Ondas sonoras estacionárias
Banda da Zona Norte do Rio toca pela primeira vez na cidade neste sábado (28), ao lado dos juiz-foranos ROMO e Legrand
Ondas estacionárias são formadas por duas ondas idênticas – de mesma frequência, amplitude, comprimento de onda e direção, porém em sentidos opostos. Elas são originadas exatamente no momento de superposição das duas, ocasionando pontos zeros, e de oscilação máxima, chamados de “ventre” (valeu Wikipédia). Hugo Noguchi, baixo, Larissa Conforto, bateria, e Gabriel Ventura, guitarra e voz, tocando juntos, confiam muito uns nos outros como instrumentistas – e formam a Ventre justamente por estarem no momento ápice de vibração de suas ondas sonoras.
Em 2015 apareceram com o primeiro álbum, de mesmo nome da banda. Um som de rock’n’roll que eu sentia saudade de ouvir, um trio em que cada um está muito dedicado ao seu instrumento, com uso de pedais na medida certa para criar um clima espacial, mas ainda nos deixando com os pés no chão e uma excitação de poder ver que ainda existem bandas de rock que prezam completamente pela performance ao vivo. Tanto é que, em 2016, lançaram o show “Ao vivo no Méier”. Ventre é uma banda que ama tocar. Os integrantes atualmente se encontram mais na estrada do que em estúdio, embora já tenham tido o hábito de passar de quatro a cinco horas ensaiando diariamente.
O show é um “evento” no cerne da palavra. Eventualidade, acontecimento “inesperado”, um único ponto no espaço-tempo que não se repete. É isso que buscam. Por isso nunca escreveram um setlist se quer, e a cada show alongam, constroem, interagem indo para lugares inesperados – e erram (e aí é quando mais se divertem). “O disco está ali de graça, então para você viver disso (da música), tem que oferecer sua presença física no show”, é o que Hugo pensa. Uma das coisas que mais gostam de fazer é observar performances ao vivo de outras bandas, como um estudo mesmo. Lançar DVD, pôster é uma retomada que tem tudo a ver com as bandas que acompanham e, claro, por terem vivido os anos 1990 quando adolescentes.
O disco novo está em processo, a banda começa a desacelerar os shows para concentrar as forças aí. Três músicas compostas por Gabriel já estão prontas, e pode ser que apresentem “Alfinete” no show em Juiz de Fora, que está sendo produzido pela Microwave, neste sábado (28), no Brauhaus Zeppelin. Mas isso fica naquele campo instigante da incógnita, assim como ainda não é possível saber se terão músicas escritas por Larissa e Hugo neste novo trabalho. De qualquer forma, os backing vocals do primeiro disco nos deixam com uma vontade de poder ouvir mais sobreposição de vozes, enfatizando também as da baterista e do baixista.
MCRVVE #5
Apresentação das bandas Ventre, ROMO e Legrand. Neste sábado (28), abertura da casa às 21h, no
Brauhaus Zeppelin (Rua Roberto Stiegert 21)
Conheça a banda
Larissa desenha riffs na bateria
Aos 13 anos de idade foi fazer aulas de bateria escondida das críticas de sua família, enquanto mulher e bastante nova. Isso a está levando a um lugar respeitado na história da música independente brasileira. #LugarDeMulheréNaMúsica: se ela carrega alguma bandeira, essa é a dela. Segue estudando sem parar, muito dedicada à bateria e também à produção executiva e artística da banda – o corre todo é aqui. Tira notas impecáveis em uma bateria cheia de entrega, suor, porrada e um lindo som. E, inclusive, está concorrendo ao prêmio Women’s Music Event, da VEVO, na categoria melhor instrumentista.
Larissa revela-se através de sua música como intensa e verdadeira. Despeja todo sentimento e técnica no instrumento, em uma incansável pesquisa de timbre. “Desde que eu parei de ter aula, eu estudo vendo show, observo como eles montam a bateria, fazem os grooves, afinam a bateria.” Ela sempre deixou muito claras suas referências: Toe, Deftones, Incubus (teve a honra de entrevistar José Pasillas no Rock in Rio) e a bateria jazzística do Hendrix na década de 1960, do “Jimi Hendrix Experience”, Mitch Mitchell.
Para o disco novo da Ventre está criando uma bateria menos rock e mais matemática, na busca incessante de um desenho rítmico que se repita, mantendo o groove, e que forme um desenho que possa ser cantado. Larissa está usando um pad Roland SPD – SX, de bateria eletrônica, e dois triggers na caixa e no bumbo, e afina o tambor para que soe menos com cara de bateria orgânica. “A ideia é samplear esse som e disparar no show. Tento colocar efeito, bastante delay, desconstruir a bateria standard, com a ideia de conseguir fazer ao vivo e soar natural.”
Hugo gosta da coisa bem grave
“Quando eu ouço as músicas do Gabriel, as melodias vêm à cabeça e eu tenho que tirar no baixo, eu psicografo as melodias”, conta Hugo, que neste momento está deixando um pouco seu Fender Aerodyne preto e acaba de adquirir, nos Estados Unidos, um Fender Jazz Bass plus, de cinco cordas, fabricado originalmente nos anos 1990.
Deparar-se com um novo instrumento e todas as possibilidades ainda inexploradas por ele: é no que está interessado como músico. “O baixo elétrico é tocado de uma forma muito viciada, eu gosto de uma sonoridade dub, reggae, tento replicar uma guitarra no baixo, o jeito que eu busco timbre não vem do rock”, conta Hugo. No momento, ele tem tirado muita referência estética no baixo do Thundercat, que fica entre o rap, o jazz e o pop anos 1980. O jeito de cantar enquanto toca da contrabaixista norte-americana Esperanza Spaldin, em seu último disco “Emily’s D+Evolution”, também é uma referência que tem estado em sua cabeça.
“O que eu tento fazer é levar o baixo para outro lugar, incorporar o noise, tocar como se fosse um órgão”, conta Hugo, que também admira Thundercat – codinome do norte-americano Stephen Bruner – por ele fazer um som pop, que aproxima e conversa, como canções – que continua sendo o mote da banda. Com o Jazz Bass plus, Hugo está tentando colocar mais harmonia e informação em seu som. Além disso, ainda está se adaptando à ideia de cantar e tocar, e usa, pelo menos, três distorções e dois synths para conseguir chegar nesse som de órgão, quase dedilhando as cordas como se fossem teclas. Em seu set de pedais, carrega sempre uma distorção Ibanez ts9b (Bass Tube Screamer), que usa como pré, e um pré Boss Fender Bassman, que usa como distorção. Também um sintetizador Electro Harmonix Bass Microsynth, um delay RE-20 Space Echo e um Electro Harmonix Bass Clone Chorus, que é seu favorito no momento.
Suas influências clássicas – unânime para os outros membros da banda – são da galera que quebrava os instrumentos no palco. Para Hugo, John Entwistle (The Who) é uma obsessão, mas também mergulha fundo no baixista do Bob Marley, Aston Barrett, e, claro, Paul McCartney: “suas linhas de baixo ditam cada parte, seu baixo vai costurando a música como um todo”, explica.
Gabriel odeia chorus e não tem medo da nota errada
Gabriel Ventura é apaixonado por instrumentos nacionais, prova disso são suas cinco Gianninis. E ainda muito os brasileiros Fernando Catatau e Edgard Scandurra. “Nunca paguei mais de R$ 1 mil em uma guitarra”, fala Ventura, que, além dos instrumentos, usa pedais e amplificadores de marcas nacionais. Seu tio, baterista, e seu pai, baixista, foram influência para que primeiro tentasse os dois instrumentos e só por último fosse para a guitarra. Cresceu em uma família musical ao som de muito Gonzaguinha e Chico Buarque. Sonha em produzir discos de outras bandas – assim como a Ventre fez com o álbum da goiana Lutre.
“O músico pode ir para tanto lugar, não tem que ter medo da nota errada”, fala o vocal e guitarrista sobre as performances ao vivo da Ventre. Gabriel Ventura foi o ponto de encontro de Larissa e Hugo. Tocava com ela na Tipo Uísque e fez parte da Pousada e o Clã, junto com o baixista. Compor, escrever e criar melodias é seu vício, ou melhor, terapia. No segundo disco da Ventre, a base das músicas que já tem pensadas são canções narrando histórias, divididas em partes. “O refrão não existe, ou aparece uma vez, é uma narrativa.”
Seu som de guitarra deve permanecer semelhante ao que já tem trazido para a Ventre em sua Giannini Apollo. Fica na cara que ele busca uma estética vintage. Além disso, tem um set solto, sem nenhum lacre fixando os pedais em determinados lugares – gosta da mobilidade a hora que quiser. De todos os fuzz que testou, o que mais o ajudou a encontrar seu som é o Germ Face, do Ed’s Modshop, inspirado no Fuzz Face vermelho, e o delay que mais usa, é o analógico That’s Echo Folks da MG Music. “Eu tenho um som de guitarra na minha cabeça que eu acho que nunca vou encontrar. Essa coisa da autoralidade é o sonho de qualquer guitarrista.”
Sobre a participação em festivais e palcos com outras bandas brasileiras, Gabriel fala que o que mais o estimula positivamente como artista é saber que o nível musical está subindo muito. Cada vez que conhece um novo projeto autoral ou presencia um show, ele pensa: “se eu não voltar para casa e estudar, essa molecada vai me engolir, é instigante”.
‘Do it together’
O que está acontecendo nacionalmente com as bandas independentes, em tantos festivais, eventos e trocas entre os músicos, é o momento propício para que a produção aumente em volume e qualidade. Juntas, as bandas estão se colocando para cima e experimentando novos formatos de shows e de distribuição de sua arte.
Larissa acredita que o Brasil esteja vivendo o DIY (faça-você-mesmo) dos anos 1990, mais do que nunca, agora. “O DIY se tornou ‘do it together'”, diz ela, refletindo sobre a completa mudança do mercado fonográfico.
“Fonograma significa que a música está fixada em um suporte físico, mas hoje podemos distribuir fixando ela em qualquer arte, um poster, um vídeo. Há uma interdependência de todas essas linguagens que ajuda o cinema, a fotografia, a dança e as artes plásticas – a música costura as artes e discute questões essenciais no momento de angústia em que vivemos, nesse cenário político muito obscuro.”