Comerciantes do Alto dos Passos baixam portas por uma hora
Contra a violência, mais de 20 estabelecimentos do setor de alimentação aderiram à manifestação que pegou de surpresa frequentadores da área
Um protesto inédito na história da cidade levou os comerciantes do Alto dos Passos a baixarem as portas de pelo menos 20 estabelecimentos do setor de alimentação na noite de sexta-feira (13) durante uma hora. A manifestação contra a violência que afeta o bairro foi iniciada às 19h e contou com a participação de proprietários e funcionários, além de representantes da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) da Zona da Mata. O gesto, iniciado na Rua Dom Viçoso, alcançou outras cinco vias do entorno, surpreendendo clientes que estavam na área. Mesmo as casas que não fecharam apagaram às luzes em apoio ao movimento. Exibindo uma faixa preta com os dizeres “A culpa não é nossa, chega de violência”, comerciantes se preocuparam em mostrar que, assim como os moradores do bairro, eles também têm sido vítimas da insegurança que afugenta as famílias do local.
A presidente da Abrasel, Carla Pires, afirma que o problema de segurança pública precisa ser resolvido e para todos. “É uma responsabilidade do Estado, e nós merecemos essa atenção como cidadãos. A gente quer regra, sim, mas não adianta vir com represália. Queremos a presença da Polícia Militar, da Guarda Municipal, além do Comissariado de Menores. O que precisa é tirar os vândalos da rua e as pessoas que infringem o bom comportamento. Esse é o recado que queremos dar: os bares não têm culpa disso”, afirma a representante da entidade, criticando a forma como a questão da criminalidade na região vem sendo tratada.
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Na última semana, ocorrências envolvendo arrastão, vandalismo e má utilização da via pública vieram à tona, bem como todo o descontentamento dos moradores com a perturbação do sossego que tem levado ao adoecimento de muitos residentes da área que se tornou palco principal da noite juiz-forana. Para Carla, a responsabilidade pelos problemas apontados está recaindo, “injustamente”, sobre os comerciantes. Caíque Fonseca, 50 anos, conselheiro da Abrasel, diz que o movimento tem o objetivo de somar a tudo que vem sendo feito. “Não existe um culpado para o que está acontecendo no Alto dos Passos e, sim, uma série de fatores. A gente sabe que são feitas várias ações tanto da fiscalização da Prefeitura, quanto da Polícia Militar, mas o que está acontecendo hoje em dia é que os infratores são menores de idade, pessoas que integram gangues para fazer arrastão. O Comissariado de Menores antes estava muito presente, fazia abordagem, e agora não mais. Quando essa região começou a ser gourmetizada era comum a gente ver a presença de famílias caminhando pelo bairro. Hoje, às 22h, todo mundo já sai correndo. As pessoas estão com medo de circular. Os empresários dos setores de alimentação e de outros setores querem o cliente, e o cliente do Alto dos Passos sempre foi muito familiar. Queremos o retorno disso.”
Arthur Dias, proprietário do Bar Salvaterra, faz coro. Ele diz que adolescentes buscam a área para consumir bebida, que é comprada fora, e droga ao ar livre, provocando brigas no local que amedrontam os clientes e atrapalham o funcionamento. Ele também se queixa dos arrombamentos e diz que seu estabelecimento foi alvo de furto por três vezes. “O meu estabelecimento foi arrombado três vezes pela mesma pessoa durante a madrugada. Apesar de já ter sido filmado, ele é sempre liberado. Além disso, o movimento de rua em dias de comemoração atrapalha muito o nosso funcionamento, porque nos impede de trabalhar com mesa na calçada, por causa do tumulto.”
Fechamento simbólico surpreende clientes
O fechamento simbólico dos bares e restaurantes surpreendeu os clientes que já estavam nos estabelecimentos das ruas Dom Viçoso, Pedro Botti, Severiano Sarmento, Barão de Aquino, Machado Sobrinho e Padre João Emílio. O protético Marcelo Bittencourt Villela, 47 anos, jantava com as duas filhas na Churrasqueira, quando as portas de ferro foram abaixadas. “Quando vi as portas fechando, percebi que alguma coisa estava acontecendo. Contra a violência, no entanto, tudo é válido”, comentou.
Uma moradora do Rio de Janeiro que prefere não ter o nome identificado também levou um susto quando notou o ato. “Achei que tivesse que sair correndo, como acontece no Rio. É a primeira vez que vejo um fechamento de portas pacífico”, elogiou.
Na Estação Grill, a reação dos frequentadores também foi de surpresa. A maioria, porém, apoiou a iniciativa e disse que todos são beneficiados pela melhoria da segurança. A presidente do Conselho de Segurança do Alto dos Passos (Conseg), Rita de Cássia Guimarães Pipa, também apoiou a paralisação dos donos de bares. “Tendo como finalidade primeira o incentivo e a promoção do progresso do bairro e o bem-estar de sua população, a Sociedade Pró-Melhoramentos do Alto dos Passos expressa seu apoio e solidariedade ao movimento dos comerciantes locais para exigir segurança pública de qualidade para realizar os seus trabalhos. Reiteramos o nosso desejo de unir forças na busca de uma convivência pacífica entre moradores, comerciantes e frequentadores do bairro. Reiteramos que os casos pontuais de bares que foram responsabilizados por problemas causados aos moradores devem ser objeto de análise, para evitar que toda uma classe que labora e contribui de forma positiva para o bairro seja identificada com a violência de que também é vítima.”
Audiência
O movimento dos empresários do setor de alimentação acontece dois dias depois da realização de audiência pública na Câmara para discutir a situação no local, quando foi exigido tolerância zero para as infrações no bairro. Na última quarta-feira também foi anunciada pelo secretário de Atividades Urbanas, Eduardo Facio, a intensificação da fiscalização nos bares e restaurantes a partir desse fim de semana. Dos cerca de 40 bares e restaurantes do bairro, metade tem autorização para colocar mesas e cadeiras nas calçadas. O vereador Zé Márcio (PV) solicitou à Prefeitura a suspensão de novas permissões para o uso dos passeios até que sejam encontradas soluções para os problemas enfrentados pelos cerca de 30 mil moradores do Alto dos Passos.
Na ocasião, todos os segmentos que participaram do encontro concordaram que precisariam unir esforços em prol do fim da violência.