Por trás das gangues
Uma pesquisa acadêmica realizada durante dois anos por alunos de graduação da Faculdade de Psicologia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF) sobre atos de violência entre gangues de Juiz de Fora traça um perfil detalhado de jovens envolvidos com a criminalidade e vai além de questões referentes à baixa escolaridade. Dos 147 adolescentes ouvidos em 15 bairros, mais de 60% não residem com os pais biológicos, sendo que 25,2% vivem com os avós. Outro dado que chama a atenção é que 59,9% dos entrevistados afirmaram passar a maior parte do tempo na rua sem a supervisão de um adulto. O empobrecimento das relações afetivas tem um impacto direto no comportamento de grupos mais vulneráveis à associação de gangues já que, na ausência de referências positivas, muitos encontram na figura dos chefes dos bondes ou no traficante de sua área um exemplo de liderança. A novidade do trabalho inédito coordenado pela professora do curso, a psicóloga Vera Helena Barbosa Lima, é que a falta de apreço pelo ser humano – também percebida entre jovens de classe média alta – está diretamente ligada à questão do afeto nos primeiros anos de vida. Na ausência de amor, o ódio assume a dianteira na construção dos laços sociais e a vida do outro passa a não ter valor para pessoas sem perspectiva.
O estudo mostra que mais de 60% do grupo pesquisado já praticaram atos violentos, sendo que 31,9% confessaram ter feito uso de arma de fogo e 11,4% admitiram já ter matado alguém. Aliás, durante o tempo de duração da pesquisa, dois dos 147 jovens ouvidos foram assassinados. Além disso, 23,5% confessaram ter armas de fogo em casa e 15,3% afirmam ter comprado essas armas das mãos de traficantes. A disputa por territórios e espaços públicos é apontada como gatilho da violência que passa, muitas vezes, de geração para geração.
“Esses meninos estão na rua, moram com os avós, mas ficam soltos, são segregados em vários lugares, inclusive nas políticas públicas, e não têm, nem na família e nem na escola, alguém que olhe por eles, que os acolha, que mostre para eles o que é importante. Eles já escutam adjetivos pejorativos o tempo todo, então não faz diferença se os xingarem ou brigarem com eles. Agora um elogio é uma coisa que eles não recebem. Então, no bairro onde tem o traficante, o chefe da boca – de quem eles recebem atenção e dinheiro para comprar a bermuda que todo mundo tem, o tênis que todo mundo tem -, esse será o grande pai na vida deles. E eles são fiéis. Dão a vida por esse sujeito, seja ele quem for”, explica Vera, a partir dos dados colhidos pelos alunos José Otávio de Paula Nogueira e Eduardo Priamo Ferreira, hoje no nono ano do curso.
Várias causas
Para o professor da Faculdade de Comunicação da UFJF, Wedencley Alves, que coordena o grupo Sensus, com estudos na área de mídia, saúde e violência, o enfraquecimento do diálogo e do afeto é um fator que alimenta a cultura da violência, mas não é o único. “Quando a gente procura uma causa única, acaba encontrando respostas insuficientes. Além dessa questão do afeto, a desigualdade de oportunidades impacta os índices de violência, e isso aconteceu em Juiz de Fora, cidade que sofreu uma desindustrialização forte, apesar do aumento da circulação financeira. Outro aspecto é o crescimento da cultura da violência no Brasil, com a pregação do ódio e da morte na internet. O empobrecimento do diálogo familiar não é peculiaridade das famílias mais pobres. A diferença está justamente na expressão dessa violência, porque os jovens de classe média alta também matam, só que no trânsito. O número de homicídios – cerca de 50 mil este ano no Brasil -, é semelhante ao de mortos no trânsito”, alerta.
Geração que perde a vida para o crime
As baixas entre jovens brasileiros superam as mortes ocorridas em países em guerra. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), entre janeiro de 2011 e dezembro de 2015, o Brasil teve um total de 278.839 assassinatos, número maior que o de vítimas da guerra na Síria. Assustado com a perda de 60 alunos em uma década no Bairro Furtado de Menezes, – a maioria foi assassinada ou presa -, o professor da rede estadual de Juiz de Fora, que trabalhou por 11 anos na área, disse que muitos deles foram recrutados por traficantes. “Eles acabam sendo usados para fazer acerto de contas e morrem antes dos 18 anos. Toda uma geração é afetada, porque muitos assassinados acabam deixando órfãos filhos que ainda estão na barriga de muitas adolescentes que engravidam precocemente. Infelizmente, a escola é tão refém quanto eles. Para muitos, foi o crime quem deu a eles a primeira oportunidade”, observa o docente que prefere ter o nome mantido em sigilo por medo de retaliação. Segundo ele, a violência nas escolas particulares também está presente, mas de forma mascarada.
Para o professor da Faculdade de Comunicação da UFJF, Wedencley Alves, é preciso envolvimento dos poderes públicos e também da sociedade para minimizar o impacto dessa cultura de violência que afeta a todos. Já a psicóloga Vera Helena Barbosa Lima reitera que, sem dar aos jovens a atenção que eles necessitam, pouca coisa mudará. “Eles precisam de atenção de verdade, não de faz de conta. Nas políticas públicas, temos projetos excelentes no papel, mas que chegam prontos às comunidades sem conhecer, de fato, a verdadeira necessidade delas.”