Falta de informação compromete uso de ciclorrota
Sobram dúvidas quando o assunto são as ciclorrotas, que começaram a ser implantadas na Avenida Rio Branco no dia 15 de junho e com perspectiva de expansão para outros nove corredores de tráfego do município. Condutores não respeitam o espaço dos ciclistas que, por sua vez, cometem infrações que os colocam em risco, como transitar no meio ou na faixa da esquerda da via e avançar semáforos, passando com as bicicletas em meio aos pedestres. Estes, por sua vez, não sabem o significado das marcas vermelhas instaladas nas travessias, enquanto outros se dizem preocupados em compartilhar o espaço. Desde que a novidade foi colocada em prática, nenhuma campanha educativa foi desenvolvida, deixando margem para uma série de dúvidas. A principal é não saber a diferença de ciclorrotas para ciclofaixas ou ciclovias. Para mostrar esta série de problemas, a Tribuna encarou um desafio na última terça-feira. A reportagem percorreu, de bicicleta, a Rio Branco entre os bairros Bom Pastor, na Zona Sul, e Manoel Honório, na Leste. O vídeo com as imagens pode ser conferido aqui:
A Avenida Rio Branco foi o primeiro corredor de tráfego do município a receber a ciclorrota, que consiste em um espaço compartilhado para uso tanto das bicicletas como dos outros veículos. É uma maneira, segundo o conceito deste formato, de apresentar os melhores caminhos para se locomover com bicicleta no perímetro urbano. O objetivo é tornar as vias mais seguras de forma a diminuir a velocidade dos automóveis e estimular o compartilhamento. Algumas faixas para pedestres também receberam nova pintura, dividindo a travessia com as bikes. Compõem a sinalização placas verticais, sendo algumas de caráter educativo, e pinturas no asfalto, indicando o traçado. Nos semáforos, há ainda um quadrado pintado de vermelho, o bike box, entre a faixa de travessia e os automóveis, que deve ser utilizada para as bicicletas aguardarem o sinal verde.
“Esta faixa é para pessoas com deficiência, não é?”, respondeu o assistente administrativo Ismael Sadiki, 30 anos, ao ser perguntado sobre o corte em vermelho sobre a travessia para pedestres, na interseção com a Rua Barão de Cataguases. “Não sei o que significa”, disse a balconista Maria do Carmo, 61. Ao ser informada sobre a função da faixa, no entanto, ela completou: “Acho perigoso. Vão derrubar os pedestres, ainda mais nós, que somos idosos.”
Nem mesmo os motoristas profissionais sabem o significado das sinalizações colocadas na avenida. O taxista Anézio Francisco de Lima, 57, pensa ser uma ciclovia. “Já estamos sem espaço para trabalhar, e as ruas são estreitas. Não vejo forma de colocar ciclovia neste espaço.” Ao ser orientado sobre o que é uma ciclorrota, e não uma ciclovia, o motorista confessou: “Para ser honesto, até agora não entendi como funciona porque nada foi passado para nós. Respeitar, todos nós sabemos que precisamos, tanto o pedestre como os ciclistas e os motociclistas. Mas o funcionamento deveria ser mais explicado.”
Conscientização
O mestre em engenharia de transportes José Luiz Britto Bastos concorda que faltam campanhas de conscientização para explicar as ciclorrotas. Em sua avaliação, este trabalho deveria ser feito antes do início da implantação, de forma maciça. “O funcionamento está completamente diferente do que as pessoas estão entendendo. A ciclorrota é fruto da insistência dos cicloativista que, por muito tempo, reivindicaram a necessidade de conquistar espaço. A Prefeitura cedeu e implantou a ciclorrota, porque se comprometia menos do que as ciclovias e ciclofaixas. Mas em Juiz de Fora as bicicletas não têm vez nas vias, definitivamente os condutores não aceitam. Por outro lado, muitos ciclistas também não respeitam as regras. Está tudo errado.”
Para Britto, o correto não seria a ciclorrota, e sim uma ciclofaixa. Nesta modalidade, a bicicleta teria espaço exclusivo no pavimento, mas sem barreiras físicas para separação dos carros. “Para isso precisamos entender o que o resto do mundo já faz, que é priorizar o transporte coletivo e o não motorizado, em detrimento ao individual. A ciclofaixa é possível na Rio Branco se reduzir uma faixa para os carros. Desta forma desestimula o uso do carro, cria-se congestionamentos para o condutor pensar antes de tirar o seu carro da garagem e ir ao Centro.”
Pedalar na Rio Branco exige coragem
Para trafegar de bicicleta na Avenida Rio Branco, é preciso ter atenção e coragem. A Tribuna passou pela experiência na última terça-feira, em horário de pico, e se deparou com diversas situações de perigo envolvendo a falta de respeito de carros e motos. O objetivo era que o repórter, pouco habituado com a bicicleta, desse a sua impressão sobre como é pedalar na avenida após a ciclorrotas (confira vídeo no site). Ciclistas ouvidos pela reportagem também mostraram pouco otimismo com a nova sinalização porque, segundo eles, faltam informações concretas e respeito dos motoristas.
Conforme o estudante Diego Ribas, 22 anos, os perigos são os mesmos. “Os motoristas continuam agindo da mesma maneira. Para nós, não fez diferença. Talvez quem ande de carro tenha ficado mais atento. Nunca teve segurança para o ciclista e, se continuar desta forma, nunca terá.” O vigilante Diego Moya, 31, passou pela reportagem na Rio Branco próximo à Rua Floriano Peixoto. Entre ele e o guidão, em uma cadeira própria, estava seu filho, 5. Em frente ao Parque Halfeld, ele foi visto na calçada, empurrando a bicicleta. “Vou muito devagar e, se está muito cheio, empurro na calçada. Infelizmente não vi qualquer diferença. Tem até motorista que respeita, mas muitos fingem não ver. Acho que, para funcionar, deveria ser ciclovia.”
Falta de respeito é a reclamação, também, do balconista José Cláudio da Silva, 52, que passa de bicicleta na avenida todos os dias. “Por enquanto, não vejo mudança. Os motoqueiros tomam conta do meio da pista, e os carros, para darem espaço a eles, andam bem no canto, bem próximos a nós. Ninguém respeita.” O empresário Fábio Freitas, 34, diz não ter observado melhorias. “Está só dificultando o trânsito. Eu tinha bicicleta, andava direto na Rio Branco, e percebo que nada mudou, pois ninguém respeita nada. São muitos carros e pouco espaço. Acho que foi dinheiro jogado fora.”
‘Atenção, paciência e educação’
Esta tríade é defendida pelo diretor do grupo Mobilicidade, Guilherme Mendes, ao falar do compartilhamento entre os modais no trânsito. Na sua avaliação, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é falho quando cita os direitos dos ciclistas, e as consequências são as imprudências observadas no cotidiano. “O trânsito não é do carro e nem do pedestre, é de todos. E, por compartilhamento, subentende-se respeitar as regras e os direitos. Mas infelizmente falta respeito daquele que tem um veículo que pode se transformar em uma arma letal. A bicicleta não tem este mesmo papel.”
Conforme Guilherme, a campanha se faz necessária para esclarecer estes equívocos com relação à ciclorrota. Mas mais do que isso, é importante mudar a visão com relação ao tráfego. “Não é um problema de Juiz de Fora, mas mundial. Falta realmente conversar e debater as alternativas para o trânsito. A motorização excessiva chegou a um ponto que a cidade não comporta mais o número de carros, e isso precisa ser reavaliado. Por isso a ciclorrota é um avanço.”
Settra garante campanha de conscientização
Apesar da falta de informação evidenciada nas ruas, o projeto está em fase de conclusão na Avenida Rio Branco e já segue para outros corredores de tráfego. Na Avenida Getúlio Vargas, o trabalho já começou e, após esta via, a expansão seguirá, não necessariamente nesta ordem, paras as avenidas Itamar Franco e Francisco Bernardino, no Centro, e José Lourenço Kelmer, no São Pedro, além das ruas Dom Silvério, no Alto dos Passos, Santo Antônio, no Centro, e São Mateus e Vitorino Braga, em bairros homônimos. A previsão é que todas as vias estejam integradas às ciclorrotas até o fim deste ano.
De acordo com o secretário de Transporte e Trânsito, Rodrigo Tortoriello, é uma questão de tempo incutir a nova cultura nas ruas. Para facilitar o entendimento, a Prefeitura vai iniciar, nos próximos dias, uma campanha de conscientização, com distribuição de panfletos, mapas e adesivos. Também está em fase de conclusão um novo site, sobre as ciclorrotas, onde os usuários poderão ter informações sobre como o sistema funciona. “Ainda vemos muitos ciclistas saindo das ruas e passando pela calçada, e muitos pedestres atravessando sobre a faixa vermelha. É uma questão de adequação e penso que é preciso dar prazo para o funcionamento.”
Um dos principais questionamentos dos ciclistas é com relação à velocidade dos carros e a proximidade deles com as bikes. Em ruas de algumas cidades, por exemplo, a implantação da ciclorrota veio acompanhada da redução desta velocidade para 30 quilômetros por hora e maior rigor na fiscalização. Esta é uma medida defendida pelo mestre em engenharia de transportes José Luiz Britto Bastos. “Este é o segredo para acabar com os problemas de acidentes graves. Não importa se vai congestionar o trânsito, pois desta maneira até desestimula o uso do automóvel. É preciso mudar o conceito e pensar que carro deve ser usado para grandes distâncias e viagens.”
Conforme Tortoriello, todas as possibilidades estão sendo avaliadas, mas por enquanto a redução não está prevista. No entanto, a fiscalização pode ser intensificada, principalmente para garantir a distância mínima de 1,5 metro com relação aos outros veículos. “O condutor, ao se deparar com uma bicicleta, precisa reduzir a velocidade e aguardar a oportunidade para trocar de faixa e fazer a ultrapassagem segura. Ele precisa garantir a distância. É uma mudança de cultura, e vamos dar um passo de cada vez, avaliando cada dia estes passos para conseguir implantar estas alterações.”
Mergulhão
Durante o trajeto da Tribuna, na terça-feira, entre os bairros Bom Pastor, Zona Sul, e Manoel Honório, um ponto chamou atenção da reportagem. Com a restrição de tráfego de bicicletas por baixo do Mergulhão, as sinalizações da ciclorrota indicam o trajeto por cima. No entanto, ao chegar neste local, não há mais pinturas sobre a calçada ou placas indicativas de que ali trafegam bicicletas. Questionado sobre isso, o secretário explicou que a bicicleta não pode passar por baixo em razão do estreitamento da pista e os riscos por causa das paredes. “Vamos providenciar a sinalização indicativa, mostrando que o trajeto mais adequado para a bicicleta é na parte de cima do Mergulhão.”