Negro Bússola
Foto: Fernando Priamo
Ele não faz parte do movimento negro, porque se considera um negro em movimento. CEO da Casa de Cultura Evailton Vilela, no bairro Santa Efigênia, Jeferson da Silva Januário, o Negro Bússola, que já esteve por duas vezes entre os candidatos mais votados à cadeira de vereador, mas não conseguiu se eleger em função do quociente eleitoral, sonha em entrar para a história, como o primeiro prefeito negro da cidade. Garra, disposição, consciência e trabalho duro não faltam a esse homem de 47 anos, marido da Flávia Cristina e pai da Milena, menina de dez anos que está aprendendo as primeiras lições em inglês, na casa comunitária comandada por ele. As obras de ampliação do espaço físico estão a todo vapor, para que o local se torne um centro de referência em empreendedorismo na periferia. Confira a entrevista
Ser negro
Ser negro é ter uma marca da resistência. Quando tinha sete anos, achava que era um B.O de nascença. Foi o impacto que eu tive ao ouvir de uma educadora que Caim quando matou Abel recebeu uma marca e tinha se tornado negro. Aquilo martirizou muito a minha mente e ficou cristalizado. Me recordo que o primeiro incentivo que tive sobre ser negro foi uma metáfora utilizada por uma professora. Ela falou que eu deveria me considerar um ébano bruto. Perguntei o que era ébano, e ela disse que era uma madeira negra que depois de lapidada tem um alto valor de mercado. Outra ocasião, foi o momento em que meu pai me acolheu com grande carinho. Comecei a entender que ser negro é carregar uma missão de verdade, muito forte. É manter a graça da garça, andar na lama e não sujar suas vestes. Quando ouvi no rap dos Irracionais o nome de pessoas que lutaram pela igualdade, representatividade, como Rosa Parks, Martin Luther King, Nelson Mandela, André Rebouças e outros mais, perguntei para a professora quem eram e ela me apresentou a biblioteca.
A casa, os pais, as questões da negritude
Na cultura da minha família, falo da família biológica mesmo, nós não tínhamos muito diálogo sobre essa questão de ser negro. A minha mãe era uma pessoa de pouca cultura sobre a negritude, o meu pai era sambista, pedreiro, fundou a primeira escola de samba na comunidade que foi a Rosas de Ouro. Diferente de hoje que falo para a minha menina e ela já é afiada nisso. Mas graças a Deus fui criado com muito amor e carinho. Meu pai me disse: ‘Jeferson, livre de dever, porque pagar é certo, e no critério de desempate a cor da sua pele vai pesar. Você é negro, você é negro e você é negro. Tudo na vida é uma questão de escolha, meu filho. Papai vai ser repatriado, você tem sangue de guerreiro’. Depois disso, ele viveu um tempo com a gente e a jornada dele se findou. Faz 8 anos que ele partiu. Mas ele e minha mãe tiveram a oportunidade de ver a nossa virada.
Negro em movimento
A gente sabe que aceitação do negro pelo próprio negro é uma ruptura histórica que vamos levar anos para transformar. Ouso dizer que o preconceito é muito forte entre nós mesmos. Aceitação de negro para negro é algo que a gente tem que romper. Quanto a essa questão do movimento negro, eu não participo. Me qualifico como negro em movimento. Quando penso na inclusão, não vejo de forma étnica. Vejo de uma forma social. A gente tem brancos e negros em situações complicadas. Nem todo branco é inimigo e nem todo preto é irmão.
O racismo e a lei
O racismo existe, mas já existem leis que estão colocando cada um no seu eixo. Se alguém te chamar de macaco, preto, preto fedorento, o que for, leva ele em cana. Dá a voz de prisão para ele, isso é um direito reservado a nós. É muito fácil calar quem não tem informação, mas em quem tem não bate, porque o muro é de concreto.
Lucimar Brasil e Negro Bússola
Foto: Fernando Priamo
Periferia é potência
É uma fala até do Celso Athayde: a periferia não é carência é potência. Você tem que ser protagonista da sua própria história. Você é verbo. A gente tem a pretensão de tornar essa casa 100% sustentável. Vamos lançar um concurso de pratos típicos da periferia, para chamar os grandes empresários lá debaixo para virem degustar. Vamos criar um local de happy hour e promover o intercâmbio, para que subam à comunidade e experimentem o que ela tem de melhor.
Ultrapassando as fronteiras de raça e status social
Falo sempre com muita verdade. Às vezes, passo uns perrengues que se tornam histórias de superação mais à frente, porque estão embasadas em verdade. Estou indo para encontrar a assessora do Barack Obama, em João Monlevade, Esthér Sanches. Águia anda com águia. Não é em todos os lugares que vou que tenho sucesso. Bato, não entro, mas deixo meu nome. Deixo minha estrada. O que tenho muito é credibilidade. As empresas investem aqui. Temos a festa de aniversário de 15 anos, porque não peguei para mim. Apresentei a demanda do sonho de meninas de periferia: brancas, negras, molestadas pelo próprio pai, esfaqueada pelo namorado, mãe aos 12 anos. A rua é um carbureto que amadure essas meninas muito cedo. Fizemos três festas que foram paralisadas pela pandemia. Voltaremos em 2023. Quem contribui vê a transformação.
Só a morte vence o racismo
O racismo é incurável. A única coisa que vence o racismo é a morte por dois pontos. Seja branco ou preto, eles te enterram e jogam terra no seu peito. A sua pele apodrece até escurecer. Aí somos todos iguais. A morte nos iguala. Tudo era uma rejeição ao cadáver.
Negros na política
Do Campo das Vertentes à Zona da Mata Mineira, a população negra representa 52,3%, e nós nunca tivemos um deputado estadual ou federal negro. Chamo a atenção para as mulheres negras da cidade também. Em 172 anos de história, nunca tivemos uma vereadora negra. Tenho muita consciência de quem eu sou. Fui forjado na dificuldade. Quero ser o primeiro prefeito negro de Juiz de Fora. Não podemos ter vergonha de falar sobre nossos sonhos. Não importa o ninho, quando o ovo é de águia.