Mulheres de luta: ‘Precisamos ser autoras das nossas histórias’
A escritora Amanda Machado dá seu depoimento na continuação da série que discute a condição da mulher
Oito anos depois de criar o blog Pareço Louca, a escritora Amanda Machado, 37 anos, se preparou para o lançamento, em pleno Dia Internacional da Mulher, de mais uma coletânea que carrega seu texto. “As Coisas que as Mulheres Escrevem”, produzido pela editora Desdêmona, veio um ano depois de a turismóloga e pedagoga integrar um E-book da editora cearense Aliás: “As Cidades e os Desejos”. Mas a possibilidade de ver suas palavras voarem da tela para o papel aconteceu bem antes, em 2016. “Centopeia de mil pés errados”, da Confraria do Vento, reúne 46 textos de seu blog. O segundo livro surgiu em 2018 de uma chamada aberta para trabalhos de autoras mulheres dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, realizada pela editora Quintal. Em “Os pratos que eu lavo ele não vê”, Amanda dá voz aos silêncios das mais diversas personagens femininas.
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“Já nasci em um ambiente que me ofereceu livros e me estimulou a me tornar, desde cedo, uma boa leitora”, afirma Amanda. Criada na Zona Norte de Juiz de Fora pelos pais que vieram da Zona Rural, a escritora cursou escolas e faculdades públicas, concluiu uma especialização na área de Comunicação e, atualmente, cursa outra sobre Gênero e Sexualidades na UFJF. Ao mesmo tempo, ela leciona para turmas do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII.
“No começo eu não tinha a noção de que o meu gênero influenciava a minha escrita, algo que é muito claro para mim hoje. Escrever a partir da minha perspectiva é uma possibilidade de encontro com outras mulheres, é, de alguma maneira, libertá-las dos padrões em que elas não caibam ou não queiram para si. Quando uma mulher assume a sua escrita, assume também o compromisso de ecoar vozes femininas diversas. Não dizemos o que uma mulher é ou tem que ser, dizemos sobre as muitas possibilidades do que nós podemos ser”, avalia Amanda, acreditando ser essa é uma forma de resistência e revolução. “Precisamos ser autoras das nossas histórias; precisamos contar o que não sabem sobre nós.”
“Ele olha e é terno. É mesmo confortável ser olhada com gentileza e desejo. Mas, então, a voz interna interroga.
– Até onde alcança esse olhar?
Porque ela lava pratos e ele desconhece, nada com peixes e ele nunca viu, joga búzios e lê cartas às vezes, mas ele ignora. Quantas partes desapercebidas dela terão escapado aos olhos desse homem? E quantas ela gostaria que ele enxergasse?
Às vezes queria que ele não visse nada, não escolhesse este ou aquele ângulo. Talvez, se fosse guiado só pela voz dela, os instantes negados chegariam. Mas, por mais que ela ofereça os pratos, os peixes, os búzios e as cartas, ele não vê, não pode, não consegue, não quer. E ela se sente mais ou menos consolada pelos olhos gentis e cheios de desejo, espera um futuro em que ele veja as suas outras partes. Não virá, não terá. Não em tempo. Se vier, já será tarde e a encontrará em sono profundo. (…)
(Trecho do livro “Os Pratos que eu lavo ele não vê”, 2018, (p. 83-87)