BioconstruĆ§Ć£o: o pau a pique de volta em projetos para novas moradias
Para reduzir impactos ambientais, profissionais usam pedra, barro, bambu e madeira; Senado analisa proposta de financiar projetos pelo Minha Casa, Minha Vida
Os materiais utilizados sĆ£o velhos conhecidos: pedra, barro, bambu, madeira. As tĆ©cnicas de construĆ§Ć£o tambĆ©m sĆ£o antigas, como o pau a pique, o tijolo de adobe e a taipa de pilĆ£o. A novidade estĆ” no olhar dado aos projetos que buscam criar moradias mais sustentĆ”veis, oferecendo maior conforto e menor impacto ambiental, alĆ©m da possibilidade de reduĆ§Ć£o de custos. Diante destas vantagens, a bioconstruĆ§Ć£o tem ganhado cada vez mais espaƧo no mercado.
Em Juiz de Fora hĆ” edificaƧƵes criadas a partir deste conceito, localizadas fora do eixo urbano. Um exemplo Ć© o ChalĆ© Terras Altas, que estĆ” em fase de acabamento e foi construĆdo com tijolo ecolĆ³gico. O projeto Ć© da Taba Bambu, empresa que estĆ” hĆ” cinco anos no mercado e foi criada pelos arquitetos bioconstrutores Nina Reis, Mateus Foscarini e Thiago Samico.
“Trabalhamos com projetos e construƧƵes ecolĆ³gicas e, tambĆ©m, com a busca da difusĆ£o desses ideais e tĆ©cnicas. Priorizamos sempre o uso de materiais locais e naturais, que provoquem o menor impacto possĆvel para o meio ambiente e que dĆ£o origem a agradĆ”veis e duradouras construƧƵes, com um Ć³timo conforto tĆ©rmico, respeitando a natureza”, afirma Nina.
Ela explica que devido ao aspecto ambiental da proposta, normalmente, as obras sĆ£o desenvolvidas nas Ć”reas rurais. “Acreditamos que, cada vez mais, as pessoas estĆ£o buscando formas mais sustentĆ”veis de viver, e isso faz com que o mercado se abra. Ainda existem poucos profissionais que dominam as tĆ©cnicas, mas temos diversas ecovilas no paĆs que empregam e difundem a bioconstruĆ§Ć£o. Minas Gerais Ć© uma regiĆ£o com grande concentraĆ§Ć£o de comunidades nestes formatos, porĆ©m, por se localizarem quase sempre em regiƵes isoladas ou rurais, ainda sĆ£o pouco conhecidas.”
Impactos sociais e econƓmicos
Na avaliaĆ§Ć£o da arquiteta, alĆ©m dos benefĆcios ambientais, a bioconstruĆ§Ć£o pode garantir impactos sociais positivos. “Como hĆ” a possibilidade da autoconstruĆ§Ć£o e do uso de materiais locais e acessĆveis, a disseminaĆ§Ć£o da informaĆ§Ć£o e do conhecimento tĆ©cnico pode contribuir para a reduĆ§Ć£o do dĆ©ficit habitacional e promover o acesso de construĆ§Ć£o de qualidade para as classes sociais mais baixas, que hoje, em sua maioria, vivem em moradias precĆ”rias.”
Com relaĆ§Ć£o ao aspecto econĆ“mico, ela cita que “os materiais usados sĆ£o encontrados com facilidade, como barro, bambu e pedra. Por isso, sĆ£o mais acessĆveis economicamente ou podem ser extraĆdos sem custo no meio rural.”
Dentre os trabalhos da Taba Bambu na Zona da Mata tambĆ©m estĆ£o os projetos Casa Por do Sol, localizado em Belmiro Braga, que foi executado em madeira, pau a pique e tijolo ecolĆ³gico; e o Abrigo Candeia, situado em Santa BĆ”rbara do Monte Verde, que ainda estĆ” em execuĆ§Ć£o, e teve a fundaĆ§Ć£o feita de pedra.
Falta de mĆ£o de obra Ć© desafio
Criada em 2003, em Belo Horizonte, a empresa Biohabitate tambĆ©m trabalha com o desenvolvimento de projetos ecolĆ³gicos e a difusĆ£o do conhecimento da bioconstruĆ§Ć£o ao redor do paĆs. “NĆ³s temos uma lacuna muito grande de mĆ£o de obra, pois fomos perdendo os artesĆ£os que trabalhavam com estas tĆ©cnicas antigas. HĆ” 80 anos, substituĆmos as formas tradicionais de construir por este modelo de construĆ§Ć£o convencional que temos hoje”, diz o diretor da empresa, que Ć© arquiteto e bioconstrutor, Bruno Azevedo.
Por enxergar na falta de mĆ£o de obra um dos principais desafios, a Biohabitate realiza cursos em vĆ”rios estados. “NĆ£o temos projetos em Juiz de Fora, mas jĆ” estivemos na cidade para promover consultoria”, relembra Bruno. “Fazemos parte de um movimento que capacita pessoas para tentar resgatar esses conhecimentos antigos. Ć uma tentativa de mudar a cara da construĆ§Ć£o civil.” A empresa possui projetos em Minas, Rio Grande do Sul, PiauĆ, Mato Grosso, Roraima e Bahia.
AlĆ©m das vantagens econĆ“micas, sociais e ambientais, ele acredita que a bioconstruĆ§Ć£o garante o bem-estar dos moradores. “As tĆ©cnicas sĆ£o mais favorĆ”veis Ć s pessoas que habitam a moradia. Os espaƧos sĆ£o construĆdos com menos toxinas. A parede de terra, por exemplo, tem um desempenho acĆŗstico atĆ© 40% melhor do que as de concreto. AlĆ©m disso, elas interagem com a umidade do ar porque sĆ£o porosas, o que nos deixa menos suscetĆveis aos mofos e alergias.”
Projetos podem ser financiadosĀ pelo Minha Casa, Minha Vida
A proposta de incluir imĆ³veis construĆdos com tĆ©cnicas de bioconstruĆ§Ć£o no financiamento do programa Minha Casa, Minha Vida estĆ” em anĆ”lise do Senado. O projeto de lei 296/2018 foi apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) a pedido de movimentos em prol da promoĆ§Ć£o da habitaĆ§Ć£o popular acessĆvel e sustentĆ”vel. O projeto estĆ” em anĆ”lise pela ComissĆ£o de Meio Ambiente e, posteriormente, serĆ” submetido Ć avaliaĆ§Ć£o da ComissĆ£o de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR), onde receberĆ” o parecer final.
Em sua justificativa para a proposta, Rodrigues afirmou que “o uso dessas tĆ©cnicas pode reduzir custos, especialmente nas localidades em que o transporte de materiais tradicionais, como areia, cimento e tijolos Ć© mais caro. AlĆ©m disso, as obras serĆ£o executadas com menor impacto sobre o meio ambiente e com maior engajamento da comunidade beneficiada, gerando reflexos positivos para as geraƧƵes atual e futuras”.