De Vila Isabel para a Europa, passando por JF


Por Júlio Black

14/09/2016 às 07h00- Atualizada 14/09/2016 às 10h46

Luiz Castelões compôs suíte em sete movimentos inspirada em música de Noel Rosa

Luiz Castelões compôs suíte em sete movimentos inspirada em música de Noel Rosa

O clássico, popular e contemporâneo misturam-se na obra do compositor carioca Luiz Castelões. Professor de composição musical na UFJF, ele é o autor da suíte em sete movimentos “7 Fábricas”, inspirada na música “3 Apitos” de Noel Rosa, que foi gravada na última semana pelo Quartetto Maurice, um dos mais prestigiados quartetos de música de câmara da Europa. A composição teve execução para o público no último sábado na Capella di Santa Elisabetta, na Casa Lajolo, um complexo de edifícios históricos nos arredores de Turim (Itália), onde o carioca cumpre residência apoiada pelo Ibermúsicas, prêmio que apoia a música ibérica e latino-americana. “7 Fábricas” vai fazer parte do CD “Rotações”, que conta com composições gravadas a partir de 2007 e que será lançado de forma independente.

Luiz conta que ficará mais alguns dias em Turim para encerrar o processo de mixagem, retornando em seguida para Juiz de Fora. Assim que estiver pronta, a gravação será disponibilizada para audição na página dele no SoundCloud (www.soundcloud.com/lecasteloes). Esta não foi a primeira vez que Castelões e o Quartetto Maurice trabalham juntos: ele e duas musicistas do Maurice se apresentaram em 2013 no Festival Composit, na Itália, em que executaram “Cartoon etude”, trio para piano composto por Luiz. No ano seguinte, o quarteto gravou “5 tons para Noel Rosa”, composta sob encomenda para eles. “O primeiro quarteto foi realizado de forma independente. Desta vez eu tentei unir o apoio do Ibermúsicas com a estreia e gravação deste quarteto. Deu certo. O contato foi daquele jeito que os músicos conhecem. Como já tínhamos trabalhado juntos, foi questão de um telefonema ou e-mail enviado um ano antes: ‘Pessoal, pintou um apoio, posso fazer um segundo quarteto para vocês?’. ‘Sim!’, ‘Yeah!’. Um ano de trabalho depois, entreguei a partitura para eles aqui, e eles fizeram. O legal é que o lançamento é via internet, disponível para quem quiser ouvir”, diz Castelões, destacando esperar que a suíte possa ser conferida pela web já na sexta-feira.

Dez anos de composições em CD

As duas composições gravadas pelo Quartetto Maurice devem fazer parte de “Rotações”, CD independente que Luiz Castelões planeja lançar próximo ao final do ano com uma seleção das melhores gravações de sua obras. “Este CD incluirá, além de meus dois quartetos de cordas na interpretação do Quartetto Maurice, obras para piano pela pianista romena Bianca Oglice e pela pianista juiz-forana Grazi Elis, além de vinhetas eletrônicas feitas para o projeto de dança VIA, do colega João Queiroz (da UFJF) e da coreógrafa Daniella Aguiar. A masterização será feita no Estúdio Nave, com design de Natália Duque”, adianta. “Não tive pressa. Estou com 39 anos e optei por lançar algo em CD só quando tivesse certeza da qualidade e durabilidade das faixas, que estão disponíveis on-line. A vantagem do CD é a melhor qualidade sonora (na comparação com o streaming) e uma seleção de obras específicas colocadas em uma ordem específica. Ele se encaminha para se tornar uma mídia ultrapassada, mas ainda há o fetiche de se ter um objeto sonoro em mãos.”

Um Noel rock, pop, ‘motorizado’

 

 7 Fábricas’ é a segunda colaboração entre o Quartetto Maurice e o professor da UFJF (Foto: Divulgação)

7 Fábricas’ é a segunda colaboração entre o Quartetto Maurice e o professor da UFJF (Foto: Divulgação)

Sobre “7 Fábricas”, Luiz Castelões afirma que ela é reflexo da ligação constante entre a música clássica e a popular em seu trabalho. “Para mim, a música popular inventou os grandes clássicos da música brasileira. Importante frisar, entretanto, que uso temas populares de domínio público (como os do Noel Rosa) apenas como ponto de partida para fazer música nova – isto é, outras músicas, as quais frequentemente rumam para bem longe do original. Não é nunca o caso de imitar ou fazer uma reprodução histórica, mas muito mais uma questão de reimaginar e criar ficções musicais”, diz. “‘3 Apitos’ gera um rock, um pop, um funk, uma música feita exclusivamente de sons de carros e sirenes imitados pelo quarteto, além de uma música em que as cordas imitam uma vassoura de metal.”

“Ela (‘3 Apitos’) fala de uma fábrica. A fábrica tem pulso. A reafirmação do pulso é algo que eu sempre desejei para música erudita contemporânea. ‘Pulso’ também remete a força e perseverança, valores raros numa época de volatilidades, vacilos, inconsistências e futilidades. Daí compus as ‘7 Fábricas’, cada uma com a sua abordagem sobre o pulso”, explica Luiz sobre a forma que a música de Noel Rosa o instigou a criar essa remodelação sonora. “Numa perspectiva poética, ao reusar Noel, ao ‘atualizá-lo’, a gente permite que ele viva mais, que ele transcenda sua curta vida, mas também que ele possa ser outros ‘Noéis ficcionais’: um Noel fadista, outro funkeiro, outro polifonista. Quem nunca quis ser vários, ser outros, ser múltiplos?”, filosofa.

Essa nova visão sobre a obra do cantor e compositor de Vila Isabel, acredita, também acaba por instigar os musicistas. “É claro que ao escrever multiplamente eu lanço um desafio tremendo para o quarteto, os intérpretes. Eles precisam assumir musicalidades múltiplas, que sem dúvida levam a desafios técnicos avassaladores. É uma tribo pequena a que aceita esse tipo de desafio. Não é confortável. Nem deveria ser, porque o compositor, num caso desses, também leva um tempo tremendo para fazer a obra. É um desafio mútuo bonito, de amigos que se encontram na superação e na perseverança. Essa é minha tribo.”

Quanto à apresentação do último sábado, Luiz diz ter só motivos para comemorar. “Foi calorosa! A plateia tinha físicos, psicólogos, famílias, todos acolhendo a música brasileira. O programa também incluiu Bach e arranjos ítalo-mexicanos. Foi emocionante rever a capacidade de comunicação da música para além das fronteiras.”

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