Cartão responde por até 40% da inadimplência em JF
Juiz de Fora possui hoje cerca de 140 mil CPFs negativados. Deste total, entre 30% e 40% são por motivos relacionados a cartão de crédito. A estimativa, divulgada pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), segue um cenário nacional. Conforme a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), o cartão tem hoje a maior inadimplência entre todas as modalidade de crédito, atingindo cerca de 40% do que é emprestado. As mudanças nas regras do pagamento do rotativo, que já estão em vigor, aparecem como alternativa para diminuir o valor da dívida, sem esconder o risco de estimular o crédito não consciente. Caso o parcelamento não seja acompanhado por uma reeducação financeira, a ciranda pode não acabar, apenas mudar de modalidade financeira. Substituir o rotativo pelo parcelamento, reduz a taxa de juros mas, no final das contas, pode manter o endividamento.
Ao contrário do que acontecia até o mês passado, quando o cliente podia realizar o acerto da parcela mínima da fatura (equivalente a 15% do débito) várias vezes, “empurrando” o restante do saldo devedor para as faturas seguintes, a partir de agora ninguém poderá passar mais de 30 dias no rotativo. Depois desse prazo, o consumidor terá que optar por um parcelamento, com a promessa de juros mais baixos, caso não consiga quitar o valor integral na fatura seguinte.
Conforme a professora da Faculdade de Economia da UFJF, Fernanda Finotti, na prática, as taxas oferecidas pelos bancos nas modalidades ‘cartão rotativo’ e ‘cartão parcelado’ variam muito. Por isso, se o cliente pesquisar e negociar com o seu banco ou com outro interessado em assumir a dívida (via portabilidade de crédito), avalia, “há inegáveis vantagens para o consumidor em termos de redução no valor da parcela”.
A pedido da Tribuna, a economista levantou as taxas cobradas pelos cinco principais bancos brasileiros, tanto no rotativo quanto no parcelamento e fez uma simulação das condições de pagamento de uma dívida na antiga e na nova condição (ver quadro). A vantagem, avalia, é poder negociar o débito com mais flexibilidade (usando outra modalidade de financiamento ou até mesmo outro credor, via portabilidade). “A desvantagem, no meu ponto de vista, seria o estímulo ao crédito menos consciente. É certo que a economia se beneficia da redução do endividamento das famílias obtida via redução das taxas de juros (básica e por modalidade de financiamento). Entretanto, não é saudável estimular o crédito não consciente, pois a ciranda financeira pode recomeçar em outro ponto mais adiante no processo.”
Na hora da escolha pela melhor linha de financiamento, a economista alerta que o Banco Central (www.bcb.gov.br) reúne todos os bancos e as modalidades disponíveis de financiamento, com as respectivas taxas médias de juros cobradas. “É muito importante informar ao consumidor que, atualmente, ele pode migrar de banco (e de credor) automaticamente. Basta achar um outro banco/credor que o queira como cliente, sem a obrigatoriedade de perder os benefícios do banco antigo.” A portabilidade de crédito, destaca, é um direito de todo cidadão.
Uso saudável e seguro
Para a especialista, o uso do cartão para parcelamento da compra, sem incidência de juros, é uma prática interessante, já que, enquanto não quita a dívida, o consumidor pode deixar o dinheiro aplicado. O problema, avalia, é o ‘refinanciamento’ da dívida contratada (via rotativo ou parcelamento do cartão). “É aí que começa a ciranda financeira que leva muitas famílias à inadimplência.” Fernanda alerta que, em uma aplicação financeira sem risco, o dinheiro rende cerca de 0,8% ao mês ou 10% ao ano. “Não raro, 5% de desconto sobre o valor anunciado para pagamentos à vista é a praxe, o que tornaria o pagamento à vista vantajoso frente ao parcelamento em três vezes, já que os juros recebidos na aplicação seriam de 2,4% ao período.” A opção de parcelamento em seis vezes sem juros, cujo rendimento seria de 4,9% no período, também é considerada vantajosa. “Em 12 vezes, por exemplo, os juros recebidos na aplicação seriam iguais a 10% e mais que compensariam o desconto oferecido.”
Idec pede mudanças nas novas regras do rotativo
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) falta clareza na norma. Em carta encaminhada ao Banco Central, foram solicitados esclarecimentos sobre o funcionamento da Resolução 4.549/17, que define mudanças nas regras para pagamento da fatura. Para o Idec, as regras não detalham de que forma se dará o gerenciamento dos saldos e as possibilidades de parcelamentos. A flexibilidade para que cada banco crie suas próprias condições é vista com preocupação pela entidade, exigindo medidas claras que disciplinem o mercado de maneira uniforme. O entendimento é que, apesar de a iniciativa ser considerada positiva, precisa ser aprimorada.
Ao transferir para as instituições financeiras a definição sobre as regras para parcelamento da fatura, avalia o instituto, o consumidor pode ser exposto a condições de interesse exclusivo do setor financeiro, em detrimento da manifestação da capacidade de pagamento do cliente. “Diferentemente do que ocorre hoje, em que as regras para utilização dos cartões são unificadas e reguladas pelo Conselho Monetário Nacional, a partir de agora, cada banco poderá definir as regras para uso do rotativo, o que pode trazer dificuldades de acompanhamento das dívidas pelo consumidor”, adverte Ione Amorim, economista do Idec.
A carta cita que alguns bancos estão divulgando que farão o parcelamento automático, caso o consumidor não se manifeste até o vencimento da fatura. O Idec alerta que a adoção de mecanismos de parcelamento automático pode induzir os consumidores a parcelar a fatura em vez de quitá-la, sem avaliar as taxas de juros que melhor atenderiam à sua necessidade de crédito. “A praticidade de parcelar o saldo dentro da própria fatura desburocratiza o processo, mas não é garantia de taxas de juros mais competitivas. Muitas vezes, as taxas de juros do crédito pessoal no mesmo banco são inferiores às taxas de juros para o parcelamento do cartão”, ressalta Ione. “Na falta de educação financeira, substituir o rotativo pelo parcelamento reduz a taxa de juros mas mantém o endividamento”, conclui.
Mais dinamismo à economia
Para o economista da Federação do Comércio de Minas Gerais (Fecomércio MG), Guilherme Almeida, a expectativa é de que a mudança proporcione mais dinamismo à economia, principalmente com a redução da inadimplência. De acordo com o economista, a atual taxa de juros cobrada no rotativo do cartão está entre 15% e 16% ao mês, a maior do mercado. “É tão alta que, em seis meses, o débito pode dobrar, se o consumidor pagar apenas o mínimo, que representa 15% do total. A queda da dívida ocorre em ritmo muito lento e, em muitos casos, o valor se junta a outros gastos, elevando os índices de inadimplência.”
Já os novos financiamentos que serão oferecidos pelos bancos para que o cliente liquide o saldo devedor devem ter juros entre 2% e 10%. “É uma redução muito positiva. Com a inadimplência alta, as pessoas comprometem muito a renda e não conseguem consumir, especialmente bens que exigem crédito.” Almeida reforça, no entanto, que a principal medida para um efetivo controle financeiro precisa partir do consumidor, mudando seus hábitos e elaborando o orçamento doméstico, principalmente porque a dívida poderá ser parcelada em até dois anos.
“Este é o tipo de medida que acaba sendo boa para todo o mundo”, avalia o diretor da Anefac, Miguel José Ribeiro de Oliveira. Segundo ele, o consumidor é beneficiado porque contará com o parcelamento automático oferecido pelo banco. “Na condição anterior, ficava pagando o mínimo, mas a dívida sempre continuava, por conta dos juros embutidos extremamente elevados.” Para Miguel, existe a troca de uma dívida cara (a do rotativo) por outra mais barata (a do parcelamento do cartão). “Esta medida acaba sendo boa para as instituições financeiras, uma vez que, mesmo os bancos ganhando menos – já que terão que cobrar juros menores -, a qualidade do crédito passa a ser melhor, o que deve reduzir o risco de inadimplência.”
Para o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Marcos Casarim, na prática, as mudanças podem reduzir a inadimplência, já que o uso constante do rotativo compromete as finanças dos consumidores. Segundo ele, a inadimplência em Juiz de Fora está estabilizando, com tendência de queda, em função do volume de consumidores negativados e da cautela na hora das compras, por conta da recessão no mercado de trabalho.