Conheça o Transtornados FC, time de homens trans que jogará no Ginásio Municipal
Equipe formada em março deste ano já conta com 65 participantes e enfrenta o preconceito por afirmação no esporte
Neste final de semana, acontece a estreia esportiva do Ginásio Municipal Jornalista Antônio Marcos, com amistosos de diferentes modalidades no sábado (15) e no domingo (16). Uma dessas partidas, no segundo dia, às 9h, será entre os times A e B do Transtornados FC, primeira equipe de futsal de Juiz de Fora formada por homens trans e pessoas não-binárias para ocupar lugares no esporte que, por preconceito e transfobia, os eram negados. Para entender mais sobre o time, bem como suas dificuldades e pretensões, a Tribuna conversou com Lucca Sad, Júlio Mota e Theo Laender, coordenadores do projeto.
Do início aos 65 colaboradores
O Transtornados FC começou a ser pensado em março deste ano, quando Lucca e Júlio decidiram criar um grupo no Whatsapp para realizar uma ‘pelada’ na Praça São Mateus. “Aqui em Juiz de Fora, nunca tivemos uma frente formada por homens trans, pessoas não-binárias e, como consequência disso, acabamos nos distanciando ou não conhecendo outros pertencentes à nossa realidade. Faltavam espaços que nos acolhessem para que pudéssemos cuidar da saúde, praticar esportes e criar laços entre a comunidade”, explica Lucca.
A primeira atividade foi considerada um sucesso internamente. No entanto, por conta de manifestações transfóbicas recebidas pelo grupo no local, o Transtornados migrou para a Arena Sírios, onde conseguiu estruturar o time e comprar material de treino com doações. Em seguida, os coordenadores entraram em contato com a Prefeitura para que fosse cedido um horário na quadra da Secretaria de Esporte e Lazer (SEL), em Santa Terezinha. O pedido foi acatado, e, hoje, cerca de 25 a 30 atletas participam dos treinos, no domingo, das 8h30 às 10h30 da manhã. Ao todo 65 pessoas estão no grupo do clube, mas algumas ainda não foram aos treinos por timidez, conforme os coordenadores.
“Temos o objetivo de, para além do esporte, fomentar e valorizar o trabalho das pessoas presentes nesse grupo, promover rodas de conversas com profissionais da saúde para que nos oriente quanto à terapia hormonal e também proporcionar momentos de lazer para fortalecer a conexão entre as pessoas”, destaca Lucca.
Transfobia e luta pela aceitação
Além de sofrerem com a falta de condições financeiras para arcar com os altos custos para aluguel de estrutura adequada para o treinamento e contratações de treinadores, o Transtornados FC, diferentemente de outros times, precisa lidar com mais um dificultador: o preconceito. “O futsal, historicamente, reproduz as discriminações presentes na nossa sociedade. Nos relatos trazidos pela maior parte dos nossos atletas, existia um hiato na prática do esporte a partir do momento em que há a diferenciação das categorias de acordo com o sexo, até a fundação dos Transtornados. Foi necessário criar um time de futebol exclusivo para nós, com o objetivo de que a identidade de gênero não seja um fator relevante na prática do esporte”, considera Júlio.
Nas palavras de Theo, o principal agravante é que o time está “o tempo todo com pessoas diferentes e, de certa forma, lidando de frente com um trauma de cada um quanto à exclusão dentro do esporte. Da porta para o lado de fora, nós estamos lidando com o de sempre: a transfobia”.
Apesar de ainda terem que passar por algumas “situações vexatórias” pela falta de consciência da sociedade, os coordenadores se sentem orgulhosos do que estão construindo, tanto no âmbito esportivo quanto no social. “É uma sensação de muito alívio e conquista, até porque exige uma responsabilidade sobre os corpos que vem até nós”, ressalta Lucca. Na visão de Júlio, “o crescimento exponencial do time não só comprova a demanda existente, mas também ratifica a inexistência de lugares seguros para a prática de esporte por pessoas trans”.
Jogo no Ginásio e pretensões
Até o momento, por falta de verba e por entender que o ideal é entrar em competições que reúnam outros times de homens trans e pessoas não-binárias – que só acontecem em outros municípios -, o Transtornados FC ainda não participou de campeonatos em Juiz de Fora, o que torna o convite para estrear o Ginásio Municipal ainda mais especial.
“É um sentimento sem igual o de estar sendo visto depois de toda uma vida sendo invisibilizado e silenciado, vivendo escondido mesmo”, vibra Theo. Já Júlio comemora por “esse convite ser extremamente relevante não só para nós, enquanto Transtornados, mas para toda a população trans de Juiz de Fora que, pela primeira vez, será representada por um time não-cisgênero participando de um evento”.
Para um futuro breve, o Transtornados FC pretende participar de competições a nível nacional com o apoio da população de Juiz de Fora, e, por isso, disponibiliza o pix [email protected] para arcar com os custos envolvidos. Além de entrar nas competições, o time quer proporcionar também “um espaço estruturado e seguro e a manutenção dos treinos com o objetivo de fomentar o autoconhecimento e desenvolver autoestima e autoconfiança com os atletas”, conforme diz Theo.
Questionado sobre um pedido que faria para a população, além do apoio financeiro, Lucca clama para que os indivíduos “se conscientizem, estejam abertos a conhecer e aprender. E que, em caso de qualquer caso de preconceito, enfrente ou denuncie, já que é um crime”. Já Júlio abre as portas para que mais times formados por trans e não-binários estejam presentes na cidade e no estado. “Servimos de inspiração para a construção de outras equipes, e iremos orientar todos aqueles que nos procurarem demonstrando interesse em formar novos times. Estamos totalmente dispostos a auxiliar no que for preciso”, afirma. Os coordenadores deixam o contato do Instagram @transtornadosfc para os interessados em participar da equipe e para novos projetos.