Milton Nascimento completa 80 anos sem ter gênero definido, é o próprio gênero
As oito décadas do artista foram comemoradas na última quarta-feira; seus companheiros de vida e de banda contam à Tribuna sobre esse homem e esse artista de poucas e certeiras palavras
Ao mesmo tempo que ainda há muito o que falar, por se tratar de um ser misterioso em sua essência, tudo já foi dito por ele mesmo. Com poucas palavras. No entanto, precisas. A ponto de romper qualquer silêncio ou qualquer barulho. Milton Nascimento, na verdade, diz mais com os olhos, que brilham em cada momento. Aquele olhar que já viu tanta coisa não cessa de brilhar com as pequenas surpresas. É um ser que não é mesmo deste mundo. E isso quem diz são as pessoas que convivem diariamente com ele, que, por mais tempo que seja a parceria, não desvendaram os mistérios que ele guarda. Com 80 anos, completos na última quarta-feira (26), o gênio da música internacional (sim, internacional, porque não há fronteiras nem barreiras em seu trabalho) ainda guarda nele o que há de mais simples e humilde. “Inexplicável na vida e na obra”, resume Wilson Lopes, guitarrista e diretor musical de Milton, com quem, há 40 anos, divide histórias, música, palcos e mais o que virá.
Nada prenunciava que no dia 26 de setembro de 1942 nasceria um dos maiores nomes da música brasileira. A empregada doméstica Maria do Carmo Nascimento não teve tempo de ver seu filho crescer. Antes do menino Milton completar dois anos, Carminha, como era conhecida, morreu em decorrência da tuberculose. Augusta era a dona de uma pensão no Rio de Janeiro, onde Carminha trabalhava. Ela carregava um apreço gigantesco pelo menino, que sempre visitava para não perder o contato, já que o viu nascer. Com a doença da mãe, a avó, Maria, é que passou a cuidar de Milton. Mas isso também durou pouco. Lília Silva Campos, filha de Augusta, recém-casada, tentava engravidar e não conseguia, aos 22 anos. Já apaixonada por Milton, decidiu adotá-lo. João, pai de Milton, nunca mais procurou pelo menino.
Registra-se que a família biológica de Milton já tinha um forte interesse musical. Em uma tentativa de explicar a voz mais afinada do mundo, a letra mais certeira e a harmonia mais completa, começa-se com essa justificativa. Mas foi com Lília, em Três Pontas, no sul de Minas Gerais, que Milton pôde desenvolver seu interesse pela música, afinal ela estudava piano. Foi ela quem deu a ele uma sanfona Hering: seu primeiro instrumento, onde descobriu a voz que tinha ali guardada no peito.
Ainda em Três Pontas, Milton já adolescente foi entrando na música, aos poucos. Ele é calmo. Não há pressa para qualquer coisa na pessoa e no canto de Milton. Foi lá também que ele conheceu Wagner Tiso, que nasceu na cidade e tinha interesse pela música. Os dois, juntos, vieram a participar de pequenos grupos, como o Ws Boys, em que Milton entrou como crooner e tocando xilofone. Pode-se dizer que foi a primeira parceria musical dele. Tempos depois, mudou-se para Belo Horizonte, para cursar Economia. Mas foi lá que ele, realmente, desenvolveu-se como músico. Sempre carregando as influências da cidade pequena, pacata, rodeada pelas montanhas e pelos barulhos do interior, dos trens aos pássaros.
Pelas estradas
Pouco tempo depois, Milton, que já havia rodado os bares de Belo Horizonte, já com algumas composições, entra em estúdio. Em 1967, nasce seu primeiro disco, a princípio com nome de “Milton Nascimento”. Um acontecimento. E tão grande a ponto de ele ser relançado depois com nome de “Travessia”, além de ter tido mudança na ordem, com a finalidade de colocar a música-título como abertura do álbum. Aí, sim, um presságio: Milton anunciava: “Solto a voz nas estradas/ Já não quero parar”. Mais de 50 anos depois do lançamento, a música ainda rasga o peito. O disco traz uma memória ainda de Três Pontas, que é ainda o nome da segunda faixa. Mas anuncia esse novo caminho na capital. “Canção do sal” já havia sido gravada por Elis Regina, no álbum “Elis”. Mas ganha uma nova forma e um novo significado na voz de Milton. “Outubro”, que finaliza “Travessia”, reafirma de maneira tão forte que ecoa no caminho: “Mas se eu tiro do lamento um novo canto/ Outra vida vai nascer”. Nessas músicas, inclusive, uma parceria já parece: Fernando Brant, com quem assina tantas músicas atemporais e imortais.
Milton: um gênero
O impacto sentido com esse lançamento foi imponente. Em 1969, Milton lança “Courage”, gravado em Nova York, por causa, ainda, de seu disco de estreia. O segundo disco já inaugura sua carreira internacional, com Herbie Hancock, por exemplo, sendo um dos artistas convidados para gravar. Até então, por mais diferente que fosse a junção que existia entre a voz e a harmonia das músicas de Milton, havia ali quase uma unicidade entre as obras. “Sempre tem uma pitada bituquiana”, afirma Wilson, seu guitarrista. Mas, em 1970, isso passa a mudar, pelo menos um pouco. Com “Milton”, ele traz a grande “Para Lennon e McCartney”, quase um rock, que veio a se tornar um hino na época. Antecipa, também, um disco que veio a ser considerado o melhor da história da música brasileira. O “Clube da Esquina” já está ali, com a música de mesmo nome. De uma maneira tão bituquiana, para seguir a palavra usada por Wilson, ele dá voz a “A felicidade”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Já com esses discos dava para afirmar o que acontece até hoje: Milton não pertence a um gênero, ele é o próprio gênero.
Anos mais tarde, quando Wilson Lopes entrou na banda de Milton, ele confirmou a existência do gênero musical Milton Nascimento: “A música do Bituca é quase um gênero musical. Para não falar que realmente é um gênero. Ele é Milton. Tiveram dois cartazes anunciando o Milton lá fora que eu destaco. Um anuncia um show do Milton e do Miles Davis. Eles colocaram: Miles Davis, jazz; Milton Nascimento, Milton Nascimento. Eles não souberam classificar. E em 2016, um cartaz na Virgínia anuncia assim: “Milton Nascimento, um gigante que criou um gênero”.
O Milton de Juiz de Fora
Mas voltemos aos anos 70. Há 50 anos, nascia o disco que mudou a concepção musical de Minas Gerais e do próprio Brasil. Os meninos que se reuniam para a boemia no Bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, lançam o disco “Clube da esquina”, que veio a ser o nome pelo qual eles ficaram reconhecidos. Recentemente, a Tribuna fez uma matéria sobre eles e outros discos que também fazem 50 anos neste ano.
Em Juiz de Fora, na década de 70, aconteciam os festivais da canção, seguindo um movimento que era comum no Brasil todo. Ainda em 1967, no Rio de Janeiro, por exemplo, Milton ficou em segundo lugar com “Travessia” e em sétimo com “Morro velho” (duas músicas presentes do seu disco de estreia) no Festival Internacional da Canção. Juiz de Fora não ficava para trás nas competições, que reuniam os músicos da cidade e ainda traziam aqueles que decolavam no cenário nacional. Essa troca entre os iniciantes e os já pronunciados clássicos gerou frutos.
Em 1972, exatamente no ano em que era lançado o disco “Clube da esquina”, Milton veio a Juiz de Fora para ser a atração dos intervalos da competição. A banda A Pá, que se destacava nessa época, formada pelos irmãos Teixeira (Xico, Domingos, Estevão, Faustino, Henrique, João e Luzia), Márcio Itaboray, Hélio José Barbosa, Carlos Augusto Gomes, Sérgio Evangelista e Márcio Hallack, estava concorrendo. Os meninos já eram fãs de Milton e naquele dia puderam vê-lo de perto. Surgia uma relação que acabou fazendo com que o próprio Milton passasse a visitar mais Juiz de Fora, cidade que morou por pouco tempo quando era ainda criança. Márcio Itaboray conta que os seus shows na cidade passaram a ser mais recorrentes, assim como os passeios sem rumo algum. “A gente ficou amigo, e ele começou a vir muito a Juiz de Fora. Vinha do nada. Ele não tinha nada para fazer e vinha, ficava andando com a gente.” O contato, no entanto, foi ficando mais escasso.
Obra na década de 70
Mas no ano seguinte ao “Clube da esquina”, Milton lança “Milagre dos peixes”. É uma fonte inesgotável de inspiração. Tanto que, mesmo com a censura da ditadura militar em algumas músicas, Milton encontra jeito de fazer ele sair, com as harmonias sobressaindo, as vozes e os ambientes. Logo em seguida, lança sua versão ao vivo, com o Som Imaginário, formado por Frederyko (guitarra), Tavito (violão), Robertinho Silva (bateria), Luiz Alves (baixo), Naná Vasconcelos (percussão) e Zé Rodrix (vocais e piano).
Em 1975, Milton lança “Minas”. É um disco completo e profundo. Reafirma suas raízes ao apresentar características tão próprias de Milton, como em “Fé cega, faca amolada”, “Beijo partido”, “Paula e Bebeto” e “Ponta de areia” – algumas, para não listar todas. Surge, depois, “Milton”, em 1976, com “Raça”, “Cravo e canela” e “Saídas e bandeiras”, dentre outros. Em “Raça”, Milton recupera sua própria história e reconhece de onde surgiu toda essa força de voz e ser: “Todas Marias, Maria Dominga/ Atraca Vilma e Tia Hercília/ É Monsueto e é Grande Otelo/ Atraca, atraca que o Naná vem chegando”. E é com as palavras mais profundas que existia o embate contra a ditadura. A música de Milton é o que diz.
Mas é em “Geraes” que esses dois discos ganham como que uma continuidade. É o ápice de toda a genialidade de Milton. Não existe possibilidade de listar os destaques. Só ouvindo para sentir o que é ouvir “Minas”, “Miltons” e “Geraes”, um depois do outro. Para fechar a década, o retorno fonográfico de Clube da Esquina, com o “Clube da esquina 2”. Já nos anos 1980, “Caçador de mim” já é guiado por um outro caminho, também original e único. Bituquiano.
O imprevisível que mudou rumos
Nesta década, em 1983 mais precisamente, Wilson Lopes conhece pessoalmente Milton. O guitarrista de Belo Horizonte já ouvia Milton. Era amigo de Toninho Horta, companheiro de Clube da Esquina. Wilson foi ao casamento de Toninho, em Três Pontas. Milton estava lá. “O Milton veio caminhando. Ele passou perto da gente. Quando passou, eu bati no ombro dele e o chamei de ‘Milton doidão’. Não sei o que deu na minha cabeça. Ele parou, deu um passo para trás, me encarou, não falou nada e seguiu. Ali, eu pensei: ‘O que eu fui fazer?’ Coisa idiota. Passou um pouco e ele voltou de novo. Ele veio, parou perto e falou: ‘Quem é doidão aqui?’. E riu. A gente, nesse momento, virou amigo de infância. Foi muito forte. Impressionante”. Hoje, Wilson é, além de guitarrista da banda de Milton, seu diretor musical.
Mas até isso acontecer, a amizade foi ficando cada vez mais forte. Tanto que eles mesmo combinaram de não tocar juntos, para não atrapalhar a relação. Mas não teve jeito de resistir a isso. “Dez anos depois, ele me ligou meio mal, preocupado, achando que não cantava nada, aquela falta de inspiração que todos nós temos. Aí, eu fui para a casa dele no Rio. Uma certa hora, eu estava estudando violão. Ele chegou perto e falou: ‘Faz um rock aí para mim’. Aquelas coisas dele, porque ele é muito misterioso, sabe? Aí eu perguntei qual era a finalidade. Ele respondeu: ‘Para nada’. Aí eu: ‘Como assim nada? Fazer um rock. Que ideia louca essa?’. ‘É, faz um rock’, ele respondeu. E, aí, do nada, meu dedo fez um acorde, tocou alguma coisa. Ele falou: ‘Olha! já está fazendo?’. Eu ri, perguntei se era isso. Ele só riu e saiu para lá. Eu compus a ‘De um modo geral’, que está no ‘Angelus’, primeiro disco que gravei com ele.” Depois disso, uma chuva de histórias inesgotáveis. Mas o disco “Angelus”, obra prima dos anos 90, é um experimentalismo extremo. Marca a parceria de Wilson e Milton, que compuseram juntos a “Coisas de Minas”, também no disco. Marca também aquela década, para qualquer um que ouça o álbum ainda hoje.
Quase 30 eternos anos
Logo em seguida, em 1995, estreia em palco uma outra parceria duradoura. Lincoln Cheib assume a bateria de Milton, depois da saída de Robertinho Silva, importante baterista na carreira do músico. Milton tinha escutado Lincoln tocar quando ele ainda tinha uma banda com Wilson Lopes. Eles estavam procurando um baterista novo e gostou do que viu ali. Mesmo com pressão para a contratação, por se tratar de um músico ainda desconhecido e novo, Milton acreditou no menino e o chamou para uma turnê que incluia apresentações com orquestras do mundo todo. “No final das contas eu estreei no México, em 1995, sem ensaio antes de ir”, rememora Lincoln.
Parece que tudo que envolve Milton tem uma história por trás. “Aconteceu um fato engraçado que, nessa época, o Milton não cantava nos ensaios. Ele tinha o hábito de não falar durante o dia do show. Ele ficava em silêncio, descansando a voz: era a técnica dele. Quando fomos ensaiar com a Filarmônica do México, o maestro foi apresentar o Milton para os músicos, e falou: ‘Agora, com vocês, o maior cantor das Américas. A voz mais afinada do mundo’. Quando atacou a introdução, o Milton entrou tocando piano, não cantou. E deu aquele clima ruim para caramba, ninguém entendendo. No segundo dia, a mesma coisa. O Milton entrou tocando violão. Na hora foi a coisa mais engraçada, um mal estar danado. Muito bem. Na mesma viagem, teve mais uma curiosidade. No dia que eu cheguei no hotel, o produtor, Ricardo Tenente, falou que o Milton queria falar comigo. Eu imaginei que ele iria me parabenizar, porque eu consegui tocar tudo certo. Nós ensaiamos 12 músicas e eu consegui me dar bem nas músicas, com leitura razoável. Cheguei lá muito sem graça, porque eu tinha muita vergonha do Milton, aquela figura enigmática, um ídolo. Fiquei sem graça demais, sentado lá. Ele falou comigo assim, daquele jeito dele de poucas palavras e muito conteúdo: ‘Baterista para me acompanhar, tem um monte pelo mundo. Eu queria aquele que toca lá em Belo Horizonte’. Mas eu disse que lá ele me ouvia tocando jazz, quebrando tudo, tocando à vontade. Ele respondeu: ‘Agora você entendeu’.”
As obras que viriam a seguir e são destaque em sua obra são “Nascimento”, que marca o retorno de Milton aos estúdios, e o espetáculo “Tambores de Minas”, que reafirma o que há de mais mineiro em Milton. Tem, ainda, o poético “Pietá”.
“Maior comunicador silencioso”
Entender o que existe naquela voz é impossível. Como explicar os mistérios? Fato é que o ser Milton é, também, inexplicável. Viver e tocar com Milton é sorte. Captar cada uma das poucas palavras que saem de sua voz e mesmo seu silêncio. “Eu acho que o Milton é uma sorte mesmo. Eu dei sorte na vida. Transcende muito a questão profissional que é maravilhosa, sem dúvida alguma, o Milton é um músico muito correto, muito generoso com todos que estão com ele. Mas isso transcende a questão profissional. Tudo do melhor. É uma coisa de convivência. É um cara muito especial, muito sutil. O Milton é de poucas palavras. Eu acho que ele é o maior comunicador silencioso”, afirma Lincoln, o músico com quem Milton toca a mais tempo. “Palavras ali são pouquíssimas. Mas ele não precisa falar. Só o olhar dele, o jeito dele. Só ficar perto, você está recebendo. Tem uma energia rolando. Só ficar ali parado, calado. Só pensar nele, hoje eu já consigo sentir a energia dele. Nem perto eu preciso mais. É verdade”, completa Wilson.
Lincoln e Wilson se definem como sortudos por conviverem com Milton. Não há outra forma de dizer isso. “A primeira música que nós fizemos juntos, ‘De um modo geral’, tem uma frase dele que serve para nós todos, e eu custei para perceber: ‘Anuncia a vida, alimenta a sorte, sorte, o sol’. A gente tem que alimentar a sorte da gente que vira sol. A sorte não é quando você está sentado e ela vem. Não. Você tem que ir alimentando. No meu caso, estudando a música dele. Você tem que estar preparado para, quando aparecer, estar pronto para recebê-la, né?! Eu sinto assim: eu alimentei minha sorte e deu certo”, diz Wilson. “ Eu tenho a graça de estar 27 anos ouvindo a voz mais afinada e estando ela rouca ou cansada, a voz do Milton é a mais afinada, a mais perfeita”, afirma o baterista.
A amizade entre Márcio e Milton foi reatada anos depois. “Em 2001, eu fiz um livro, que se chama ‘Assuntos de vento’. É um livro que eu conto as histórias da música daquela época. Tinha muita foto dele. E eu consegui o telefone para pedir permissão para usar. Ele até brincou, falou que eu tinha que pedir ao empresário dele, achei que fosse difícil. No final, ele não só falou que podia como que viria ao lançamento. Eu não acreditei. Ele já era o Milton Nascimento. E ele veio mesmo. E aí ele ficou amigo nosso de novo.” Milton ainda gravou uma música de Márcio, a “Não há paz”, com o Lúdica Música. O médico e músico diz que ele sempre foi mais calado mesmo. É o jeitinho dele, como disse os três mineiros entrevistados. “Ele é muito tímido. Está conversando eu e ele. Se você chegar, ele demora uns 40 minutos para falar de novo. De poucas palavras mesmo. Caladão mesmo, mas com frases precisas. Por exemplo, quando houve o tombamento do Central, ele foi entrevistado e falou: ‘Central, a emoção de todos nós’. E virou a frase do Central. São sacadas boas. Ele é um artista bruto e lapidado pelos parceiros. É um poço de inspiração. Quando eu toquei com ele no Central, uma música minha, a convite dele, era como se o Neymar me chamasse para jogar bola no Maracanã. Juiz de Fora, no Central, onde eu o conheci. É sensacional. Ainda mais para quem é amador, no sentido de amar a música mesmo”, diz Márcio.
A última turnê
Depois de tanta história, Milton, agora, se despede dos palcos. Durante a pandemia, ele ficou longe do contato com as pessoas, que é tão necessário para Milton. Isso acabou por deixá-lo debilitado. Mas foi anunciado que era hora de voltar para os palcos e, por fim, despedir, com “A última sessão de música”, que tem lotado os palcos do mundo todo. Para seus músicos, essa experiência tem sido, ao mesmo tempo, luto e alegria. “É o fim de um ciclo. É o fim de uma coisa maravilhosa. Por mais que o Bituca continue vivo, a gente é amigo e vai conviver, toda essa mecânica de pegar um voo, viajar, passar o som, ouvir a voz dele no fone. Isso terminar para mim é doloroso. Eu tenho muito carinho por ele. Eu gosto demais. Tem um monte de coisa que muda na lida. Mas eu acredito que a vida sempre surpreende. A gente colhe o que planta. E a gente segue levando a ideia dele”, afirma Lincoln.
Já Wilson diz que prefere não pensar muito nisso. Mas viver essa experiência de rodar o mundo ao lado de seu Bituca é, também, uma maravilha. “Quanto mais ele cantava, mais feliz ele estava. E ele dá banho na gente. Todo mundo cansado e ele feliz. É uma força absurda. O show mais recente, ele estava cantando absurdamente. Não tem jeito de explicar.” Lincoln completa: “A ligação dele com o público, as viagens. Isso pôs o Milton de um jeito que é impressionante a força dele tocando. Você vê que o vigor está ali”.
“É outra coisa”
Falar sobre tudo de Milton, todos os discos e as histórias, é impossível. A travessia é longa. Ainda há muito pela frente. Descobre-se, ainda, muito sobre o menino Bituca. E nada explica essa força. A conclusão a que se chega é que, por mais genial que seja o seu trabalho, ele é mais ainda. “A música, a voz, ele: é tudo o que me atrai. E ele como pessoa ganha da música e da voz. É possível. O Bituca eu não vejo como ser humano, é um outro ser. É outra coisa. Através dele, eu acredito em coisas extraterrestres e em Deus. Ele é uma coisa diferente de tudo o que você pode imaginar. Não sei explicar”, finaliza Wilson.