‘Censura, não!’: mostra do Divulgação marca os 60 anos do golpe de 64

Exposição apresenta fotografias e maquetes de espetáculos encenados pelo grupo durante o regime ditatorial; visitas podem ser feitas até o dia 5 de abril, com entrada franca

Por Andreza Araújo

27/03/2024 às 06h00 - Atualizada 26/03/2024 às 16h19

A Galeria de Arte do Forum da Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) vem servindo de palco para uma reflexão profunda sobre a censura imposta pela Ditadura Militar  (1964-1985). A mostra “Censura, não!”, promovida pelo Grupo Divulgação, transporta os visitantes para uma época marcada pela supressão de ideias e evidencia como esse fenômeno ainda segue presente na sociedade brasileira. A exposição segue acessível ao público até o dia 5 de abril, com entrada franca.

A exposição apresenta fotografias e maquetes de espetáculos encenados pelo Grupo Divulgação durante o regime ditatorial, que foram alvo de censura. Entre as obras retratadas está “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes, que nunca chegou a ser encenada devido a obstáculos burocráticos e políticos. José Luiz Ribeiro, coordenador do Grupo Divulgação, recorda o período tenso.

“Nós ficamos esperando, encaminhamos a documentação que devia ser enviada para autorizar a montagem e nunca nos deram resposta se poderíamos fazer a peça ou não”.

Mecanismos da repressão 

Fundado em 1966, em pleno domínio ditatorial, o Grupo Divulgação enfrentou inúmeros obstáculos impostos pela repressão, incluindo censura e intimidação física aos seus membros. 

José Luiz relembra histórias reais da época, como a presença de um agente infiltrado durante a apresentação de “A Morta”, de Oswald de Andrade, com o objetivo de registrar o espetáculo com um gravador de som. A encenação em questão, inaugurou o Teatro do Forum da Cultura, em 1972. 

“Uma das atrizes ‘pulou em cima’ do gravador do rapaz, pegou o aparelho e ele passou por todos os lados. Acabou na cabine de iluminação. Lá, nós desgravamos a fita. Terminado o espetáculo, ele chega com um policial, afirmando que foi assaltado lá dentro. Nós devolvemos e explicamos que não era permitido gravar. No dia seguinte, esse rapaz estava com um estandarte da Tradição, Família e Propriedade (TFP – sociedade anticomunista ativa no período) perto do Cine-Theatro Central”, conta. 

No período, havia diversos outros mecanismos de censura, um deles, o sufocamento financeiro. Esse tipo de repressão consistia na proibição de espetáculos, que já haviam sido previamente aprovados, quando os artistas já haviam feito os investimentos nas montagens. Foi o que aconteceu quando o Divulgação montou “Diário de um Louco” (de Nikolai Gogol), no Teatro da Casa d’Itália, em 1969. Como saída, a produção optou por pontuar os cortes no texto com momentos em que o personagem único, vivido por José Luiz Ribeiro, colocava um pano branco sobre a boca. 

“É a forma policialesca da censura. O espetáculo foi proibido na hora da estreia. Chegou um policial federal com a ordem. Entramos com vários intercursos e acabamos conseguindo fazer com que a peça fosse liberada com cortes”, conta o coordenador do grupo.

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Para pontuar os cortes no texto realizados pela censura, o personagem, interpretado por José Luiz Ribeiro, colocava um pano branco sobre a boca. (Foto: Grupo Divulgação)

A ameaça à integridade física do elenco e do público era outra face da repressão encarada pelo Divulgação. “Era uma censura velada, com ameaças de incendiar o nosso cenário – todo feito em jornal”, conta José Luiz Ribeiro. 

Censura no presente

Com olhar sobre a sociedade atual, a mostra também aponta que o impulso censurador segue presente. Essa reflexão é promovida com recortes de jornal. Entre os casos demonstrados, está o do livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, que teve recolhimento decretado em colégios públicos de Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná. 

“A censura existe hoje. Nós também vimos o livro da Conceição Evaristo que foi censurado. Agora estamos vendo o Estado retirando livros das bibliotecas. É hora de refletir”, finaliza José Luiz Ribeiro. 

Para a atriz do Grupo Divulgação e professora do Departamento de Teorias, Fundamentos e Contextos da Faculdade de Comunicação (Facom) da UFJF, Márcia Falabella, a mostra deve ser vista pelas novas gerações – que não vivenciaram a Ditadura Militar.

“Uma exposição necessária. Traz os relatos de um tempo. A memória recontando vestígios de um passado que não está tão adormecido como gostaríamos, um tema fundamental para estudantes do Ensino Médio. Muitas informações para uma boa redação”, destaca.

Dessa forma, a mostra serve como uma fonte valiosa de conhecimento histórico e um convite à reflexão crítica.

Espetáculo também marca 60 anos do golpe

Além da exposição, o Grupo Divulgação está preparando o espetáculo “Censura, não!”, uma retrospectiva que aborda a repressão ao pensamento desde os tempos da colonização portuguesa até os dias atuais. Escrita e dirigida por José Luiz Ribeiro, a peça será apresentada como conclusão do curso de Mergulho Teatral, de introdução ao teatro, no dia 5 de abril, às 20h, no Teatro do Forum da Cultura, situado na Rua Santo Antônio, 1.112, no Centro.


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