Almas admite dificuldades na PJF e fala em ‘dever cumprido’
Prefeito se despede nesta sexta-feira, após ter comandado a cidade por dois anos e oito meses; período foi marcado por desafios como a greve dos caminhoneiros, a crise fiscal e a pandemia
A equipe da Tribuna visitou o gabinete do prefeito no fim da tarde da última terça-feira (29). Na ocasião, o tom de Antônio Almas (PSDB) já era de despedida. Seu mandato se encerra nesta sexta-feira (1º de janeiro), quando chega ao fim o duro ano de 2020. “Este momento é um turbilhão de emoções, mas emoções boas”, disse, antes de conceder uma entrevista em que, aparentemente sem papas na língua, revisitou os dois anos e oito meses em que esteve à frente da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), após a renúncia do ex-prefeito Bruno Siqueira (MDB), em abril de 2018. Em 2016, Almas havia sido eleito vice-prefeito em composição encabeçada por Bruno, que se reelegeu para um segundo mandato.
Com uma franqueza nem sempre vista no meio político, Antônio Almas conversou com a reportagem por pouco mais de uma hora. Falou sobre os desafios que enfrentou à frente de sua Administração, o que acredita ser o seu legado. Tratou também de medos, angústias, frustrações e de pequenos prazeres. “Tenho a vaidade de ter sido prefeito da cidade. Mas o amor por Juiz de Fora não é por conta dessa vaidade. Ele sempre existiu”, reconhece Almas.
Ao deixar a Prefeitura com a bagagem de quem teve pela frente pontos de tensão como a greve dos caminhoneiros de 2018, uma crise financeira que se estendeu pelos últimos anos e a pandemia de Covid-19, Almas afirma que não sabia do projeto pessoal que resultou na renúncia de Bruno. Ele admite, ainda, dificuldade na gestão de pessoas, e também disse que, ciente de todos os desafios que teve que enfrentar, não se arrepende da decisão de não tentar a reeleição no pleito de outubro, como pode ser visto nos destaques abaixo.
Balanço
“É uma experiência que só tem quem a vive. Nenhum de nós, quando não experimentamos a função de prefeito, temos exatamente a dimensão da responsabilidade da caneta e, com isso, de ações e políticas públicas que, de certa forma, atingem uma população de 600 mil habitantes. Isso é uma grande responsabilidade. Tentar agradar a todos é irreal. Mas ter a convicção, ao final do mandato, de que você fez o melhor que podia fazer, considerando todas as limitações, incluindo as próprias, dá tranquilidade.”
Legado
“A administração, como um todo, tem alguns legados. Mas pessoalmente, penso que trouxe o legado de buscar as soluções para os problemas sem preocupação com um futuro eleitoral. Nunca fiz nenhuma ação ou deixei de fazer qualquer coisa pensando em uma disputa eleitoral. Todas as ações foram voltadas para construir formas de transformar a vida das pessoas. Não tive dificuldades para discutir a Empav e a Amac. Não tive dificuldades de colocar o dedo na ferida da Previdência municipal. Não tive dificuldades de buscar fazer um processo de dissolução da Emcasa, mesmo que não tenha chegado até o final.”
Mágoas políticas
“Dizer que vou levar inimigos seria um contrassenso de algo que experimentei intensamente nos últimos meses, que foi o aprimoramento da minha intimidade religiosa. Em uma busca incessante de uma religiosidade cada vez mais fortalecida, dizer que tenho inimigos é contrapor tudo aquilo que defendo como cristão. Não cabe. Receber críticas é possível. O que não dá é leviandade, como quando se acusa sem ter provas. Isso foi algo que me chateou muito. Me acusar de incompetência ou por não dar respostas, principalmente na zeladoria, é aceitável. Agora, quando são indicadas situações que não são verdadeiras, isso é difícil.”
O que não conseguiu fazer
“Queria ter aprofundado mais as relações de proximidade com a população. A gente estava planejando um 2020 neste sentido, por exemplo, com o Bem Comum Bairros. O que não permitiu avançar mais foi o fato de não termos recursos para dar respostas imediatas àquelas demandas da população. Queria ter avançado em duas discussões. Primeiro, aproximar a figura do gestor da população e, depois, principalmente nas regiões mais vulneráveis, mostrar que o Poder Público estava se fazendo presente. Infelizmente, com a dificuldade de recursos que enfrentamos, isso não foi possível.”
Arrependimento
“A minha grande dificuldade foi sempre a gestão de pessoas. Sempre disse que tinha muita dificuldade de realocar nomes e pessoas. Isso foi motivo de críticas. Sempre tive dificuldade nessa questão de ter gestão sobre pessoas. Sempre olhava o histórico daquela pessoa e sua trajetória. Isso não é o melhor caminho para um gestor. Até porque o tempo é curto.”
Seria candidato em 2016 novamente?
Digo que valeu a pena. É uma experiência única. Mas entendendo o processo político, da forma como leio hoje e tendo a mesma configuração e a mesma estrutura pessoal de hoje, talvez não seria candidato. Vejo que tenho dificuldades para algumas coisas do processo como ele se dá, isso por conta da minha visão de mundo e da forma como vejo a sociedade. O processo do poder é um processo muito grave. Não estou dizendo que as relações não são republicanas. Mas uma pessoa que diz ter dificuldades na gestão de pessoas não consegue ver como natural um processo político em que, por necessidade de ter maioria em uma Câmara, abre-se mão de uma pessoa que lhe passa confiança para colocar uma outra que sequer conhece.”
Renúncia de Bruno
Eu nunca soube. Isso é difícil para as pessoas acreditarem. As pessoas que me assessoravam traziam algumas informações e eu dizia ‘não é isso, vamos deixar as coisas desenrolarem’. No final de 2017, essas conversas começaram a ganhar corpo na sociedade. Eu trabalhava com a indefinição. ‘Será que ele vai sair?’. A certeza, a formalidade… Isso foi nos últimos dias.”
Sobre a decisão de não buscar a reeleição
“A minha família e meus amigos mais próximos não mereciam. O sofrimento não era só meu. Era de todos eles. Essa eleição municipal, em todo o país, trouxe uma carga de discussão irresponsável, não pelos candidatos, mas nas redes sociais. Uma coisa raivosa, que o Brasil vem enfrentando, principalmente, da eleição de 2018 para cá. Isso me fez muito mal.”
Histórico familiar
“Quando alguém em uma rede social me acusou de estar rompendo com minha história de vida e esquecendo que meu pai colocou a barriga por muito tempo para me fazer médico, isso me fez muito mal. Se foi orquestrado ou não, isso ficou presente e foi muito pesado. Uma coisa que não tenho vergonha e não me esqueço é da minha história, da dedicação e do trabalho duro dos meus pais para garantir a mim e ao meu irmão que tivéssemos outras oportunidades na vida.”
Desafios para Margarida
“A Covid-19 ainda será um grande desafio, apesar da possibilidade da vacina. Temos também a questão da Previdência e o quanto ela ainda vai impactar no orçamento da Prefeitura. A necessidade de aporte de recursos para bancar as aposentadorias neste período será outro grande desafio. E isto impõe uma discussão muito difícil na questão da própria estruturação do plano de cargos e salários da Prefeitura. Com relação a isso, através de um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas, procuramos um caminho para a solução dos problemas. Dentro de duas propostas técnicas colocadas, fizemos uma opção por um modo de amortizar este processo à frente. A gente precisava fazer essa escolha. Dentro disso, precisávamos garantir a existência de uma autarquia para conduzir a gestão destes recursos.”
Peso da pandemia
“Não foi um ano normal. Todas aquelas ações da gestão foram comprometidas. Tivemos que levar todos os recursos ao enfrentamento da Covid-19, que fez que não pudéssemos fazer muitas ações. Inclusive aquelas que gostaria de fazer, que era de buscar estar junto das pessoas.”
Pensou em desistir em algum momento?
“Quando encaramos um problema da forma como estava colocado, com tanta incerteza, é lógico que isso passa pela cabeça. Muitos prefeitos, no início da pandemia, renunciaram ao cargo, por estarem se sentindo massacrados. Tem hora em que pensamos em chutar tudo. Mas vem aquele pensamento: não posso fazer isso com a cidade, não posso ser irresponsável. Por mais que recebesse acusações indevidas como estava ocorrendo. Se fizesse isso, não estaria hoje com o mesmo sentimento de dever cumprido.”
Imagem que fica
“A imagem que fica do prefeito hoje não é boa. Ainda é a imagem do prefeito que não conseguiu dar todas as respostas que a população gostaria, principalmente no que diz respeito à zeladoria. Só que, objetivamente, ao longo do tempo, as pessoas vão perceber que muitas ações que fizemos vão permitir que a próxima prefeita possa fazer ações concretas. As pessoas criticavam dizendo que era um empréstimo eleitoreiro. Mas se trata de algo que todos querem respostas. Assim, construímos uma operação de crédito para buscar um empréstimo de R$ 90 milhões para a cidade, desdobrado em dois contratos. Um de R$ 60 milhões para pavimentação. Desde o início, já dizia que recursos ficariam para o próximo governo ter um pouco de paz para executar estas obras. Estamos deixando R$ 35 milhões para a próxima Administração executar e trabalhar com a Empav em ações de recuperação da malha viária. Ainda estamos deixando R$ 30 milhões, que é outra parte do contrato, para investimento e viabilização da Empav, após as correções e enxugamentos que fizemos.”
Futuro
Tenho pensado mais no ponto de vista pessoal e profissional. Preciso retomar minha atuação como médico. Sinto falta e tenho que buscar estes caminhos. Por uma questão de lealdade, preciso ficar longe do processo. O povo escolheu a deputada Margarida Salomão para ser prefeita de Juiz de Fora. Não é legítimo que eu fique dando pitaco. Qualquer coisa que me for demandado, estou disposto a ajudar. Quero que a cidade dê certo. Precisamos que a cidade dê certo. Não estou pensando em nada do ponto de vista político.”