Motivos fúteis e tráfico de drogas são principais causas de homicídios em JF
Levantamento realizado por Promotoria do Tribunal do Júri sugere que execuções do “tribunal do tráfico” estão entre as maiores motivações
Um levantamento feito pelo promotor de Justiça na Vara do Tribunal do Júri de Juiz de Fora, Hélvio Simões Vidal, aponta quais as principais motivações para os homicídios em Juiz de Fora. Os dados são referentes a 350 processos que tiveram ou estão atualmente em curso na Vara do Tribunal do Júri entre os anos de 2005 e 2021. A pesquisa revela que as mortes por motivos fúteis, como brigas de rua, estão em primeiro lugar, seguidas pelo tráfico de drogas.
Porém, um dado chama a atenção: há na cidade 959 casos de assassinatos ou tentativas de homicídio em que nunca se chegou a um autor ou motivação. Para o promotor, considerando que pelo menos metade destes casos sem elucidação se deve a receio de represálias contra as testemunhas, chega-se à conclusão de que as execuções do “tribunal do tráfico” são a maior demanda da Vara do Tribunal do Júri e um desafio para a Segurança Pública.
A pesquisa feita pelo promotor procura levantar a motivação dos homicídios quando a autoria foi comprovada e a ação penal foi ajuizada na Vara do Tribunal do Júri. Os desentendimentos pessoais e o tráfico de drogas apontam que essas motivações dos homicídios estão praticamente equiparadas, constituindo-se na maior demanda da Vara do Tribunal do Júri de Juiz de Fora. Somadas, estas causas atingem 61,14% de todos os processos examinados neste período.
“Se discute sem ter os dados, e eles são muito importantes. Consegui pegar todo acervo destes 16 anos e analisá-lo. É um trabalho meticuloso. Eu queria saber qual a maior demanda, o que impulsiona e gera mais trabalho para nós. O tráfico de drogas está limítrofe com mortes momentâneas, que são aquelas que ocorrem em um ato de emoção, sem terem sido planejadas. Logo, o que mais faz a gente trabalhar não é o tráfico. Porém, há os casos em que não se chegou a lugar nenhum e dificilmente chegará. São casos em que não há mais nenhuma pista quente, não tem familiar para falar, testemunhas, não tem uma câmera que flagrou. São quase mil pessoas mortas ou lesionadas sem motivação ou autor definidos. E aí nestes inquéritos vou achar o tráfico de drogas como motivação. Se em 50% deles o tráfico matou ou tentou matar, aí sim, é o tribunal do tráfico. O Tribunal do Júri julga o tribunal do tráfico”, explicou o promotor.
Conforme os dados colhidos pelo promotor, a principal motivação das mortes foram os desentendimentos pessoais, encontrados em 109 processos, o que corresponde a 31,14% dos processos examinados. “Vale dizer, quando a autoria foi determinada e individualizada, as mortes possuem uma motivação originada, dentre outros, no ciúme, rixas individuais, discussões prévias entre os envolvidos, rivalidades, agressões pretéritas, brigas de rua, em síntese, toda sorte de desavenças resolvidas momentaneamente pela morte do rival”, pontuou.
A pesquisa apurou que o tráfico de drogas e as disputas derivadas da ação de traficantes é responsável por 30% das mortes constatadas, aparecendo em 105 processos. “A taxa de 30% encontrada nos processos, como causa e motivação dos crimes, só não é muito superior aos demais índices pelas dificuldades de elucidação dos casos, em que as eventuais testemunhas demonstram receio de que a sua identidade seja descoberta, o que fatalmente redundaria em consequências também letais para o eventual delator ou testemunha. Vale ressaltar que ainda não temos aqui nenhum caso que tem autoria do crime organizado, como por mando das facções criminosas PCC, Comando Vermelho, isso ainda não invadiu o meu trabalho”, comentou Hélvio Simões.
Logo após, em terceiro lugar, o trabalho concluiu que a vingança foi motivação das mortes em 63 casos em tramitação no mesmo período investigado, entre 2005 e 2021. Em termos percentuais, são 18% dos crimes examinados pelo promotor. Segundo ele, as causas englobam motivação familiar, cobrança de dívidas, disputa por herança, disputa por mulher, problemas entre agentes de vigilância privada e consumidor. “Em síntese, toda sorte de divergência que motivou a vingança do autor, com exclusão das vinganças praticadas por traficantes, que estão inseridas dentro do contexto da mercancia de entorpecentes e foram separadas da vingança pessoal como causa dos homicídios”, disse.
Alto número de feminicídios chama a atenção
Dentre os casos analisados pelo promotor, o número alto de feminicídios em Juiz de Fora chama a atenção: eles estão muito próximos ao número de mortes provocadas por brigas de gangues. “Este torna-se um dado muito significativo na proporção de crimes, uma vez que o crime de feminicídio somente foi tipificado em 2015, ou seja, pode ser ainda maior.” Antes de 2015, os assassinatos das mulheres entravam nas estatísticas dos homicídios, sem terem uma tipificação específica.
Conforme a pesquisa, a rivalidade entre bairros e gangues aparece em quarto lugar como motivação dos homicídios, tendo sido aferida em 33 processos, o que corresponde a 9,42% de todas as ações penais analisadas. O feminicídio surge como causa dos crimes em 8,57% dos casos, atingindo 30 processos.
O percentual restante, de 2,85%, corresponde a apenas dez processos nos quais a motivação é pulverizada em motivos banais, exibição de poder, embriaguez e outras causas menores ou não esclarecidas, que provocaram a morte da vítima.
‘Quase mil casos sem solução é uma epidemia’
O promotor Hélvio Simões também levantou que havia, em abril deste ano, por meio do mapa de Movimento Forense, 959 casos de homicídios e tentativas de homicídio em que nunca se chegou a uma motivação ou autoria. Embora não tenha sido possível ainda levantar de quando são os processos, chama a atenção o número alto de casos. Nenhum deles chegou a virar processo criminal, embora tenham sido investigados pela Polícia Civil.
“São casos que voltaram para o Acervo Cartorário da Polícia Civil ou para a Delegacia de Homicídios. Às vezes, um caso é considerado concluído pela Polícia Civil, mas não vira processo. É preciso que o Ministério Público ofereça denúncia. Se há problemas na avaliação do Ministério Público, ele volta para a delegacia. Muitos indiciamentos são feitos com base na suspeita, a lei exige indícios. Eu tenho um problema quando o encerramento do inquérito é feito com a suspeita. O que também aponta que não há 90% de homicídios solucionados em Juiz de Fora, nenhuma polícia no mundo tem esse índice. Se houvesse este índice, eu tinha q ter 900 ações penais em andamento, eu tenho 180. É uma eficiência artificial”, destacou.
Para o promotor, os 959 casos dificilmente terão um desfecho, o que pode apontar para o que ele denomina de “tribunal do tráfico”. “Quase mil casos sem conclusão é uma epidemia. Para serem concluídos, é preciso que faça indiciamento. Não tem ninguém para informar o que houve, muitas vezes foram corpos achados, abandonados em algum lugar e vão para debaixo do tapete.
Mesmo com a possibilidade de proteção conferida pela Lei 9.807/1999, que possibilitou o denominado testemunho velado, é muito raro que as testemunhas de crimes cometidos por traficantes apareçam para dar depoimento. “Quando não há familiares da vítima que prestem o depoimento, apontado os autores, o destino do caso é o arquivamento e a impunidade dos criminosos. Considerando que o esclarecimento dos crimes praticados por traficantes é, na prática policial e judiciária, de difícil elucidação, dentre outros motivos, por receio de represálias contra as eventuais testemunhas, pode-se cogitar que os traficantes agem impunimente e contam com a não descoberta da autoria dos seus crimes”, finalizou.
Posicionamento da PC
Conforme informou o delegado regional, Armando Avólio, o Núcleo de Acervo Cartorário (NAC) foi criado para solucionar casos antigos no âmbito de toda a regional. “As delegacias estão se empenhando ao máximo, com o andamento dos inquéritos policiais em suas respectivas unidades, visando sempre a dar o melhor atendimento para a população de Juiz de Fora. No momento, aguardamos também, a vinda de mais servidores para repor o nosso quadro de efetivos.”