UFJF identifica resíduos de medicamentos no Paraibuna
Maioria dos micro poluentes encontrados é usada para o tratamento de diabetes e hipertensão arterial
Há décadas, a sujeira exposta no Paraibuna já alerta para o alto índice de poluição do rio, mas as substâncias presentes no curso d’água que não são visíveis a olho nu também despertam preocupação. De acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas e da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nove micro poluentes foram encontrados em amostras de água coletadas do Rio Paraibuna.
Ao todo, 116 produtos químicos foram identificados no material coletado, sendo que a maioria eram produtos farmacêuticos, principalmente remédios utilizados no tratamento de doenças como diabetes e hipertensão arterial. Segundo os cientistas, o descarte incorreto de medicamentos contribui para a contaminação dos rios, além de ser prejudicial tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana.
A pesquisa “Variabilidade temporal e espacial de micro poluentes em um rio urbano tropical”, fez parte da tese de doutorado da pesquisadora Gabrielle Quadra, concluída em 2021 pelo Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Natureza da UFJF, em parceria com cientistas suecos. O objetivo de Gabrielle era investigar a ocorrência de micro poluentes em um trecho do Rio Paraibuna.
Para isso, foi preciso coletar amostras de água a cada três meses, no período de junho de 2017 a setembro de 2018, em quatro pontos localizados a jusante de Juiz de Fora, o que corresponde a aproximadamente 40 quilômetros de distância da cidade. Além disso, a coleta de água também foi feita a montante da cidade, no reservatório de Chapéu D’Uvas, que atuou como ponto de referência, permitindo traçar um comparativo e avaliar a influência do município sobre o Rio Paraibuna.
“Nós acreditamos que essa pesquisa apresenta um alerta sobre a necessidade de um olhar mais cuidadoso sobre aspectos do uso de medicamentos, com o consumo consciente e descarte adequado. Além disso, também acreditamos na importância do trabalho para os tomadores de decisão no sentido de melhorar as redes de coleta e tratamento de esgoto da nossa cidade”, afirma a pesquisadora.
Remédios para doenças cardiovasculares e diabetes
Entre os compostos químicos encontrados, os fármacos associados a medicamentos usados para tratar doenças crônicas, como doenças cardiovasculares e diabetes, foram os que mais se destacaram. De acordo com Gabrielle, o composto que estava em maiores concentrações no Paraibuna foi a metformina, em uma concentração máxima de 4,5 µg/L.
“Quando falamos somente um número dessa forma, pode parecer que não representaria um risco, mas essa não é a realidade”, alerta a pesquisadora, que ressalta que a metformina ainda é um composto pouco investigado em termos de riscos ambientais, mas a pesquisa apontou para uma avaliação de risco médio. “Isso significa que a probabilidade de trazer um prejuízo para o ecossistema é existente.”
Cafeína
Ao comparar as substâncias encontradas na jusante da cidade com o cenário da represa de Chapéu D’uvas, o estudo detectou apenas um micro poluente no reservatório: a cafeína. Por ser um composto muito usado no cotidiano e presente em uma infinidade de produtos, é fácil encontrar a cafeína em ecossistemas aquáticos.
“Inclusive, muitos estudos mostram seu potencial como traçador de esgoto doméstico. Provavelmente por esses motivos a cafeína foi o único composto detectado em Chapéu D’Uvas, ao passo que todos os outros somente a jusante da cidade de Juiz de Fora, o que demonstra a importância da cidade como fonte de contribuição de micro poluentes para o Rio Paraibuna, qualitativamente e quantitativamente”, analisa.
Para conseguir estipular uma estimativa de quais medicamentos eram mais consumidos pela população juiz-forana, a pesquisa solicitou os dados de pedidos e estoques de medicamentos de 58 unidades básicas de saúde do município, que são reportados mensalmente à Secretaria de Saúde de Juiz de Fora. Os dados de consumo foram requisitados no período de junho de 2017 até outubro de 2018, correspondendo ao intervalo das amostras coletadas no rio.
Com isso, foi possível entender que as substâncias que apresentam riscos eco toxicológicos moderados, ou seja, riscos causados por poluentes no meio ambiente, são a metformina, oxazepam, triclosan e tramadol.
Descarte incorreto de medicamentos
O brasileiro tem o hábito de ter sua “própria farmácia” em casa. É comum encontrar no armário uma caixa com analgésicos, relaxantes musculares e outros remédios. Porém, além da automedicação não ser recomendada devido aos malefícios que pode causar ao paciente, o descarte incorreto de medicamentos que estão sobrando ou já expiraram a data de validade pode gerar inúmeros impactos no meio ambiente e, consequentemente, na saúde humana, como, por exemplo, efeitos terapêuticos ao indivíduo que consumir a água contaminada.
Gabrielle explica que a nossa principal via de exposição é pelo consumo desses resíduos farmacêuticos na água potável, mas os riscos associados ainda são desconhecidos. “Já para os ecossistemas aquáticos existem mais estudos, o que pode afetar, indiretamente, os seres humanos. Os fármacos já demonstraram que podem afetar o crescimento, a reprodução e o comportamento de diversos organismos aquáticos, por exemplo.”
Lojística reversa
Há toda uma logística que faz um medicamento chegar até nós, uma trajetória que se inicia na seleção e padronização desse composto até o armazenamento e distribuição do mesmo. Porém, o que acontece com o fármaco após ser entregue às mãos do paciente ainda é pouco discutido. A chamada logística reversa é responsável por analisar o melhor percurso para um rejeito, desde seu descarte até o destino final, por meio da reciclagem, tratamento ou despojamento.
Um dos pontos de coleta desses rejeitos em Juiz de Fora é a Farmácia Universitária da UFJF. No entanto, de acordo com o pesquisador e professor da faculdade de Farmácia da UFJF, Maurílio Cazarim, foi observado que poucas pessoas estavam levando os medicamentos para realizar o descarte adequado.
Pensando em aumentar a adesão da população à logística reversa, Maurílio, junto com outros professores e alunos da universidade, criou em 2019 um projeto de divulgação, que busca conscientizar os usuários da Farmácia Universitária a realizar o descarte de medicamentos de forma correta. Por meio da coleta desses fármacos, está sendo possível traçar o perfil de consumo dos pacientes.
Tais informações serão usadas para contribuir com políticas públicas e outras decisões da gestão local relacionadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), como, por exemplo, a reflexão a respeito do protocolo de tratamento com medicamentos classificados como “venda livre”, que se relacionam com o estoque caseiro de remédios.
Farmácia caseira
Para entender como os rejeitos de fármacos chegam ao meio ambiente, Maurílio se baseia na pesquisa de Gabrielle para identificar se há relação entre o perfil de uso dos medicamentos de farmácia caseira com os rejeitos encontrados no Rio Paraibuna. “Além da preocupação com o descarte dos fármacos, outra questão que vamos investigar é se a estação de tratamento de esgoto dá conta de neutralizar algumas substâncias farmacológicas, que são naturalmente excretadas quando o paciente faz uso do medicamento. Precisamos entender se esses rejeitos vem do descarte, da excreção desse fármaco ou da não adesão terapêutica do paciente para poder organizar as nossas ações estratégicas de educação em saúde”, explica.
Lei e fiscalização
A lei municipal n.º 13.442 de 2016 torna obrigatório a instalação de pontos de coleta, em local de fácil visualização, em farmácias, drogarias e farmácias de manipulação para recolhimento de medicamentos impróprios para o consumo ou com data de validade vencida. O descumprimento da legislação caracteriza infração sanitária grave, implicando, em última instância, na cassação do alvará de funcionamento do estabelecimento.
A Prefeitura de Juiz de Fora informou que tais estabelecimentos são fiscalizados pelas técnicas do Departamento de Vigilância Sanitária (DVISA) na frequência mínima anual. “A forma em que se baseia a abordagem das técnicas e autoridades sanitárias responsáveis são pautadas no elenco das legislações sanitárias vigentes e em cursos de formação pessoal e profissional, inclusive por cursos de especialização Latu sensu na temática de Vigilância Sanitária e Gerenciamento de riscos”, afirmou o órgão em nota enviada à Tribuna.
Como é feito o descarte
Para o descarte ser realizado de forma correta, é necessário aos estabelecimentos terem uma mobília adequada, que será diferenciada de acordo com o tipo de resíduo. Maurílio explica que as cápsulas e comprimidos serão descartados na categoria produto químico sólido, além disso existe a categoria de semissólidos e líquidos e outra para spray e aerossol que requerem tratamento próprio. Há também um resíduo de lixo que serve para o descarte correto de caixas e bulas. Por fim, existe uma mobília específica para a segregação do chamado glister – parte de metal que tem a impressão da Indústria Farmacêutica com os dados sobre o medicamento, além das bolhas que o comprido fica guardado. “Esse sistema é importante para incentivar a reciclagem e gerar uma maior sustentabilidade.”