Grupo de ciclistas madruga para pedalar em Juiz de Fora

Liderada pelo PM Edgar Ramos, grupo sai entre 4h e 5h da manhã em busca de pedais curtos, qualidade de vida e sempre vê o sol nascer em um lugar diferente da cidade


Por Fabiane Almeida, estagiária sob supervisão da editora Carla da Hora

18/11/2018 às 07h00

saida para o galo
Com seu bom humor característico, Edgar (em primeiro plano), acorda antes das galinhas para os pedais que marca no Galo da Madrugada (Foto: Arquivo pessoal)

Enquanto a maioria das pessoas ainda está dormindo, um grupo de ciclistas de Juiz de Fora já está com suas magrelas por trilhas e estradas de terra da cidade para ver o sol nascer cada dia em um lugar diferente. É essa a ideia do Galo da Madrugada, que há cerca de dois anos reúne atletas amadores de perfis variados que encontraram nas primeiras horas do dia uma oportunidade para conciliar a prática do esporte com rotina de trabalho, casa e família.

A iniciativa partiu de Edgar Ramos, 41 anos, que pedala desde a adolescência, mas precisou deixar os pedais de lado por conta da rotina intensa como policial militar. Há cerca de quatro anos, Edgar precisou voltar a se exercitar por motivo de saúde, mas as quatro paredes da academia estavam fora de questão. Com o pedal ao ar livre, Edgar se sentiu mais disposto e afirma já ter perdido cerca de dez quilos. O horário alternativo, porém, veio a convite de um amigo e, apesar do desafio de acordar cedo, a madrugada se provou um momento ideal para a prática do esporte. “Um amigo meu me chamou para pedalar às 5 da manhã, dizendo que era para vermos o nascer do sol. Fui um dia com ele, fizemos o pedal e gostei. Achei ideal por causa do serviço, é um horário em que todos em casa ainda estão dormindo”, comenta.

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(Foto: Arquivo pessoal)

Um tempo depois, o próprio amigo abandonou o horário, mas Edgar não desanimou. O ciclista passou a se programar para pedalar sozinho e anunciava em um grupo do WhatsApp a hora e o ponto de encontro para aqueles que quisessem aderir ao pedal. No início, não foi fácil convencer os colegas: “Eu era chamado de maluco, diziam ‘isso não é hora, vai dormir’. Essas eram as mensagens que eu recebia”, relembra. Hoje, Edgar pedala pelo menos duas vezes por semana e conta que já chegou a reunir cerca de 45 ciclistas em dias de calor: “No frio o pessoal desanima um pouco e aparecem sete ou dez, mas no calor já tirei 45 pessoas de casa para pedalar às quatro horas da manhã”, conta.

Em geral, os trajetos do Galo precisam ser mais curtos, adaptados à agenda de trabalho dos participantes, com cerca de duas horas de percurso. Mas sempre que possível, o grupo marca pedais mais longos, tanto para manter a dinamicidade, como o condicionamento físico dos atletas. “Particularmente eu gosto de trilha, mas também faço trajetos retos ou asfalto, que é menos irregular. Nos pedais curtos vamos a Matias, são cerca de 42km. Tomamos um café lá e voltamos por volta de 7h30 sem atrasar para o serviço. Na Zona Norte também vamos para a Represa, Igrejinha, Humaitá, Chácara, trajetos curtos e rápidos”, explica.

Para acordar, vários relógios pela casa

galera reunida alto do morro
(Foto: Arquivo pessoal)

“Eu realmente detesto acordar cedo”, confessa Edgar. Para levantar nos dias de pedal, sua técnica é colocar vários relógios pela casa, e quando desliga o que está mais perto, precisa levantar para desligar os demais. Acordar cedo, porém, não é suficiente: é preciso adaptar o corpo ao novo horário e a privação de sono não é uma opção. “O ideal para quem não está acostumado é dormir um pouco mais cedo, senão fica muito cansativo”. Apesar da dificuldade, uma coisa é certa: nos dias de pedal lá está Edgar com seu famoso “cocoricóóóóó, tá na hora de levantar, galera!” no grupo de WhatsApp para avisar os colegas.

A alimentação também é um fator que exige atenção especial, quanto maior o pedal, mais reforçado precisa ser o café da manhã. “O ciclismo dá muita fome, além de aumentar o metabolismo, acelerando-o e queima caloria muito fácil”, comenta. Pedalar de madrugada tem ainda desafios particulares, sobretudo o frio e o escuro das primeiras horas da manhã. Para isso os ciclistas contam com equipamentos especiais: capacete com lanterna, segunda pele e calça para manter o corpo aquecido. A segurança também é um fator de atenção. Como policial militar, Edgar dá dicas para quem quer pedalar na madrugada: “Evitar andar sozinho e sempre ir em lugares mais próximos onde não perca sinal de celular, para casos de emergência e acidentes.”

Para ele, o trânsito e a falta de respeito dos motoristas são as maiores dificuldades que o grupo enfrenta e que pode até mesmo desestimular os iniciantes. “Já aconteceu com ônibus e carro, quando o motorista em vez de afastar, nos aperta no meio-fio ou fica atrás de nós, acelerando e buzinando, enquanto estamos no canto. Algumas pessoas se assustam e sofrem queda por causa disso, principalmente quem não está acostumado com a violência do trânsito. Tem gente que até desiste de pedalar”, relata.

‘Galo de rinha’

“O ciclismo é algo para relaxar a cabeça da correria do dia-a-dia e do trabalho, mas ao mesmo tempo se tornou um hobby”, declara Fabiano Mendonça, 39. Há três anos, o contador voltou a se dedicar à bike, ao mesmo tempo em que começou a investir na natação. Depois que passou a frequentar o Galo da Madrugada, o atleta conta que se dedicou mais às pedaladas e já participou de cerca de 25 competições. Para ele, o grupo é também um espaço de treinamento para as provas que enfrenta.

“Como abrange diversas pessoas, tanto aquelas que estão começando, como também ciclistas de nível mais avançado, tem dia que divulgamos o pedal como ‘galo de rinha’: um pedal mais técnico com um treinamento mais pesado, que não é para iniciantes. Além disso, todo percurso as pessoas utilizam um aplicativo que registra o trajeto feito, o tempo que cada um fez no trecho, quem foram os primeiros colocados e isso acaba gerando uma competição saudável entre quem está pedalando no dia”, comenta.

Bom humor

Motivado pela necessidade de perder peso, o letrista Leandro Almeida, 36, foi atraído para o ciclismo pela tranquilidade do esporte. Hoje, Leandro pedala cerca de quatro vezes por semana e de vez em quando se aventura em cicloviagens, dentro e fora do Galo. Para ele, as vantagens do pedal vão muito além de poder manter um peso ideal e praticar de madrugada acaba sendo um grande privilégio. “De manhã a gente vê o sol nascer quase todos os dias, são coisas que não têm preço. O dia rende mais, é como uma terapia, o humor muda totalmente durante o dia e a família também fica satisfeita. Pedalo de manhã quando minhas filhas estão dormindo e não deixo de dar atenção para a minha família. É uma coisa que entrou na minha vida e não pretendo deixar tão cedo.”

Tem mulher na trilha

rilza rocha
Rilza era praticante de corrida, mas decidiu mudar o esporte após ter um problema no joelho (Foto: Arquivo pessoal)

“Alguns querem passear, mas meu foco é outro, é andar o mais longe possível, eu sou bem aventureira”, comenta a militar Rilza Rocha, 37. Antes do ciclismo, Rilza praticava corridas, mas mudou de modalidade depois de ter um problema no joelho. Além disso, a bike veio como uma terapia em um momento difícil da sua vida: “Eu estava entrando em depressão por conta da morte do meu pai”, lembra. Para ela, o ciclismo é ainda uma oportunidade de conhecer novos lugares e pessoas e conta já ter passado por vários estados sobre duas rodas: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santos, São Paulo e até Bahia. Com gosto por desafios e pelas longas distâncias, Rilza se destaca no grupo pela força e o bom desempenho. “Muitas vezes os homens acham que por sermos mulheres nós não aguentamos, então eu já saio de casa pensando que vou conseguir e faço. Às vezes não estou aguentando, mas seguro a peteca para não deixá-la cair e gosto de chamar as meninas para vir também.”

Cuidados com alimentação e sono

Segundo o professor de Fisiologia do Exercício, Daniel Godoy Martinez, o corpo humano necessita da luz solar para um bom funcionamento e a prática de exercícios na madrugada reajusta o relógio biológico, alterando os ritmos do organismo. Para driblar os riscos da atividade física tão cedo, o especialista adverte sobre os cuidados especiais com a alimentação e o sono.

“Pesquisas científicas comprovam que quem sofre de privação do sono por apresentar doenças e/ou alterações do sono ou mesmo por trabalho em turno noturno está mais propenso a ser hipertenso, obeso, diabético aumentando o risco de desenvolvimento de doença cardiovascular. Por outro lado, praticar ciclismo de madrugada pode ter seus benefícios como menor trânsito e temperatura mais amena. Além disso, diversas pesquisas científicas demonstram que a prática regular de exercício físico previne a hipertensão arterial, a diabetes, combatendo a obesidade, diminui o colesterol, aumenta a função cardiorrespiratória, a disposição para o trabalho, a capacidade cognitiva em geral, a qualidade de vida e do sono. Se o praticante escolher se exercitar de madrugada, cuidados como dormir mais cedo e se alimentar antes do exercício físico são necessários. Caso tenha aumento persistente de irritabilidade, estresse, dificuldade de concentração, sonolência diurna e apresentar baixa produtividade no trabalho, o horário de prática de exercício físico deve ser revisto”, destaca

“Segundo um artigo científico publicado em 2018 na revista Lancet, 47% dos brasileiros não se exercitam o suficiente, o que aumenta o risco de desenvolver ou agravar diversas doenças causadas pelo sedentarismo. Por isso, quem tem somente a madrugada para fazer seu exercício físico sugiro que o faça”, diz o especialista e alerta que pessoas sedentárias, obesas ou hipertensas só devem se exercitar após liberação médica e que a prática do exercício de madrugada só deve acontecer depois de ter algum grau de adaptações ao treinamento.

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