Dificuldade para conter epidemia aumenta na onda branca, aponta pesquisador
Progressão de JF no Minas Consciente, somada à queda no isolamento social, pode agravar cenário
Desde o último sábado (18), Juiz de Fora progrediu para a onda branca do Minas Consciente, segundo estágio previsto pelo programa de retomada econômica do Governo de Minas Gerais. A mudança, acompanhada por recorde negativo no índice de isolamento social, abre a possibilidade de um agravamento do cenário da pandemia de coronavírus no município. Quem faz o alerta é Rodrigo Weber, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e um dos integrantes do grupo de pesquisadores que elabora projeções, com o uso da modelagem computacional, da curva de contaminação na cidade.
Dados divulgados pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) sobre a taxa de isolamento social no painel gerencial com dados sobre a Covid-19 apontavam, na manhã desta segunda-feira (20), para índice de 48,98% de distanciamento entre o último dia 13 e o último sábado – excluindo domingo, dia em que o nível de isolamento sobe naturalmente. O número é o menor desde a terceira semana de abril, quando os dados passaram a ser coletados pela Administração municipal. A critério de comparação, na primeira semana de medição, entre os dias 13 e 18 de abril, a PJF apontou para 56,12%, taxa 7,14% superior à verificada na última semana.
Análise da Tribuna mostra que, concomitantemente à entrada do município na nova onda, permitindo a reabertura de estabelecimentos comerciais que estavam fechados na onda verde, como autoescolas, floriculturas e lojas de artigos esportivos, entre outras, é verificada a queda no distanciamento. Para o professor Rodrigo Weber, a situação é preocupante, visto que a retomada se deu em razão do cenário socioeconômico resultante da pandemia, ao mesmo tempo em que, a nível local e estadual, há marcas negativas sobre o aumento do número de casos e de mortes decorrentes da Covid-19. “O nosso cenário socioeconômico não é bom. Há muita pressão para a reabertura do comércio, fazendo essa volta (acontecer) muito cedo”, analisa o pesquisador.
Na última semana, reportagem da Tribuna revelou que a cidade tem mais de 400 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) sem causa definida, além de 160 casos da síndrome associados à Covid-19. Já na última quinta-feira (16), o boletim epidemiológico da PJF registrou o 90º óbito confirmado em decorrência da Covid-19, além de recorde de novas infecções no prazo de 24 horas, com 215 casos confirmados. Também na última semana estava prevista a ocorrência do pico de contágio no estado de Minas Gerais.
Conforme Rodrigo, considerando todos esses fatores, a retomada pode ser perigosa. “O isolamento é a nossa vacina, tanto para a saúde quanto para a economia. Essa flexibilização em meio ao pico da pandemia não é o recomendado. Deve haver flexibilização quando o número de infectados estiver caindo”, argumenta Weber. “Temos que tirar a ilusão de que está tudo bem, de flexibilizar e as pessoas saírem cada vez mais para as ruas. Já temos 80% de ocupação de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), mas, flexibilizando, a gente pode vir a quebrar o sistema de saúde”, alerta o professor.
Estudo prevê que JF terá cinco mil casos até próxima semana
Conforme nota técnica publicada pelo Programa de Pós-Graduação em Modelagem Computacional (PGMC) da UFJF no último sábado, foi verificado um crescimento exponencial de números de casos do coronavírus desde o início da flexibilização das medidas de distanciamento social. Os pesquisadores acompanham a evolução dos dados da pandemia e, por meio dos modelos, conseguem projetar cenários para períodos curtos, de cerca de 15 dias. Segundo o estudo, se as medidas de enfrentamento adotadas em Juiz de Fora continuarem da mesma forma, o município poderá ter mais de cinco mil casos até o dia 28 de julho, em um cenário pessimista.
De acordo com a nota, a dinâmica da pandemia em Juiz de Fora precisa ser dividida em duas fases: antes do início de junho, quando a taxa de distanciamento social era maior, e a outra depois do início de junho, quando começaram as flexibilizações da medida no distanciamento social. No modelo, os resultados da cidade mostram grande diferença entre as duas fases no parâmetro que modela o isolamento. Com isso, na segunda fase, a taxa de transmissão sofreu um aumento de 65%.
“Se a gente conseguisse ficar com o isolamento que a gente tinha até o fim de maio, estaríamos em outra situação, já estabilizados. Talvez o pico de casos na cidade já tivesse até passado. Mas, infelizmente, houve a flexibilização e estamos com outro cenário, com casos tanto de infecção, quanto de óbitos crescentes”, destaca o professor e pesquisador da UFJF, Rodrigo Weber. Sem ter feito a flexibilização, no entanto, o município poderia fechar o mês de julho com menos de dois mil casos, com a pandemia controlada, cenário considerado otimista.
Há, ainda, um terceiro caminho. Considerando que o percentual de isolamento saísse da atual faixa dos 50% e subisse para o patamar entre 75% e 90%, que seria o ideal, o número de novas infecções poderia ficar em quatro mil até 28 de julho. “Não se trata de nenhuma novidade. Vemos isso acontecer no mundo todo. Como não temos vacina, as políticas de mitigação, que são o isolamento social, o uso de máscaras, a higiene das mãos, o uso do álcool em gel e os novos protocolos são o que temos. Não tem outra forma de fazer o combate. O que vai acontecer está claro”, alerta Rodrigo.
Maior isolamento
Desde a primeira nota técnica lançada pelo grupo de pesquisadores, havia a indicação de a pandemia é muito sensível ao fator de isolamento social. As projeções curtas, em períodos de 15 dias, são adotadas porque há medidas, como flexibilização ou o lockdown, que não podem ser previstos pelo modelo com muita antecedência. Com essa base, segundo o professor, é possível afirmar que se o isolamento voltasse a atingir a faixa dos 75%, seria possível fazer um combate mais efetivo.
“O pico é resultado de uma ação da sociedade. Países como Alemanha, Austrália e Coreia do Sul fizeram a política de distanciamento maior que 75% e em dois meses resolveram a situação. Agora estão conseguindo ter uma reabertura maior, sempre controlada”, salienta o professor. Ele reiterou que quanto menor o isolamento, maior é o número de infectados e de óbitos. “Essa é a única opção que temos, tanto para salvar as vidas, quanto para acelerar a reabertura da economia”.
Pesquisa não constata pico da pandemia
Ao longo das últimas semanas, a Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG) alertou sobre o pico da pandemia, previsto para a última semana, que seria sucedido por um platô, com a manutenção de um alto índice de contaminações. O professor Rodrigo Weber, no entanto, afirmou não ter sido possível visualizar o ponto máximo da pandemia pelos dados que os pesquisadores tiveram acesso ao elaborar a nota técnica. “A gente fez a modelagem de Minas e não encontramos esse pico no estado. O pico existe quando começa a ter menos casos e óbitos, mas não é o caso. Nós continuamos batendo recordes de novos casos, tanto em Minas quanto em Juiz de Fora”, afirma.
As projeções ainda são agravadas com as medidas de retomada do comércio coordenadas pela SES, adotadas regionalmente. “Flexibilizando ainda mais, nós vamos aumentar o número de infectados e óbitos, colocando mais para frente o pico da pandemia. Economicamente, isso é péssimo”, analisa Weber, que ainda levanta a possibilidade de mudança de prognóstico. “A gente chama de projeção porque nós temos o controle sobre o que acontece. Teoricamente, o prefeito pode decretar uma quarentena mais forte ou flexibilizar mais ainda. Dependendo de como a sociedade se comportar, a gente vai seguir um cenário pessimista ou otimista”.
Tópicos: coronavírus