Alagamentos causados pelas chuvas se agravam em Juiz de Fora
Inundações expõem fragilidades na captação de água pluvial na cidade, reacendendo discussões sobre ocupação do solo
Ao longo das últimas semanas, flagrantes de inundações em diversas regiões da cidade, resultado das fortes chuvas que têm atingido Juiz de Fora, vêm ilustrando a situação de fragilidade do sistema de captação de água pluvial no município. São registros de alagamentos em locais de grande fluxo de veículos e pedestres, como a Avenida Rio Branco, na região do Alto dos Passos, a Avenida dos Andradas, no Centro, e as ruas Padre Café e Antônio Passarela, próximo às esquinas com a Avenida Itamar Franco. Fora do eixo central, a situação tem se tornado cada vez mais comum também na Rua Ibitiguaia, no Bairro Santa Luzia, e em bairros como Vitorino Braga, Linhares, Democrata, Industrial e Nova Era, entre outros.
Apesar de alguns destes locais, tradicionalmente, serem atingidos pelas enxurradas nesta época do ano, dados da Defesa Civil revelados à Tribuna ilustram o aumento gradual do número de ocorrências relacionadas às chuvas nos últimos meses, além do maior número de registros de alagamentos feitos pelo órgão, ao menos, desde 2016.
Segundo a Defesa Civil, foram 922 chamados motivados pelos temporais desde outubro de 2020, com crescimento mês a mês: 117 ocorrências em outubro, 280 em novembro, 292 em dezembro e 292 em apenas 11 dias de janeiro. As ocorrências são diversas, e abrangem deslizamentos, quedas de barrancos, trincas em edificações e enxurradas, entre outros.
Os registros específicos relacionados às inundações também vêm aumentando: foram 36 registros deste tipo em 2020, mais que o dobro do contabilizado em 2019, quando 15 chamados foram contabilizados. O ano de 2020 também superou as 31 ocorrências de alagamento em 2016, que era o maior número nos últimos cinco anos. Os dados, no entanto, não refletem integralmente a realidade da cidade, que é ainda mais séria, uma vez que nem todos os casos dessa natureza são registrados pela população junto à Defesa Civil, permanecendo fora dos dados municipais.
Moradores cobram ações do Poder Público
A preocupação com os estragos causados pelas inundações também é agravada pelo aparente aumento de pontos de alagamento na cidade, expondo uma parte ainda maior da população ao temor causado pelos temporais. Conforme relatos da população à Tribuna, tem havido inundações em locais onde esse tipo de ocorrência não era observada há alguns anos.
Na tarde da última quarta-feira (6), a moradora do Bairro Alto dos Passos, na Zona Sul, Bruna Avelar foi surpreendida por uma situação que antes, segundo ela, era incomum. Uma enxurrada tomou conta da Rua Barão de São Marcelino, com um potente fluxo de água das chuvas, que colocou em risco quem transitava pela via naquele momento. O flagrante da moradora logo viralizou nas mídias sociais, ilustrando o problema estrutural de ineficiência da captação de água pluvial na cidade.
Residindo na Rua Barão de São Marcelino há quatro anos, Bruna conta que presenciou um alagamento parecido logo quando se mudou para o endereço atual. O problema, no entanto, não teria voltado a acontecer até dezembro de 2020, quando as enxurradas passaram a ser esperadas pelos moradores da região. “Com essas chuvas de final e início de ano, está alagando tudo aqui”, lamenta. “E parece que vai ser bem frequente”, complementa a moradora.
Antes, as inundações atingiam localidades mais específicas de Juiz de Fora. Bairros como o Mariano Procópio, na Zona Nordeste, e o Industrial, na Zona Norte, historicamente, convivem com alagamentos. Nesses locais, o problema é agravado ano a ano. É o que acontece também no Bairro Democrata, região Nordeste, que tem sido muito atingido pelos estragos causados pela nova temporada de chuvas. “Antigamente só entrava água no chão de casa, porque o córrego enchia quando precisava soltar água da represa”, conta Jacileia Frizeiro, moradora da Rua Benjamin Guimarães há 47 anos e que sofreu com as chuvas do último fim de semana. “Veio o progresso, muitos bairros novos na região, e nunca foi mexido na estrutura do córrego que temos aqui. Ninguém fez nada”, relata.
O Bairro Nova Era, também na região Norte, é outro que carece de um sistema eficiente de drenagem. “É um grande problema há muito tempo, por negligência do Poder Público”, denuncia um leitor, que prefere não ser identificado. “Quando vem a chuva, as tampas (de bocas de lobo), que estão quebradas, não dão vazão”, conta. O denunciante, que mora no bairro há 25 anos, chegou a flagrar bocas de lobo danificadas e obstruídas entre as ruas General Almerindo da Silva Gomes e Doutor Dias da Cruz. “Essa situação está causando um transtorno, porque não fazem capina, o mato está muito alto, e essa parte do bairro recebe a água de toda a parte alta quando chove”, lamenta.
Crescimento descontrolado é a raiz do problema, aponta pesquisador
O problema crônico é decorrente do modo como ocorreu a urbanização de Juiz de Fora. Essa é a constatação do geógrafo e pesquisador Carlos Magno Adães de Araújo. Em 2014, ele analisou, em sua dissertação de mestrado, a falta de áreas verdes no município, assunto que, passados sete anos, continua refletido nos graves casos de desabamentos e deslizamentos de encostas noticiados recentemente. “A urbanização pressupõe que há equipamentos urbanos de infraestrutura, o que não foi o caso. A cidade foi crescendo sem que houvesse urbanização”, avalia Araújo.
O crescimento descontrolado do município é a raiz do problema, aponta o pesquisador, e tem como consequência diversos sintomas. Entre eles, a falta de eficiência da rede de captação de água pluvial, também prejudicada pela substituição de áreas verdes por habitações e o descarte incorreto de lixo pela população. “Na medida em que a cidade foi crescendo, as encostas foram ocupadas. A vegetação foi removida, e isso promove os escorregamentos”, afirma Carlos Magno, que também critica a baixa existência de parques na cidade, que são três (Halfeld, Mariano Procópio e Lajinha) para uma população de 568.873 pessoas, conforme o censo publicado há dois anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
‘Quem paga o preço é a população de baixa renda’
Para Araújo, por Juiz de Fora ser uma cidade polo da Zona da Mata de Minas Gerais, a tendência é que o crescimento do município siga acontecendo, de modo que os problemas estruturais se agravem. “Com mais gente em menos espaço, se não houver estrutura, nós vamos ter mais problemas”, resume. As discussões a respeito do tema, no entanto, não ocorrem na proporção em que deveriam ocorrer, na visão do pesquisador. “É uma questão que deveria ser muito mais debatida, mas nós não temos fóruns para discutir as questões ambientais no nível em que elas deveriam ser discutidas. Estamos muito aquém do mínimo desejado”, aponta.
Sem discutir ações voltadas para a interrupção do ciclo de desastres, ele diz ainda que os problemas vão piorar ano a ano, prejudicando, principalmente, a população de baixa renda. “A casa que desliza na encosta não é a mansão do condomínio fechado, é o barraco do pobre assalariado. Quem mora na beira do rio que transborda é a população pobre. A população mais vulnerável ocupa as áreas de risco e paga o preço por essa falta de estrutura”, analisa o acadêmico.
Debates devem retornar à Câmara
Importante marco regulatório da ocupação territorial em Juiz de Fora, a norma 06910/1986, conhecida como Lei de Uso e Ocupação do Solo, define os regramentos para a construção de imóveis no município. Entre as regras está o índice mínimo de permeabilização do solo, que é definido em 10% pela atual legislatura. Apesar disso, na visão do pesquisador Carlos Magno Adães de Araújo, a lei, bem como o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – criado no ano de 2000 – já não atende as necessidades da cidade, que carece também de mecanismos de fiscalização.
Em 2015, um projeto de lei do vereador José Márcio Lopes Guedes (Zé Márcio Garotinho, PV), buscava mudar a regulamentação. A proposição tentou ampliar o índice mínimo de permeabilização do solo para 20%, permitindo a construção em no máximo 80% do terreno em área urbana. Já em lotes próximos das represas, a área de uso para o empreendimento passaria a ser de 65%, deixando 35% do solo livre para absorver águas pluviais. Hoje, áreas próximas a represas são denominadas “áreas especiais”, com normas próprias.
Posteriormente, o projeto foi deixado de lado com vistas à aprovação da lei do Estudo de Impacto de Vizinhança (Lei Complementar 110/2020), sancionada em março do último ano. O regramento obriga a análise de efeitos de construções de grandes empreendimentos nas regiões em que eles são levantados, incluindo o impacto ao sistema de drenagem. “Ele é mais atual e mais atuante do que a lei de redução da impermeabilização”, avalia Zé Márcio, que também é presidente da Comissão de Urbanismo, Transporte, Trânsito, Meio Ambiente e Acessibilidade da Câmara Municipal.
O parlamentar, no entanto, ainda destaca que as discussões sobre a Lei de Uso e Ocupação do Solo devem retornar à Casa, assim como iniciativas que tenham efeito imediato contra os problemas estruturais do município. A partir de fevereiro, a comissão presidida pelo parlamentar planeja reunir especialistas para propor ações que mitiguem os danos das chuvas. “É fundamental a gente perceber que, com a falta de investimento público ao longo dos anos e o alto investimento do setor privado, somados, a gente chegou à situação que nós temos hoje”, afirma.
PJF diz que vai solucionar problemas em regiões mais afetadas
Recém-empossado, o secretário de Obras, José Walter de Andrade, admitiu a necessidade de revisão na Lei de Uso e Ocupação do Solo. Segundo ele, o recente crescimento horizontal do município exige um planejamento urbano diferente. “Como consequência desse fenômeno, as partes mais baixas (da cidade) acabam recebendo um volume maior de águas pluviais, causando os alagamentos. Logo, trata-se de uma legislação que deveria ser atualizada”, analisa.
Nas primeiras semanas de governo, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) se ocupou com medidas para reduzir os impactos das chuvas, de acordo com o secretário. “Seguimos atuando de forma integrada com as equipes do Demlurb, Empav e Defesa Civil, providenciando a limpeza das vias, o recapeamento asfáltico dos trechos danificados, orientações sobre locais de risco e ações de assistência social para o cidadão afetado”, relata.
O Executivo também prevê a elaboração de projetos para solucionar problemas em regiões mais afetadas, além de realizar obras de maior porte nos bairros Mariano Procópio e Democrata e na BR-440. “Porém, por serem obras de maior porte, será preciso aguardar a chegada do período de estiagem”, afirma Walter.
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