Sociedade empresária: contrato ou instituição?
No dia 30 de abril de 2019, foi publicada no Diário Oficial da União a Medida Provisória (MP) 881 que instituiu a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”. Seguindo a previsão constitucional, a MP 881/2109 foi debatida pelo Congresso Nacional e convertida em lei com a publicação da Lei nº 13.974/2019. Muitas são as situações jurídicas a serem debatidas com a realização da dita MP como, por exemplo, a análise da sua constitucionalidade, já que há juristas entendendo que não havia a urgência e relevância para sua utilização. Muitas alterações legislativas realizadas estão sendo alvo de duras críticas da doutrina jurídica. Porém, iremos abordar aqui uma mudança importante que a lei implementou na seara do Direito Empresarial: a criação da sociedade limitada unipessoal.
Desde abril deste ano que o art. 1.052 do Código Civil passou a contar com um parágrafo único que dispunha: “A sociedade limitada pode ser constituída por uma ou mais pessoas, hipótese em que se aplicarão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.” A partir de setembro de 2019, com a aprovação da Lei nº 12.874, o mesmo artigo passou a ter dois parágrafos, e o §1º passou a ter a seguinte redação: “A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas.” Ainda que se critique a forma como tal mudança foi realizada (através de MP), há muito se demandava por essa modernização nas relações societárias no Brasil.
Sabe-se que há uma tradição do conceito de sociedade estar relacionado à existência de acordo de vontades entre duas ou mais pessoas, porém, há muito que, seguindo um pensamento do direito francês, muitos países já viam a sociedade como instituição, independentemente do número de pessoas que a formam. Em 2011, o Brasil perdeu a oportunidade de se juntar aos ordenamentos jurídicos modernos quando optou por criar uma nova forma de pessoa jurídica, na qual se pudesse ter apenas um criador, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada _ EIRELI. Porém, quando se acresceu o art. 980-A ao Código Civil, exigiu-se a existência de um investimento de, ao menos, 100 salários mínimos para a utilização dessa espécie de pessoa jurídica. Isso fez com que, nas situações em que o investimento fosse inferior a este valor, seria necessário que a atividade empresária fosse realizada por pessoa física.
Em última análise, tínhamos uma situação um tanto quanto anti-isonômica. Caso uma pessoa quisesse investir sozinha menos que 100 salários mínimos, teria que fazê-lo sendo pessoa física, não podendo se valer da pessoa jurídica que permite a separação de direito e obrigações e, consequentemente, a limitação dos riscos empresariais. Se houvesse duas ou mais pessoas se juntando para realizar o mesmo investimento, com a mesma estrutura organizacional, seria possível a criação de pessoa jurídica. Há muito que essa distinção não fazia muito sentido.
Desta feita, apesar de a Lei da Liberdade Econômica ter realizado mudanças legislativas que são bastante criticáveis, a criação da sociedade unipessoal foi um ponto acertado e atende a antigos anseios da comunidade jurídica do Direito Empresarial, afinal, a sociedade deve ser vista como instituição e não como contrato.