Sucateamento e superlotação são rotina no Centro Socioeducativo
Projetado para atender 56 adolescentes, a unidade comporta neste momento, cerca de 90 acautelados
Dez meses depois de o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciar a superlotação no Centro Socioeducativo Santa Lúcia, a unidade ainda sofre com o déficit de vagas. Projetado para atender 56 adolescentes sob internação, o local comporta, atualmente, cerca de 90 acautelados, conforme apuração do jornal junto a agentes socioeducativos. Por motivo de segurança, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) não informa lotação ou número de funcionários.
Em novembro de 2017, na representação contra o Estado, o MPMG requereu, entre várias medidas urgentes, o fim da superlotação e a construção de um anexo com espaço e estrutura para aumentar o número de vagas no Centro Socioeducativo. Além da quantidade de internos acima da capacidade, a instituição pontuava que o Santa Lúcia sofria com problemas que facilitavam fugas e fomentavam a violência, como quadro de pessoal reduzido, instalações precárias, insegurança e insalubridade.
A representação de autoria do promotor de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carlos Ary Brasil, determinava que, caso as medidas para regularização dos problemas não fossem apresentadas ou executadas pelos gestores do sistema, seria determinada a interdição total ou parcial da unidade. De acordo com a assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no último dia 9 (agosto), o Estado foi citado a respeito da ação civil pública e, partir do dia 10 de agosto, tem o prazo de 30 dias úteis para contestar a ação.
Sobrecarga de trabalho e impacto na segurança do Centro Socioeducativo
Um dos agentes do Centro Socioeducativo, ouvidos pelo jornal, que não terá seu nome divulgado, afirmou que a situação atual na unidade não é diferente daquela apontada pelo Ministério Público, em novembro de 2017. Segundo ele, um dos grandes desafios para a sua categoria é lidar com a lotação concomitantemente com o quadro de déficit de agentes socioeducativos. “Somos cem agentes, mas o ideal seria que fossem 150. Esse é um sonho de quem trabalha aqui, mas tememos que isso nunca aconteça”, afirma o servidor, acrescentado que o número reduzido de agentes socioeducativos impacta a segurança da unidade. “Temos que fazer o trânsito interno, deslocamentos para a Vara da Infância, para atendimentos de saúde, além da segurança e atividades internas que devem ser executadas rotineiramente. Há uma sobrecarga de trabalho e ainda existem conversas sobre a dispensa de contratados no final do ano, o que vai piorar nossa situação ainda mais”, avalia o profissional, que lembra: “Costuma haver convocação para ter de cobrir o expediente do outro dia, a fim de suprir e executar as atividades previstas. Dessa forma, o profissional tem uma carga maior.”
Outro agente socioeducativo ouvido pela Tribuna, que também terá seu nome preservado, ressalta que os trabalhadores sofrem com a defasagem de equipamentos importantes para a segurança e para as tarefas de rotina. “Continuamos com nossa carência no que diz respeito aos rádios de comunicação. Nossas viaturas estão bem sucateadas. Se uma vai para a manutenção, o retorno dela leva de dois a três meses para retornar. Então, temos que escolher deixá-las rodando do jeito que estão ou ficar sem veículos”, denuncia, acrescentando que são cinco viaturas disponíveis. “Tem dia que rodamos com as cinco e não tem nenhuma de reserva para uma situação de emergência.”
Secretário-geral e presidente interino do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Socioeducativo do Estado de Minas Gerais (Sindsisemg), Israel Júnio, afirma que o déficit de servidores observado na unidade juiz-forana é uma realidade em toda Minas Gerais, uma vez que o Governo não abriu concurso público ou processo seletivo. “Atualmente, em Minas Gerais, o ideal seria ter três mil agentes socioeducativos, mas o estado conta com cerca de 2.300. Então, há unidades que estão trabalhando com um quantitativo bem baixo no que diz respeito ao número de profissionais”, assevera.
Conforme ele, o saldo negativo de servidores, de fato, afeta a segurança das unidades, dos internos e dos funcionários. “Por exemplo, se o adolescente precisa de uma saída externa para inserção cultural, de lazer e de esporte, escolta para audiência, para atendimento médico, é o agente que realiza. Com o número de profissionais reduzido, esse trabalho fica prejudicado, pois enquanto os servidores precisam fazê-lo, outros têm que manter o socioeducativo funcionando. Num momento desses, caso haja um motim ou um tumulto, para solucionar o conflito, com o número reduzido de agentes é mais complicado.”
Colchão é usado como escudo de proteção
Israel Júnio reitera que a falta de equipamentos é um problema que afeta todas as unidades do estado. “Hoje não tem coletes de forma suficiente, o número de algemas não é o bastante. As viaturas, na maioria das unidades, estão sucateadas. Não houve, por parte do Governo, nenhuma ação para melhorar essa situação. Sem esses equipamento não tem como assegurar a qualidade do nosso trabalho. Acaba que, se hoje um agente precisa entrar dentro de um alojamento para fazer uma contenção, ele acaba tendo que usar um colchão como escudo, porque não temos equipamento de proteção individual”, ressalta.
A carência de profissionais no Santa Lúcia também foi um dos temas tratados pelo Ministério Público, na sua representação, que apontou que servidores eram obrigados a dar conta de uma carga elevada de trabalho, redundando em prejuízo à saúde para alguns. Na época em que a representação foi feita, nove agentes estavam de licença médica. O MPMG também assinalou que o Estado de Minas Gerais dispunha de grande contingente de analistas e agentes aprovados em concursos destinados aos sistemas prisional e socioeducativo, aguardando nomeação. Ainda segundo a representação, os problemas encontrados comprometiam seriamente a qualidade do atendimento e a segurança geral, provocando riscos reais à integridade física, psicológica e até mesmo à vida de servidores e internos.
Mistura de internos provisórios e sentenciados
As requisições da promotoria objetivavam a separação de internos entre os que se encontram em acautelamento provisório e os que já receberam sentença em primeiro grau, e também conforme a gravidade da infração, a idade e as condições de saúde. Os pedidos estão de acordo com as diretrizes apresentadas no Programa Estadual de Atendimento a Adolescentes em Conflito com a Lei e com o artigo 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Os agentes que conversaram com o jornal afirmaram que essa mistura entre internos provisórios e sentenciados também é uma preocupação para a categoria, uma vez que lesa a oportunidade de os adolescentes deixarem a unidade e não reincidirem. “Aqui são duas unidades numa só, comportando internação provisória e internação para sentenciados, mas isso não funciona. A internação está superlotada, assim o adolescente que recebe a sentença não encontra vaga para ele, tendo que cumprir sua sentença no meio provisório. Hoje, já tem uns 50% dos internos sentenciados, mas cumprem com quem tem internação provisória. Isso prejudica a questão da reinserção social, porque quem cumpre a sentença tem mais atividades previstas, mais recursos, como atividade externa. Quando ele fica junto aos provisórios, não conta com esses benefícios, prejudicando a reinserção”, destaca.
Num dia de visitação, a Tribuna esteve no lado de fora do Centro Socioeducativo e conversou com o pai de um dos internos. Ele também preferiu não ter seu nome divulgado, assim como qualquer detalhe que pudesse identificar seu filho. “Ele já foi sentenciado, mas sei que ainda está junto de outros adolescentes que estão sob internação provisória. Compreendo que ele precisa pagar pelo seu erro, mas tenho medo de que esse período dele aqui não sirva para recuperá-lo. Também ouvimos relatos de que cursos profissionalizantes estão sendo interrompidos. A oficina de padaria, que dava certificação, aconteceu somente na gestão passada que fora afastada. Minha preocupação é sobre como esses meninos vão sair daqui”, teme o pai, que disse que a sala de odontologia que fazia o tratamento dentário dos adolescentes permanece desativada.
Secretaria informa que cursos não deixaram de ser realizados
A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) informou que não procede a informação de que o Centro Socioeducativo de Juiz de Fora não oferece cursos profissionalizantes aos adolescentes. Conforme a pasta, no momento, por exemplo, estão em andamento os cursos de repositor de estoque, informática básica profissionalizante e introdução nos negócios. Além disso, a direção está em negociação com novos parceiros para expandir os cursos ofertados. Inclusive, informou que há também dois adolescentes que, através de uma parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), integram a equipe sub-17 de futebol da UFJF. Segundo a Sesp, a universidade vai abrir mais duas vagas este mês para os jovens da unidade.
A secretaria destaca que, durante o cumprimento da medida, os adolescentes são acompanhados por uma equipe especializada e multidisciplinar, composta por pedagogos, psicólogos, enfermeiros, entre outros. Os acautelados ainda contam com uma escola estadual dentro das instalações do centro socioeducativo, assim como todas as unidades do Estado, onde os jovens passam por acompanhamento escolar, por meio de frequência em escola regulamentar ou por meio de aulas de reforço.
Quanto ao número de agentes, a Sesp afirma que está se esforçando para garantir a recomposição de quadros do sistema socioeducativo e já conseguiu a autorização para a realização de um processo seletivo junto à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag). No momento, o processo segue os trâmites legais. Para reforçar o trabalho dos agentes, a Sesp esclarece que está adquirindo novos rádios comunicadores, que serão entregues ainda este ano. A respeito do tratamento dentário, a Sesp diz que os adolescentes que precisam desse tipo de atendimento são atendidos pela rede de saúde local.
Reformas
Recentemente, como pontua a pasta, foi assinado um contrato com o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DEER/MG), no valor de R$ 10 milhões, para contrato de serviço de reparos preventivos e corretivos, instalação, adaptação, recuperação, conservação e modernização de todos os Centros Socioeducativos do Estado, que serão atendidos por ordem de prioridade.
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