relações sexuais, perda urinária), desânimo e alteração do sono. Além disso, o ganho de massa óssea também já é algo que os trabalhos comprovam, diminuindo o risco de fraturas espontâneas do colo do fêmur e das vértebras, que são as mais comuns.
Em relação à saúde cardiovascular, os trabalhos mostram que o maior benefício acontece quando o início da terapia hormonal acontece de forma precoce, antes que a doença arterosclerótica já tenha se iniciado. Segundo a médica Fernanda Franco, as diversas análises posteriores aos resultados observados no estudo WHI concluíram que o desfecho negativo deveu-se à idade das pacientes ser muito avançada (média de 63 anos) no início da terapia; altas doses de estrógeno para a faixa etária; via de administração; e tempo decorrido desde a última menstruação.
O estudo Danish Osteoporosis Prevention Study (DOPS), randomizado, envolvendo 1.006 mulheres seguidas por 10 anos, contribuiu para reforçar os benefícios da TH nos eventos cardiovasculares quando iniciado de forma precoce. “Após 10 anos de seguimento, as mulheres jovens que foram tratadas na perimenopausa apresentaram uma redução significativa de eventos cardiovasculares e mortalidade sem aparente aumento de câncer, tromboembolismo venoso ou AVC, comparadas ao grupo controle”, explica a ginecologista.
*Estagiária sob supervisão da editora Júlia Pessôa