Pandemia leva para a internet slam com estudantes de Juiz de Fora e Minas
Slam em tempos pandêmicos: como foram as duas edições virtuais do evento que reuniu estudantes de JF e Minas Gerais para celebrar a poesia falada
Ainda que o olho no olho fosse mediado por uma tela e a energia do coletivo substituída pela individualidade de um quarto ou uma sala, a palavra se manteve protagonista nas edições virtuais de duas importantes etapas do Slam Interescolar organizado pela Confraria dos Poetas em Juiz de Fora. “Sempre fico muito ansiosa para me apresentar. Na primeira vez que fui ao slam, quase não consegui, mas a energia de lá me motivou”, recorda-se a jovem Sophia Bispo. “Em casa, minha mãe me incentivou, minhas amigas também. Antes fiquei com receio e quando comecei fui me soltando”, conta a jovem de 15 anos, que venceu o III Slam Interescolar de JF na última sexta, 27, representando o Ensino Médio.
Aluna da Escola Normal, Sophia aos poucos, se acostuma com a transposição da vida presencial para o formato virtual. A maioria das atividades escolares são enviadas virtualmente pelos professores. Apenas a disciplina de história tem encontros regulares, mas só por videochamada. Foi na escola, inclusive, que ela conheceu o slam e se interessou por escrever e falar poesia. Tanto na anterior, a Escola Municipal Carolina de Assis, no Bairro Floresta, próximo do Barão do Retiro onde mora, quanto na atual instituição localizada no Centro. Estudante do 1º ano do Ensino Médio, ela conta ter começado a escrever no ano passado.
A leitura também foi um caminho para Sophia. A mãe, a empregada doméstica Daise Aparecida, e o pai, o estoquista André Bispo, sempre compraram livros, geralmente literatura fantástica, para a filha. A professora de português estimulava, e a de história ofertou-lhe um marcante “O diário de Anne Frank”. De leitora, Sophia passou a autora. “Escrevo mais sobre o que estou sentindo, situações que passo, cansaços emocionais, tristeza e ansiedade”, diz ela, que se classificou para o III Slam Interescolar MG, ocorrido no sábado, 28, cujo vencedor foi o Poeta King, da Escola Estadual Delfim Moreira. Na categoria Ensino Fundamental, Thiago Plebeu, aluno do Centro de Educação do Menor (Cem), venceu os dois Slam Interescolar, o JF e o MG.
“A tendência é quem ganha o municipal não ganhar o estadual”, conta o Slam Master Éric Meireles, citando outros dois poetas que viveram isso em edições passadas. “Quem rompeu com isso foi o Thiago Plebeu, no Fundamental”, aponta ele, uma espécie de apresentador do evento e presidente da organizadora Confraria dos Poeta. Este ano, por conta da pandemia, o evento precisou ser transferido para o ambiente virtual, não apenas as apresentações, mas toda a movimentação anterior feita para mobilizar os estudantes. “Juiz de Fora tinha uma potência a mobilizar muito mais se ainda tivéssemos as presenciais. Já tínhamos uma atuação muito grande, com a pandemia tudo virou virtual e com essa dispersão das escolas perdemos muita gente”, avalia Meireles.
Poesia questionadora
Nos bastidores das duas edições do Slam Interescolar, Éric Meireles deparou-se com escolas desmobilizadas e também com uma grande quantidade de estudantes sem aparelhos celulares e conexão com a internet. Ainda que o Brasil contabilize 424 milhões de dispositivos em uso, segundo a 31ª Pesquisa Anual do FGVcia, a distribuição não é uniforme na população. O volume equivale a mais de um aparelho por habitante, mas outra pesquisa, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) 2018, divulgada em abril passado, revela que um quarto dos brasileiros não possui acesso à internet, e em áreas rurais o percentual ultrapassa a metade da população.
A mesma sociedade desigual que inclui uns e exclui outros foi um dos temas escolhidos pelos jovens slamers nos eventos virtuais de sexta e sábado. Segundo Meireles, não faltaram as denúncias sobre machismo, LGBTfobia e racismo, temáticas já muito presentes nos slams. “Este ano houve questões mais existenciais: a crise de viver dentro de casa durante a pandemia, principalmente. Teve poesia sobre amor, violência e existência. Para o adolescente, ficou mais complexo entender esse mundo e onde ele está. Teve mais espaço para essa poesia questionadora”, observa o Slam Master.
Tópicos: coronavírus