Gabriel Araújo chega em JF e cita maior lição da Paralimpíada: “poder inspirar novas pessoas”
Atleta irá desfilar no caminhão do Corpo de Bombeiros nesta quinta; medalhista paralímpico e treinador juiz-forano deram coletiva no Clube Bom Pastor
“Sempre vivi me superando, aprendendo a cada dia e fui evoluindo também. Até antes mesmo de ser atleta, tinha o sonho de todos conhecerem minha história e poderem se espelhar, pois acho que Deus tem um propósito muito bom na minha vida. Fui crescendo e tive a oportunidade de estar nos Jogos (Paralímpicos de Tóquio), de todos poderem me conhecer e eu conseguir inspirar novas pessoas. Essa, pra mim, é a maior lição de tudo. Porque a visibilidade da minha história é meu sonho realmente com minha família. Que pudessem aprender e tirar as coisas boas da minha história pra também fazerem. É meu maior objetivo de vida, poder inspirar novas pessoas e que virem novos atletas agora também.”
As duas medalhas de ouro e uma de prata conquistadas por Gabriel Araújo nos Jogos Paralímpicos de Tóquio não são o fim do processo de um atleta de alto rendimento. Ao menos não para o nadador, que chegou em Juiz de Fora na tarde desta quarta-feira (8), voltando ao Clube Bom Pastor pela primeira vez desde o sucesso no Japão, e que concedeu entrevista coletiva ao lado do treinador Fábio Antunes e do presidente da agremiação local, Luiz Gustavo Micherif, além de ter a presença da família, com a mãe Eneida Araújo e as irmãs Ana Larissa Santos e Fabiana Araújo.
Gabriel ouviu o hino nacional brasileiro após as provas dos 50m costas e 200m livre e ainda conquistou a segunda posição nos 100m costas. Mais que isso, se apresentou ao Brasil. Se emocionou ao lembrar da morte do vô Antônio dias antes da Paralimpíada. E, assim, começou a contar sua história para milhões.
“Meu vô era um cara sensacional, como meu pai, um herói pra mim. Eu fazia companhia pra ele sempre antes de vir embora (para JF). Admiro demais. Quando estava em Hamamatsu, na aclimatação, infelizmente teve a notícia. Minha família não sabia nem como me dizer e jogou a responsa pro coach (Fábio). Sei que é muita, mas ele me ajudou bastante nesse momento. Meu vô estava um pouco debilitado há um tempo, mas independentemente de tudo eu já saí do Brasil com isso na cabeça, que o que tivesse que acontecer seria o plano de Deus”, recorda o atleta que nadou os 100m costas, sua primeira prova, homenageando o avô. “Infelizmente ele se foi, mas eu tinha o pensamento de que iria nadar por ele. Falei com minha família que estava bem preparado e que se eu tinha dez motivos pra nadar, ele era um dos maiores e teria orgulho de mim de onde estivesse. Falei, quando ele estava no hospital, que ele iria me assistir e acho que me viu do lugar mais especial que podia. A emoção foi grande e consegui representar ele da forma que merece.”
Gabriel revelou, ainda, o apelido de seu avô, como se tudo o que aconteceu tivesse um motivo. “Quando ganhei a medalha de prata, cheguei pros meus familiares e falei que era pra ele. E vou falar pela primeira vez uma coisa aqui. O apelido do meu vô era ‘senhor Pratinho’. Então não tinha circunstância melhor do que ganhar uma prata na minha primeira prova, em que nadei por ele.”
Treinador e companheiro fiel
O juiz-forano Fábio Antunes teve a oportunidade de estar ao lado de Gabriel em todos os momentos. Até mesmo nos pódios, em que ele entregou as medalhas ao nadador. E se emocionou ao lembrar de quando escutou, por duas vezes, o hino nacional brasileiro.
“A pandemia me deu um presente de participar do cerimonial das medalhas. O treinador nunca vai, só participa. Mas tive a condição de pegar a medalha e entregar pra ele. E escutar o hino nacional, ali, é uma emoção gigantesca”, conta feliz, também com a tietagem até mesmo de jovens no caminho entre o Japão e Juiz de Fora. “Não tem preço. Tinham muitas crianças querendo tirar foto com ele, uma emoção muito grande. É um carinho especial. Saímos várias vezes do carro pra poder bater foto com crianças. E também é preciso salientar que não trabalhamos só por nós. Estamos por um time, que é muito forte, essa cultura que temos no clube.”
A confiança de Gabriel em Fábio fez a diferença também no nado, na prática. Nos 200m livre, por exemplo, o atleta mudou de nado a partir dos 100 metros, passando para as costas. “Tínhamos treinado. Confio no trabalho do Fábio. Alguns podem falar que é maluquice, mas o que ele disser, eu vou fazer. Se for pra virar dez vezes, dar uma cambalhota e pula de foguete, vou fazer. Porque sei que vai dar certo. E quando isso acontece, vocês viram o resultado”, reitera Gabriel.
Segundo Fábio, “na seletiva fizemos um teste virando duas vezes. Treinamos na final pra girar duas vezes. Mas na eliminatória, pela manhã, ele fez 100 metros fortes, passou muito bem, sem giro. Então falei pra girar só uma vez. Ele atrasou um metro nesse giro, cheguei até a pensar que ele não iria virar, mas fez e ajudou. Sobre a fisiologia, a parte cardiorrespiratória, ele tem uma posição mais de conforto, então iria sustentar a velocidade que tinha e descansar a parte cardio e muscular. Isso ia ser importante para o final de prova. A meta era conseguir manter e ele conseguiu abrir (a distância) para os adversários.”
Valorização do ciclo
Gabriel relembrou, ainda, que os Jogos Paralímpicos, para ele, começaram há anos, quando passou a treinar, com maior disciplina, como nadador do Clube Bom Pastor, vindo de Corinto (MG), onde morava. “O objetivo nós já tínhamos, de ir pros Jogos. Mas quando foi montada a estrutura, os Jogos começaram pra mim. Não é simplesmente chegar lá, tem todo um trabalho, uma evolução tanto minha quanto do coach, da galera que veio com a gente, uma equipe multidisciplinar, e do Clube Bom Pastor que deu toda a estrutura de treinamento. A evolução foi diária, já tínhamos o planejamento de conquistar algo nos Jogos. E graças ao trabalho de todo mundo consegui atingir esse resultado”, destacou Gabriel, seguido pelo treinador.
“Costumo dizer que temos um planejamento muito bem organizado e isso faz a diferença. Quando pensamos na possibilidade de participar dos Jogos, estruturamos um programa de treino bem estabelecido e controlamos as variáveis no treinamento. E deu certo. Acho que com um bom planejamento, o sonho fica mais fácil de se tornar realidade. E gostaria de dizer que a diferença do esporte paralímpico para o olímpico é simplesmente nas adaptações, porque o método de treinamento é o mesmo. Ele é um atleta de alta performance.”
Rituais e medalha no restaurante
Gabrielzinho, como também é chamado, revelou, ainda, que fez rituais antes das provas e que, naturalmente, não queria desgrudar das medalhas após as conquistas, levando até para as refeições. “A noite anterior à prova é a que você tem que tirar pra descansar, estar totalmente bem fisicamente e psicologicamente. Procuro fazer meus rituais, que vêm dando certo há um tempo. Depois foi só curtir, aproveitando os momentos, as milhares de mensagens de pessoas que sempre admirei. No dia depois que ganhei a medalha fui com ela no restaurante, ficou batendo no prato, fazendo barulho. Mas queria levar pra onde fosse.”
Paris 2024
E a dupla não pretende parar por aí. Gabriel terá justo período de férias e, no retorno, voltará a pensar em três grandes eventos, com o último deles sendo a Paralimpíada de Paris 2024, em ciclo menor que o anterior.
“Ele terá férias a partir de sexta, a pressão e o stress são muito grandes, do treinamento de alta performance. Depois vai encarar essa jornada com grandes competições em anos consecutivos, com o Mundial em 2022, o Parapan em 2023 e Paris em 2024. Uma vez que você sente o gosto de estar na frente, é difícil tirar. Queremos nadar cada dia mais rápido, e as medalhas vão ser uma consequência”, projeta Fábio.