Mulheres em JF perdem mais postos de trabalho na pandemia
Com aumento dos trabalhos domésticos, informalidade cresce. Cenário pode impactar avanço da mulher no mercado
“Ser dispensada do trabalho nesse momento de pandemia é ainda mais complicado. Todo mundo está sensibilizado, com medo e ainda perder emprego gera uma incerteza muito grande. Eu tenho um filha de 1 ano e 7 meses e ficar sem trabalhar não era uma opção para mim”, afirma a professora Kamilla Coelho Oliveira, 30, sobre como se sentiu ao ser demitida no ano passado. Com a suspensão das aulas presenciais e incerteza sobre uma possível volta das atividades, Kamilla conta que o colégio em que atuava dispensou a maioria dos professores.
A professora é uma das 2.225 mulheres em Juiz de Fora que perderam o emprego formal entre março e dezembro de 2020. O número equivale a quase 52% das vagas extintas na cidade no período, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados pelo Ministério da Economia.
Como mãe solo, Kendra Aparecida Silva Freitas, 23, foi obrigada a deixar o emprego na padaria em que trabalhava como balconista para cuidar dos dois filhos de 7 e 2 anos, e da irmã caçula de 5. “Não tinha com quem deixar as crianças”, diz a jovem, que reveza com a mãe os cuidados domésticos e também ajuda na aprendizagem dos filhos, ao mesmo tempo em que busca renda com a venda de sorvetes, açaí e picolés.
As histórias de Kamilla e Kendra se repetem pelo país em meio à crise sanitária e econômica. Como mulheres e mães, ao mesmo tempo em que também perderam seus empregos, acumularam mais funções dentro de casa. Na segunda matéria da série “Na linha de frente”, a Tribuna aborda como a pandemia tem impactado o avanço da mulher no mercado de trabalho.
Impacto

Para a economista e professora da Faculdade de Economia da UFJF, Flávia Chein, ainda não há informações suficientes para se identificar qual foi o real aumento de desigualdade entre homens e mulheres em termos de empregabilidade. “Os dados são conjunturais, não sabemos qual vai ser de fato a herança da pandemia, se a forma da inserção da mulher no mercado de trabalho vai se alterar. Isso só saberemos em talvez dois ou três anos, mas obviamente que esse impacto acaba sendo maior para a mulher, pelo próprio papel que ela desempenha dentro de casa”, analisa.
A professora sinaliza sobre os diferentes tipos de desligamentos, que impactam de formas diferentes a vida da mulher. “Há desligamentos por conta das próprias atribuições domésticas e da maternidade. Ainda que parte das mulheres não sejam mães solo, por exemplo, o tempo que a mulher gasta com afazeres domésticos é muito superior ao tempo que homens gastam. E com a pandemia, elas ficaram ainda mais sobrecarregadas. Também há aquelas que possuem nível de escolaridade mais baixo e tinham empregos associados aos cuidados domésticos, sendo dispensadas. Nesse momento, essas variações acabam se revelando de forma distinta”, diz
Do ponto de vista de outras ocupações, a economista lembra que percentual de participação feminina é grande também no comércio varejista e setor de alimentação. “Foram setores muito impactados pelos momentos de abertura e fechamento da economia em função das condições sanitárias. Então, com certeza, nesse momento conjuntural, o peso tem sido maior para a mulher, e reflete muito a forma como a mulher se insere no mercado de trabalho.”
Alternativa está na informalidade
Desempregadas e sem a perspectiva de um trabalho formal a curto prazo, tanto Kamilla quanto Kendra buscam saída na informalidade. “Ajuda, mas é muito incerto. Há meses em que vendemos bastante e conseguimos aumentar a renda, outros não. O que tem ajudado é o trabalho da minha mãe que atua como instrumentadora cirúrgica”, conta Kendra, ao comparar com as vendas de sorvetes e açaí que tem feito no Jardim Casablanca, bairro em que mora com a família. Hipertensa, ela também diz ter receio de um emprego que exponha a sua saúde e da família.

Já Kamilla procurou se reinventar com vendas on-line. No início deste ano, a professora criou sua loja virtual Lunar Moda Íntima. “Eu precisava me reinventar no sentido de arrumar um trabalho que fosse compatível com a maternidade e com a rotina doméstica. E isso partiu de uma necessidade financeira e também pela necessidade de ter que trabalhar com algo meu, de assumir as minhas responsabilidades”, conta. Entendendo as dificuldades que as mulheres têm enfrentado, Kamilla começou a fazer divulgação de trabalhos femininos no perfil da sua loja no Instagram. Segundo ela, as interessas podem fazer contato pelo @intimalunar_.
Ônus
A economista Flávia observa que a busca pela informalidade tem sido uma saída para parte das mulheres que procuram conciliar as demandas domésticas. “Quando a mulher passa para a informalidade, ela deixa de ter uma série de garantias e direitos. E, em geral, as ocupações que ela vai assumir na informalidade geram rendimentos que não compensam a perda dos direitos que ela tem com a carteira de trabalho assinada. Então, o que a faz migrar é justamente a questão da flexibilidade de horário para poder cuidar dos afazeres domésticos, ao mesmo tempo que consegue manter uma renda. E não temos como deixar de perceber o ônus sobre a figura feminina, e isso pode aumentar muito a desigualdade quando a mulher se insere no mercado de trabalho, podendo até causar um viés de contratação.”
Independência financeira
Segundo a pesquisa “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, da organização Gênero e Número e da SempreViva Organização Feminista, realizada em abril e maio de 2020, 40% das mulheres entrevistadas afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco. A maior parte das entrevistadas que tiveram essa percepção são mulheres negras (55%), que, no momento em que responderam à pesquisa, tinham como dificuldade principal o pagamento de contas básicas ou do aluguel. Ainda conforme a organização, as mulheres são a maioria entre as pessoas que realizam tarefas não remuneradas e estão fora da força de trabalho (64%), o que significa que não trabalham nem buscam emprego.
As consequências desse cenário na avaliação da socióloga Célia Arribas, além de alto impacto na saúde mental, também podem deixá-las mais vulneráveis à violência doméstica. “As agressões aumentaram, e isso tem a ver com as mulheres estarem mais tempo dentro de casa, com a instabilidade econômica, com moradia insegura e também por uma série de outras faltas e falhas estatais no sentido de ter apoio social, econômico, creche, auxilio emergencial. Tudo isso faz com que a casa vire uma panela de pressão. Os problemas já existiam, mas parece que agora estão mais potencializados” analisa.
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“Todos sabemos que o empoderamento feminino passa pela independência financeira, especialmente numa sociedade machista como a nossa. Uma das violências mais eficazes contra a mulher é a violência patrimonial, quando de alguma forma ela é dependente materialmente para seu próprio sustento e dos filhos, e se sujeita a condições de submissão em função de necessidades materiais. A dependência financeira é perigosa, porque legitima de alguma forma o poder do outro sobre ela, diminui sua autoestima e sua capacidade de decisão, tornando-a ainda mais vulnerável a outros tipos de violência”, alerta a psicóloga Adriana Woichinevski Viscardi sobre as possíveis consequências psicossociais desse cenário.