Coronavac: especialista fala sobre riscos de receber segunda dose após 28 dias

Imunologista acredita que, apesar de ainda não haver estudos sobre o tema, dificilmente eficácia será perdida em médio prazo


Por Leticya Bernadete

09/05/2021 às 07h00- Atualizada 10/05/2021 às 09h12

Nas últimas semanas, diversas cidades do país têm relatado a falta de unidades da Coronavac para a aplicação da segunda dose, essencial para a complementação do esquema vacinal que oferece a imunização completa contra a Covid-19. Em Juiz de Fora, a Secretaria de Saúde informou, na última segunda-feira (3), que o Município ainda contava com uma reserva técnica com cerca de mil doses do imunizante. Entretanto, o total de pessoas que já estavam elegíveis para receber a segunda aplicação era de cinco mil juiz-foranos. Uma nova remessa com unidades da Coronavac chegou a Juiz de Fora na última quinta (5), porém, continha apenas 1.010 doses da Coronavac. A situação levantou dúvidas acerca de como vai ficar o processo de imunização destas pessoas, caso o Município não receba doses suficientes para complementar a vacinação dentro do prazo de 28 dias entre a primeira e a segunda dose, intervalo recomendado pelos fabricantes do imunizante.

Em meio às discussões sobre os possíveis atrasos na aplicação da segunda dose da vacina, a Tribuna conversou com o médico e coordenador do Departamento de Imunoterapia Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, Fernando Aarestrup, para esclarecer se há riscos para a população que receber a segunda dose depois de 28 dias da primeira. Conforme o especialista, ainda faltam estudos que expliquem como a eficácia da Coronavac seria impactada caso o tempo de espera para a aplicação da segunda dose demore muito mais do que o previsto. Aarestrup ainda respondeu as principais dúvidas sobre o processo de imunização e quais consequências um atraso no esquema vacinal pode acarretar. Confira abaixo:

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Conforme Fernando Aarestrup, ainda faltam estudos que expliquem como a eficácia da Coronavac seria impactada caso o tempo de espera para a aplicação da segunda dose demore muito mais do que o previsto (Foto: Fernando Priamo)

Tribuna – A partir dos estudos existentes, o que pode representar um atraso na aplicação da segunda dose da Coronavac?

Fernando Aarestrup – Os estudos clínicos que foram realizados para todas as vacinas estipularam um tempo adequado para a segunda dose. Mas isso não quer dizer que, caso ocorra um pequeno atraso, a vacina não vai funcionar. Isto acontece com outras vacinas também, e a nossa prática é não ter que repetir a primeira dose. Nós apenas completamos com a segunda dose. Isto é possível porque o sistema imunológico possui uma memória imunológica. Quando ele recebe a primeira dose, está recebendo um primeiro estímulo para que ocorra uma proteção vacinal. Muitas vacinas precisam de um segundo estímulo para que tenha a proteção máxima, por isso precisa da segunda dose. Concluindo: um atraso de dez dias, ou até mesmo um período um pouco maior, não vai comprometer a imunização final, pelo que nós conhecemos do sistema imunológico. Mas, infelizmente, não temos estudos que possam falar se gastar mais tempo para tomar a segunda dose traria algum prejuízo.

– Como é calculado o intervalo previsto entre uma dose e outra?

– Isso é feito a partir da observação das pessoas que receberam a vacina. Você faz vários estudos, com prazos da segunda dose diferente, para verificar, dentro desses prazos, quais têm a melhor resposta. Nós temos estudos de até 28 dias para a Coronavac e chegamos à conclusão de que pode tomar com 28 dias de intervalo. Com outras vacinas, por exemplo, o prazo é de três meses, como da AstraZeneca. Isso não quer dizer que se fizermos novos estudos, possamos descobrir prazos ainda melhores. Temos que entender que a medicina é uma prática do que a ciência descobriu, e nós que trabalhamos com ensaios clínicos – testes de medicamentos e vacinas nas pessoas -, então temos conclusões que podem mudar futuramente. A questão é: nós não temos dados acima de 28 dias, entretanto, aquela memória imunológica funciona em períodos dilatados, então dificilmente, do ponto de vista do conhecimento que nós temos, a eficácia será perdida, mas ainda não realizamos estudos para termos isso como uma verdade científica absoluta.

– É correto dizer, então, que não há garantia de imunização apenas com a primeira dose?

– Sim. Não há garantia de imunização apenas com a primeira dose. Existe uma necessidade absoluta de tomar a segunda dose. E aí eu chamo atenção para outro fato que está acontecendo, que é tão grave quanto atrasar a segunda dose: são as pessoas que não estão indo tomar a segunda dose, sendo da Coronavac ou da AstraZeneca. Nós tínhamos uma quantidade imensa, cerca de 1,5 milhão de pessoas no Brasil. Isto não pode acontecer, é falta de responsabilidade com o próprio país. A população também tem que fazer a parte dela.

– Como fica a contaminação e a transmissão do vírus após a vacinação?

– Nenhuma vacina tem 100% de proteção. No caso das vacinas contra a Covid-19, nós temos uma proteção muito grande contra as formas graves da doença. Todas as vacinas protegem de uma maneira substancial contra as formas graves, mas não te protegem de ter a infecção pelo vírus e ter uma forma leve, ou até mesmo uma forma subclínica da doença. Se for esse o caso, você vai transmitir o vírus para outras pessoas, mas não terá sintomas importantes. Por outro lado, tem um dado da literatura científica muito promissor e interessante: as pessoas vacinadas têm, no mínimo, 50% menos chance de transmitir para outra pessoa. Até porque a carga viral – que é a quantidade de vírus que entrou no organismo – tende a ser bem menor naquelas pessoas vacinadas. Então quando você se vacina, você está protegendo todas as pessoas que têm contato com você. Não podemos pensar em individualidade, temos que pensar no coletivo. Nós teremos a chance desses casos caírem e voltarmos à normalidade assim que tivermos uma proteção de, no mínimo, 70 a 80% da população, que é o que nós esperamos até o final do ano.

Imunologista reforça necessidade de vacinação contra a gripe

Paralelamente à imunização contra à Covid-19, está ocorrendo, também, a campanha de vacinação contra o vírus influenza, causador da gripe. O imunologista alerta, também, para a necessidade desta vacinação, a fim de evitar uma nova epidemia no país, no caso, da H1N1. “As pessoas precisam tomar a vacina contra o vírus influenza, da H1N1. Se nós não fizermos isso agora, que estamos entrando no inverno, nós corremos um risco enorme de ter uma epidemia de gripe, juntamente com uma pandemia de Covid-19”, reforça. “Os sintomas são semelhantes, e o vírus influenza, principalmente do H1N1, tem tanta letalidade quanto o coronavírus. Nós entraremos em um caos no sistema de saúde caso as pessoas não entendam que tem que vacinar também para a gripe.”

Como lembrado por Aarestrup, é necessário respeitar o intervalo mínimo de 14 dias entre as vacinas da Covid-19 e da influenza. Quem foi contaminado pelo coronavírus deve aguardar 30 dias após início dos sintomas para receber a vacina da gripe.

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