Educação à beira do sucateamento


Por Gracielle Nocelli

19/02/2017 às 03h00

escola-de-fachada
Considerada um dos pilares de transformação social, a educação está em estado de alerta em Juiz de Fora. O ano letivo da rede estadual iniciou com uma série de problemas que aponta a necessidade de ações para evitar o sucateamento do ensino. Boa parte das escolas ficou sem professores nestas duas semanas iniciais, situação decorrente de um processo de designação conturbado feito pela Secretaria Estadual de Educação (SEE). Outras questões já se arrastam há mais tempo, como é o caso da insuficiência de merenda e material escolar e a falta de infraestrutura. A Escola Estadual Ana Salles, localizada no Bairro Benfica, na Zona Norte, por exemplo, funciona em uma espécie de contêiner, com uma estrutura feita de compensado de madeira e latão. Somado a isso, ainda há os registros de arrombamentos, furtos e depredações que trazem insegurança para funcionários e alunos da rede.

A Tribuna buscou informações com 45 escolas, mas muitas não quiseram se manifestar temendo retaliações por parte da SEE, como afirmaram ter ocorrido anteriormente. Pelo mesmo motivo, nenhuma escola abriu as portas para que a reportagem fizesse fotos do ambiente escolar. Foi possível coletar depoimentos sobre apenas 28 instituições. Destas, 18 começaram o ano letivo sem o quadro completo de funcionários, nove foram vítimas de arrombamentos desde o ano passado, oito declararam precisar de reformas físicas e estruturais, sete enfrentaram falta ou redução da merenda escolar em 2016 e seis disseram não ter o material escolar necessário para o desempenho das atividades.

Na avaliação do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE) em Juiz de Fora, os problemas afetam as instituições como um todo. “O ano começou com o problema nas designações. Uma ou outra escola que tem o quadro composto por efetivos não teve dificuldade para iniciar as aulas, mas teve falta de outros funcionários. O processo on-line foi uma confusão, teve até nome de servidor que já havia morrido na lista de designação. Isto mostra que não houve planejamento para este processo, que deveria ser tratado como algo muito sério, pois mexe com a vida de muita gente: das famílias de professores que buscam emprego e de alunos que precisam estudar”, analisa a diretora do sindicato, Yara Aquino.

A situação tem aborrecido pais e responsáveis. “Dos meus três filhos, apenas um está frequentando a escola, e o início das aulas aconteceu dois dias depois do previsto. Não tem professor, bibliotecário e secretário. Todo ano é uma confusão, mas este está pior. É um absurdo, pois os professores querem trabalhar, os alunos querem estudar, mas não podem”, relata Sandra Aparecida Marinho, mãe de alunos do terceiro e quarto ano do ensino fundamental e integrante do colegiado da Escola Estadual Teodoro Coelho, no Bairro Jóquei Clube. Relatos semelhantes foram feitos por pais e responsáveis por estudantes matriculados no Instituto Estadual de Educação (Escola Normal), no Centro, e nas escolas Ali Halfeld, no Bairro de Lourdes, e Ana Salles, em Benfica.

Precarização

Para o diretor do Sind-UTE, Givanildo Guimarães, a falta de professores reflete a precarização das relações de trabalho. “Faltam efetivos, mas o Estado prefere manter a maior parte dos profissionais como contratados, sem acesso aos direitos trabalhistas. Todas as nomeações feitas nos últimos anos aconteceram porque pressionamos. Mas a Lei 100 deixou um déficit muito grande, e não temos a realização de novos concursos. Hoje são apenas 39 mil nomeados em todo o estado.” Segundo ele, deste total, dois terços são contratados.

De acordo com a diretora da Superintendência Regional de Ensino (SRE) de Juiz de Fora, Fernanda Moura, esta realidade não se aplica à cidade. “Nós temos cerca de 3.500 professores, sendo 2.900 efetivos e apenas 600 contratados. A Secretaria testou um formato inovador para o processo de designação este ano, que deu alguns problemas. Mas tudo isso está resolvido. Nenhuma escola da cidade ficou fechada esses dias.” Ela reconhece que, com a falta de funcionários, o ensino ficou prejudicado. “Pode ter ocorrido uma precarização porque o supervisor assumiu a sala, o professor deu aula para mais de uma turma ou a turma foi dispensada mais cedo, mas os diretores irão refazer o calendário de forma que todos os alunos completem 200 dias letivos.”

Ela destacou que, apesar de não haver previsão de novos concursos públicos, ainda há seleções vigentes. “Enquanto houver concursos vigentes haverá nomeações. Esta é uma forma de minimizar os impactos das designações. Mas as nossas escolas não estão abandonadas e não enfrentam processo de sucateamento do ensino.”

Doações para garantir merenda

O atraso no repasse de verbas para as escolas fez com que faltasse merenda para os alunos ao longo de 2016. “A promessa do Governo Estadual é que seriam concedidos R$ 0,30 por aluno para a alimentação. No entanto, isto foi cumprido parcialmente. Recebemos quatro meses, dos dez previstos e, de repente, parou”, contou a diretora de um colégio que preferiu não se identificar. “Aqui não chegou a faltar, mas a quantidade e a qualidade foram bem limitadas. Por vezes, os funcionários recolheram dinheiro para comprar uma comida diferente para as crianças. Mas sabemos de instituições onde houve falta de alimento.”

Esta foi a realidade vivida pela escola Ali Halfeld, onde a comunidade passou a fazer doações para garantir a merenda. Além da falta de alimentos, os estudantes foram prejudicados com a insuficiência de material escolar, já que, além da verba restrita, a escola foi alvo de furto seis vezes no ano passado. “A situação lá está muito triste, a sensação é de abandono por parte do Estado”, desabafa a diretora do Sind-UTE, Yara Aquino. A falta de equipamentos também atinge a escola Coronel Manuel Carneiro das Neves, em Paula Lima, onde os funcionários se juntaram para comprar uma máquina de xerox. Com a necessidade de manutenção e a falta de recursos, agora o aparelho não funciona mais.

Atraso de verbas

Em conversa com funcionários da rede, a reclamação é que o atraso das verbas ocorre constantemente. “Nós assinamos muitos termos de compromisso, mas o dinheiro só fica no papel. Tenho documentos que falam que a escola vai receber um valor x para isso, um valor y para aquilo, mas na prática não veio nada até agora. Nós ficamos numa situação embaraçosa com fornecedores, colegiado, e os alunos são prejudicados no aprendizado”, diz outra diretora. “É impossível planejarmos um cronograma de custos, pois o dinheiro não chega. Fico pensando como vai funcionar a proposta de ensino integral se não há material e merenda para os alunos”, indaga o diretor de outro colégio.

Esta também é uma crítica do Sind-UTE. “A reforma do ensino é necessária, mas a proposta do Governo Temer de fazer com que as escolas funcionem em tempo integral não tem levado em conta as condições das instituições. Não há material, merenda, segurança e infraestrutura. A escola não pode ser um depósito de aluno”, diz o diretor Givanildo Guimarães.

A diretora da SRE, Fernanda Moura, confirmou o atraso nos repasses. “Algumas parcelas das verbas para merenda e material sofreram atraso, mas aquelas que foram pagas em dia não são valores baixos e permitem as escolas fazerem estoques dos produtos.”No caso dos alimentos, apenas o perecível é comprado depois. Todas as escolas recebem da mesma maneira, mas apenas algumas tiveram este problema para gerir o recurso. Foi um problema que ocorreu em 2016, mas agora todos os valores já foram repassados.”

Violência denuncia vulnerabilidade

No último fim de semana, a Escola Estadual Batista de Oliveira, no Bairro Costa Carvalho, foi alvo de furto. Conforme informações da Polícia Militar, os invasores levaram 11 ventiladores, interruptores e fiação. Neste caso, não houve sinais de arrombamento, e as salas onde estavam os aparelhos não possuíam fechaduras. Este não é o primeiro caso de violência em escola ocorrido este ano. Os colégios Ana Salles, em Benfica, Henrique Burnier, no Poço Rico, Teodoro Coelho, no Jóquei Clube, e São Vicente de Paulo, no Borboleta, também foram invadidos nestes primeiros meses do ano.

No caso do colégio Ana Salles, os bandidos perfuraram a estrutura de latão e levaram uma série de equipamentos, como computador, data show e até as câmeras de segurança. O local já havia sido furtado no ano passado. Na escola Henrique Burnier, os criminosos derrubaram a parede com o uso de picaretas. Numa segunda ação, eles entraram pelo telhado. Além de roubarem ventiladores e material escolar, atearam fogo na instituição. Nas outras duas escolas foram levados bebedouros e ventiladores.

O problema da insegurança já acontece há algum tempo na cidade. No decorrer do ano passado, a escola Ali Halfeld foi furtada seis vezes, além de sofrer com ações de depredação. Em 2015, a escola Clorindo Burnier, no Barbosa Lage, foi furtada oito vezes. “Funcionários e alunos convivem com o medo em muitas escolas. Muitas têm atividades no período noturno, e há essa falta de segurança”, diz a diretora do Sind-UTE, Yara Aquino. “A falta de infraestrutura das instalações atinge a maioria esmagadora das escolas. Podemos dizer que apenas a Escola Estadual Antônio Carlos, no Bairro Mariano Procópio, e a Duque de Caxias, no Centro, possuem uma boa estrutura. Em todas as outras há necessidade de reparo, manutenção”, diz o diretor Givanildo Guimarães Reis. Segundo ele, os casos mais complicados são das escolas Ana Salles, Delfim Moreira, no Centro, e Professor Francisco de Farias, em Benfica.

Na avaliação da SRE é preciso a escola se abrir para a comunidade. “Temos exemplos de instituições localizadas em regiões mais vulneráveis e que nunca sofreram nenhum tipo de problema, pois a comunidade tem o sentimento de pertencimento sobre o patrimônio. Por isso, incentivamos que as escolas dialoguem sempre com a comunidade”, avalia Fernanda. Ela diz que as escolas citadas por Givanildo são “os casos mais complicados”, mas que já estão em andamento para serem resolvidos.

Preocupação com a formação humana e com a violência

A escola tem o papel de complementar a educação recebida em casa, desenvolvendo o lado cognitivo, as relações sociais e a personalidade dos alunos, conforme explica a doutora em Educação, Ana Paula Marques Sampaio Pereira. “A escola não deve se preocupar só com o conteúdo, mas em formar o ser humano. É no ambiente escolar que se aprende a conviver e respeitar o outro. Por isso, ficamos muito preocupados com a questão da violência, pois não é este o tipo de referência que os alunos devem ter.”

A especialista alerta sobre a interferência das condições do ambiente escolar no aprendizado. “Se a escola não oferece boas condições para o aluno, isso afeta a autoestima e causa um comprometimento muito grande do aprendizado. Se não tem material, falta carteira, o estudante se machuca com os móveis da escola, ele passa a se sentir mal neste ambiente.” Ela destaca que a situação se agrava quando há falta de merenda.

Neste sentido, Ana Paula também questiona a reforma do ensino médio proposta pelo Governo. “Não há preocupação com o processo para a implantação. Temos propostas boas, como é o caso do ensino integral, mas não são todas as escolas que possuem condições para isso. A educação integral é capaz de surtir efeitos positivos porque diminui o risco social, traz novas forma de aprendizado e pode ser muito eficiente se feita de forma adequada. Mas se não melhoramos as condições, não tem como dar certo. Estamos no caminho errado.”

Para ela, o melhor caminho para educação é dar voz aos educadores. “Cada governo chega e decide sobre o ensino de uma forma diferente, sempre num processo de cima para baixo, o que mina todas as possibilidades de sucesso. A educação está navegando numa onda de politicagem. O correto seria uma mudança de baixo para cima, em que os educadores sejam ouvidos, pois eles conhecem a realidade. Mas o que acontece é o contrário, tentam calar os professores”, diz. “Temos muitos educadores que ainda acreditam e trabalham para formar pessoas mais solidárias e tolerantes, profissionais que ainda buscam uma perspectiva global no ensino. Este é o caminho para o futuro.”

Média salarial de R$ 2 mil para os educadores

Com uma média salarial de R$ 2 mil, os professores do estado fazem jornadas duplas e até triplas para complementar a renda. Em 2016, o Governo do Estado escalonou o pagamento dos servidores ou atrasou para aqueles que receberam o valor integral. “O professor ganha mal e atrasado, enfrenta todas essas dificuldades em sala e é cobrado pela família do aluno, que realmente deve exigir a qualidade do ensino. Muitos adoecem, ficam desmotivados. Por isso, vamos continuar lutando”, promete a diretora do Sind-UTE, Yara Aquino. No dia 8 de março, está prevista uma paralisação dos professores estaduais, e no dia 15 de março, um ato nacional que pode se tornar uma greve de várias categorias.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.