Cidinha toda vida foi moça pra casar. Recatada. Do lar. Casou virgem com Reginaldo, o contador. Tiveram dois filhos homens, Artur e Emílio.
Reginaldo gritava “Cidinha, me traz uma cerveja”, Cidinha trazia.
“Cidinha, cadê a janta??”
“Tá saindo, benzinho.”
Reginaldo flatulava. Alto. Fedido.
“Fica aqui, cheirar um peidinho a meia.” E ria.
Quando Reginaldo não estava, Cidinha ficava no Facebook e no ZapZap e na Internet buscando fotos antigas do novo presidente.
“Ai, o Jair. Que homem!”
Tinha pôsteres do Jair pra todo lado na casa, que o Reginaldo gostava muito, venerava mesmo, uma vez que lhe permitiu ter seu 38 regularizado e guardadinho no criado mudo pro caso de algum vagabundo invadir a residência. Um homem precisa ter o poder de defender sua família e sua propriedade, com a graça de Deus.
Mas Cidinha era doida no presidente. Compilava megabytes de fotos em seu celular e compartilhava com as amigas no ZapZap.
“Olha ele de franjinha, ai que tesão. O Jair.”
Mas Reginaldo ouviu.
“Quem é que é tesão, Cidinha? Quem é que é tesão??”
Cidinha, megabytes e megabytes de fotos do presidente, confessou.
“O Jair.”
Reginaldo não teve dúvidas. Pegou o 38 no criado mudo e lascou dois tiros na testa da Cidinha.
Ciúmes.
Como disse Voltaire, esse nosso Brasil precisa ficar mais moderno.
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Esta crônica é uma releitura livre de “Ciúme de um presidente”, de Voltaire de Souza, texto publicado originalmente no jornal “Notícias populares” e compilado no livro “Vida bandida” (Editora Escuta, 1995)