Ciúme de um presidente II

Por Wendell Guiducci

Cidinha toda vida foi moça pra casar. Recatada. Do lar. Casou virgem com Reginaldo, o contador. Tiveram dois filhos homens, Artur e Emílio.

Reginaldo gritava “Cidinha, me traz uma cerveja”, Cidinha trazia.

“Cidinha, cadê a janta??”

“Tá saindo, benzinho.”

Reginaldo flatulava. Alto. Fedido.

“Fica aqui, cheirar um peidinho a meia.” E ria.

Quando Reginaldo não estava, Cidinha ficava no Facebook e no ZapZap e na Internet buscando fotos antigas do novo presidente.

“Ai, o Jair. Que homem!”

Tinha pôsteres do Jair pra todo lado na casa, que o Reginaldo gostava muito, venerava mesmo, uma vez que lhe permitiu ter seu 38 regularizado e guardadinho no criado mudo pro caso de algum vagabundo invadir a residência. Um homem precisa ter o poder de defender sua família e sua propriedade, com a graça de Deus.

Mas Cidinha era doida no presidente. Compilava megabytes de fotos em seu celular e compartilhava com as amigas no ZapZap.

“Olha ele de franjinha, ai que tesão. O Jair.”

Mas Reginaldo ouviu.

“Quem é que é tesão, Cidinha? Quem é que é tesão??”

Cidinha, megabytes e megabytes de fotos do presidente, confessou.

“O Jair.”

Reginaldo não teve dúvidas. Pegou o 38 no criado mudo e lascou dois tiros na testa da Cidinha.

Ciúmes.

Como disse Voltaire, esse nosso Brasil precisa ficar mais moderno.

——————————————————————————————-

vida bandidaEsta crônica é uma releitura livre de “Ciúme de um presidente”, de Voltaire de Souza, texto publicado originalmente no jornal “Notícias populares” e compilado no livro “Vida bandida” (Editora Escuta, 1995)

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka. Instagram: @delguiducci

A Tribuna de Minas não se responsabiliza por este conteúdo e pelas informações sobre os produtos/serviços promovidos nesta publicação.

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade pelo seu conteúdo é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir postagens que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.



Leia também